Festival Nova Música: Mohandas e Choque do Magriça fecham evento em grande estilo

Wilson Spiler

O Festival Nova Música teve sua última noite de apresentações nesta quarta-feira. Com a Casa de Cultura Laura Alvim recebendo um bom público, sobrava expectativa na plateia para as exibições que estavam por vir.

Quem abriu os trabalhos foi a surpreendente banda Mohandas. Como o nome (provavelmente uma referência a Mohandas Karamchand “Gandhi”), o grupo formado por quatro homens e duas mulheres expressava no som e na performance de palco a liberdade que a maior inspiração da trupe transpassava. Engana-se também quem pensa – ao ler o início deste texto – que suas músicas são hinos hindus ou meras canções de cunho espiritual.

Foto: Wilson Spiler / Blah Cultural

Foto: Wilson Spiler / Blah Cultural

A Mohandas, com suas vestimentas coloridas, seus olhos alegres e seus sorrisos estampados nos rostos de todos os integrantes, fez um show estupendo, com diversas experimentações sonoras, remetendo a sons esfuziantes como Radiohead, Kraftwerk e Beirut, mas não deixando de lembrar também de artistas brasileiros – principalmente os nordestinos – como Moraes Moreira e Lenine. Só para se ter uma ideia, “Saudades do Pará”, uma das músicas iniciais, era uma espécie de forró/xote (digamos assim), para logo depois emendarem como uma “canção-protesto”, convocada pela carismática vocalista/percussionista/baterista Bel Baroni com um “agora é a hora do ‘Yo!'”. Em faixa que misturava “Clint Eastwood”, do Gorillaz, “Another Brick in the Wall”, do Pink Floyd, e “Selvagem”, dos Paralamas do Sucesso, frases de efeito como “Se o corpo é da mulher, ela dá pra quem quiser”, usada em movimentos como a Marcha das Vadias, davam o tom do momento no espetáculo.

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Foto: Wilson Spiler / Blah Cultural

Em show feito para se ouvir e ver, a performance da Mohandas era algo impressionante também. Com trocas de frequentes de instrumentos, os integrantes não deixavam o ritmo despencar. Mesmo em músicas mais arrastadas como a ótima “Máquina de Lavar (Eu hoje acordei)” – mais uma “canção-protesto” – o espetáculo se mantinha em alta frequência. Nível que só se elevou com a excelente “Take a Shower”. Fechando com chave de ouro o show, o grupo chamou a plateia para uma coreografia coletiva em som levado apenas pelo sintetizador (olha o Kraftwerk aí!), divertiu com a quase brega “Rancor Feminino” (“Chora, e por isso e vai pro chão/implora o meu perdão” – lembrando o início dos Los Hermanos) e encerrando com uma “homenagem” à Eslovênia, onde o vocalista/baterista/guitarrista Dudu Lacerda sacou camisa e álbum de figurinhas da querida seleção do Leste Europeu. Teve até uma ode à Petkovic, ex-Flamengo, que, diga-se de passagem, é sérvio. Mas era nítido que tudo se tratava de uma grande brincadeira.

Depois de um grande show, era necessário outra banda à altura. E o Choque do Magriça não desperdiçou a oportunidade de apresentar seu som inusitado, com letras igualmente fortes e políticas, e que contam sempre com o bom humor do conjunto formado por oito pessoas.

Liderados pelo vocalista/tecladista George Sauma (apelidado de Magriça – daí o nome da banda), o grupo já abriu o show com “Agora Vai Ser Foda Ligar pro Sarney”. Sempre com muita irreverência, os caras emendaram com “Sai da Minha Aba”, do Só Pra Contrariar, e “Fogo e Paixão”, do Wando. Nem preciso dizer que pegou todo mundo de surpresa, né? Ainda mais se formos tentar buscar as referências no som do conjunto. Em “Salamaleques”, por exemplo, é entoada “Bat Macumba”, dos Mutantes. Além disso, foram lembradas durante o show clássicos como “Hit the Road Jack”, do Ray Charles, e “Cilada”, do Molejo. Difícil definir o estilo do Choque de Magriça, impossível deixar de gostar.

Interagindo a todo instante com o público, o espetáculo do Choque do Magriça é bem teatral (não à toa há atores entre os integrantes). Em determinado momento, o vocalista George Sauma recita até o poema “Alumbramento”, de Manuel Bandeira:

Foto: Wilson Spiler / Blah Cultural

Foto: Wilson Spiler / Blah Cultural

“Eu vi os céus! Eu vi os céus!
Oh, essa angélica brancura
Sem tristes pejos e sem véus!

Nem uma nuvem de amargura
Vem a alma desassossegar.
E sinto-a bela… e sinto-a pura…

Eu vi nevar! Eu vi nevar!
Oh, cristalizações da bruma
A amortalhar, a cintilar!

Eu vi o mar! Lírios de espuma
Vinham desabrochar à flor
Da água que o vento desapruma…

Eu vi a estrela do pastor…
Vi a licorne alvinitente!
Vi… vi o rastro do Senhor!…

E vi a Via-Láctea aedente…
Vi comunhões… capelas… véus…
Súbito… alucinadamente…

Vi carros triufais… troféus…
Pérolas grandes como a lua…
Eu vi os céus! Eu vi os céus!

– Eu vi-a nua… toda nua!”

Foto: Wilson Spiler / Blah Cultural

Foto: Wilson Spiler / Blah Cultural

Logo após o “momento sarau” (clique aqui para assistir), nada mais sugestivo do que a música “Toda Nua” e prosseguir com o show da mesma forma enérgica com que começaram, deixando a plateia alvoraçada.

Com diversas referências diferentes, Mohandas e Choque do Magriça proporcionaram uma noite mágica e um belo fechamento do Festival Nova Música. E que venham mais edições!

A banda Mohandas é formada por:

Bel Baroni
Diogo Jobim
Dudu Lacerda
Micael Amarante
Nana Orlandi
Pedro Rondon
Participação especial: Beto Lemos
Saiba mais sobre o trabalho da Mohandas no Facebook da banda

A banda Choque do Magriça é formada por:

George Sauma (teclado, voz e sapateado)
Nicolas Bartolo (piração e voz)
Pedro Tomé (entidade, escaleta e voz)
Rodrigo de Arruda (poesia e voz)
Pedro Nêgo (pegação, arrumação e guitarra)
Daniel Pimenta (bass and estimation)
Felipe Galvão (bateria e estúdio)
Daniel Zubrinsky (apolo da percussão)
Penathu (aperteur e VJ)
Participação especial: Samuel Toledo
Saiba mais sobre o trabalho do Choque do Magriça no Facebook da banda
Fotos da Capa: Micael Hocherman
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Wilson Spiler

Will, para os íntimos, é jornalista, fotógrafo (ou ao menos pensa que é) e brinca na seara do marketing. Diz que toca guitarra, mas sabe mesmo é levar um Legião Urbana no violão. Gosta de filmes “cult”, mas não dispensa um bom blockbuster de super-heróis. Finge que não é nerd.. só finge… Resumindo: um charlatão.
NAN