Roberto Birindelli O Olho e a Faca (10)

EXCLUSIVO | Roberto Birindelli chama atenção para o cinema nacional: “Não sei até que ponto foi bom a TV tomar conta”

Karinna Adad

“O Olho e a Faca”, que estreia nesta quinta-feira, 27, é “apenas” o 47º longa-metragem do experiente Roberto Birindelli, fora os trabalhos não contabilizados na TV (entre novelas e séries) e no teatro. O ator retorna às telonas para viver Wagner, que trabalha em uma plataforma de petróleo e se envolve em uma briga com o personagem de Rodrigo Lombardi.

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A saber, “O Olho e a Faca” conta a história de Roberto (Lombardi), um petroleiro que se encontra num momento de grande transformação em sua vida pessoal e profissional. Roberto é pai de dois filhos. Entretanto, ele mantém um romance fora do casamento e está constantemente entre o mar e a terra. Uma promoção no trabalho, porém, o leva à reflexão de sua existência.

Gentilmente, Roberto Birindelli conversou com nossa equipe. Num papo agradável, o ator falou um pouco sobre o filme, a sua carreira, o cinema brasileiro, bem como os desafios de se filmar em uma plataforma de petróleo. Confira:

Roberto Birindelli O Olho e a Faca entrevista
 

BLAH!ZINGA: Quais foram os desafios de se filmar numa plataforma de petróleo?

Roberto Birindelli: A gente tentou gravar in loco, não tem nada de chroma key, nada de efeito. A equipe inteira ficou 12 dias embarcada. Isso já é um desafio para qualquer um que não seja um petroleiro, [já que] 50% do tempo numa plataforma é pensar na segurança e a outra parte é em trabalhar e dormir. Quando a gente chegou [na plataforma], [houve] mais uma palestra de segurança, [o palestrante] falou “Cara, aqui dentro tem 3 coisas: 1,5 milhão de litro de combustível (petróleo, gás tóxico e ferro batendo um no outro fazendo faísca). Vocês vieram para uma bomba, então saibam viver nela senão você não sobrevive”. Até andar numa escada! Pensa que é alto-mar, tem vento pra cacete, então, se você soltar as duas mãos você voa da escada. Tem que entender que está num lugar perigoso. É petróleo o tempo inteiro, então tudo é combustível.

BLAH!ZINGA: A apreensão sentida na plataforma acabou contribuindo para a construção dos personagens?

Roberto Birindelli: Primeiro, você tem uma questão ficcional, que é o quê que acontece na vida desses petroleiros, mas você tem uma questão real, que é o risco, o cansaço, o vento. Que é você estar 12 dias dormindo numa cama que balança. Que você está confinado, que tem 360 graus de água. São 180 km de mar adentro [onde] você não vê mais nada. Isso é real. Você está isolado mesmo. Isso só, independente de você fazer um filme ou não, já é uma experiência do caramba. A gente teve uma preparação da Fátima Toledo, que foi mega importante. [Mas] a gente encontrou um ambiente mais duro do que o que imaginou no treinamento. É periculosidade em grau máximo, insalubridade… E esse isolamento, essa tensão passou para o filme. Isso está no filme.

Roberto Birindelli O Olho e a Faca (6)

BLAH!ZINGA: Quando ia pra terra, essa tensão perdia um pouco o foco. Parecia tentar contar uma outra história. Por exemplo, no começo, foca na relação entre Wagner e Rodrigo, mas depois, Wagner some.

Roberto Birindelli: Sabe a tragédia grega que tem sempre a medida e a desmedida? Na tragédia, sempre tem um duplo. Um na medida e um na desmedida. No caso desse filme, é um no prumo e um fora do prumo. Tanto que tem sempre um prumo ali. Wagner é o do prumo, ele ajudou a construir a plataforma. Óbvio que era ele que tinha que ser alavancado para ser o chefe daquela plataforma. E aí, por pressão, por manipulação, o gerente da plataforma escolhe o Roberto, que não era o que estava mais preparado. Dessa forma se estabelece a desordem e a tragédia. Mas, de fato, poderia ser contada uma história focada na amizade dos dois. Por exemplo, com ela se deteriora. Entretanto, a câmera segue Roberto e mostra como o mundo vai para o espaço.

BLAH!ZINGA: Você já tinha filmado em um ambiente tão desafiador quanto numa plataforma de petróleo?

Roberto Birindelli: Bom, uma vez eu fiz uma novela sobre a máfia siciliana. Primeiro dia na Sicília, veio a turma saber se estava tudo certo, se pagou o pedágio. Mas na plataforma, o ambiente… Só para ter uma ideia, a gente tinha um plano de filmagem, preparava, decorava… 6 da manhã mudou o vento. Não para nem o tripé do lado oeste. Então cancela todas as cenas do lado oeste. Logo, logo a gente se deu conta de que não podia preparar nada. Tinha que estar pronto para o que der e vier. Eu tenho fotos dos primeiros dias de filmagem e dos últimos. São duas pessoas diferentes. Todos perdemos peso na plataforma. Pensa que são 14 horas de spinning por dia. É tudo físico. Como se fosse um prédio de 12 andares. Você sobe e desce o dia inteiro, não tem elevador.

Roberto Birindelli O Olho e a Faca (4)

BLAH!ZINGA: Você é nascido no Uruguai, mas trabalha no Brasil há bastante tempo. Como foi a chegada no país?

Roberto Birindelli: Eu cheguei com 15 anos. Antes disso, trabalhava com pintura e desenho. Eu pinto desde os 5 anos. Fiz um pouco de escultura e aí cheguei no Brasil. Comecei com mímica e dança. Quando comecei com teatro, já tava na faculdade de Arquitetura. Depois me formei em Arquitetura, fiz [Artes] Cênicas, dei aula na faculdade de Artes Cênicas, na FUNARTE, dei oficina, dei aula em quase 200 cidades do Brasil. Bom, aí veio o cinema. Faz 10 anos que mudei para o Rio e, claro, entrou cada vez mais o audiovisual. Mas eu já fazia cinema antes. TV é que é uma coisa mais recente. Eu só fiz 4 novelas na minha vida. E tô com 47 filmes. Fiz pouquíssimas peças, mas uma delas encenei durante 21 anos. Rodei o mundo com esse espetáculo, Primo Miracolo. No Brasil, fiz em 205 cidades.

BLAH!ZINGA: Você chegou a fazer algum filme uruguaio?

Roberto Birindelli: Uruguaio, não. Na Argentina já fiz 4, 2 protagonistas já A quién llamarías? e Aguas Salvajes. Fiz um longa agora no Panamá e em Medellín, Humanpersons. Vou rodar mais um filme no Panamá e depois que terminar esse vou pra Los Angeles fazer 2 Shots of Tequila. São dois homeless passando uma noite atrás de uma garrafa de tequila.

BLAH!ZINGA: O que você percebe de diferente entre cinema brasileiro e o de outros países onde filmou?

Roberto Birindelli: Cinema argentino e brasileiro não têm nada em comum. O argentino é psicológico. O brasileiro, por outro lado, é social. E tem diferença de roteiro. O argentino é brutal. Cinema mexicano tem mais aspectos sociais, mas principalmente aqui no Brasil tem uma coisa muito grande da TV. Você vê que o grande distribuidor é a TV. E já tem muita gente que nem faz mais cinema, faz audiovisual que vai ser editado para a série ou filme. Então, eu não sei até que ponto foi bom a TV tomar conta do cinema no Brasil. Você vê que boa parte das bilheterias são de telefilmes e de linguagem de TV, e não de cinema. E que faz um número de espectadores grande no Brasil. Mas o resto do mundo não entende isso como cinema, então não consome. É uma situação que a gente vai ter que pensar um pouquinho.

Karinna Adad

Tranquila, mas multitarefada. Sou daquele tipo de pessoa que sempre está fazendo alguma coisa e descobrindo outras tantas pelo caminho. Topo qualquer parada desde que tenha prazer nela e uma das que por mais tempo vem me enchendo de alegria é a escrita. E como boa leitora consigo escrever sobre quase qualquer coisa, por mais que, como uma cientista social em formação, não consiga deixar de fazer agir meu raio problematizador nos meus textos.
NAN