John Mayer evoca influências oitentistas em ‘Sob Rock’
Guilherme Farizeli
John Mayer assumiu as ombreiras e o mullets em Sob Rock, seu mais recente álbum de estúdio, lançado em julho. Sim, eu demorei uns meses para digerir o disco, até porque sou bastante fã do trabalho do cara. Acima de tudo, acho que o saldo do álbum é positivo. E eu te explico o motivo desse meu “pé atrás”. Os três primeiros álbuns do guitarrista conversam muito bem entre si, ainda que sejam bem diferentes um do outro.
Em ‘Room for Squares‘, Mayer colocava tudo pra fora em um álbum de estreia com canções confessionais. No entanto, musicalmente, temos clássicos do gênero Triple A (adult alternative artists) como “No Such Thing” e “Why Georgia”, até canções super sofisticadas como “Neon” e “City Love”. Em ‘Heavier Things‘, um disco mais bem produzido e com canções realmente de alto nível. Não dá pra desconsiderar a importância de pérolas como “Clarity” e “Daughters” na discografia do artista.
Posteriormente, chegamos em ‘Continuum‘. Um dos maiores álbuns dos anos 2000 e a obra prima de Mayer, ao lado do baixista Pino Palladino e do baterista Steve Jordan. Esse álbum também marca o início de uma certa “cisma” do cara com álbuns temáticos, embora seja um reducionismo classificá-lo apenas como um disco de blues.
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Passado recente de álbuns “normais”
Antes de Sob Rock, Mayer vinha de lançamentos levemente “sem sal”. Especialmente na comparação com o que foi apresentado, em termos de composição, em seus primeiros trabalhos. E, embora, Sob Rock venha “na embalagem” de um álbum temático, que conversa com os anos 80 (especialmente com o Toto), ele consegue chegar mais longe. As gravações começaram em 2017, em um processo que o artista teve bastante tempo para maturar.
Na linha de frente, velhos conhecidos de outros trabalhos. O baterista Aaron Sterling, uma das figuras mais legais de seguir no Instagram, o baixista Sean Hurley, o tecladista Jamie Muhoberac, entre outros. Além disso, Pino Palladino voltou para gravar as faixas “New Light” e “Carry Me Away”.
Na produção, John Mayer encabeça um time que conta também com Don Was, No I.D. bem como Chad Franscoviak.
Artista vs produtor de conteúdo
Muito do processo de criação pôde ser acompanhado através do TikTok do artista. O que me parece uma posição que o deixa desconfortável. Nesse sentido, um dos grandes conflitos do nosso tempo é a generalização que acaba acontecendo entre artistas de verdade e criadores de conteúdo. E, atender as demandas dos algoritmos das redes sociais, implica em um certo sacrifício da liberdade criativa. Mas isso é papo para outro dia.
As canções
Em “Last Train Home”, a gente vê uma maior influência dos 80’s e, consequentemente, do Toto. Sintetizadores comendo soltos e uma mix mais flat. Aliás, essa falta de exagero é o que torna a faixa interessante e a separa satisfatoriamente dos anos 80. Ao longo da faixa, os solos de guitarra a deixam mais animada, com um elemento de “improviso” bem legal.
Por outro lado, “Souldn’t Matter but It Does é uma típica “balada Mayer” no violão. Só que essa vai mais na vibe do álbum ‘Born & Raised’ do que qualquer outra coisa. E esse é um lado que eu particularmente não curto tanto. Também não entendi essa ser a segunda faixa do disco. Vamo animar aí, João!
E tem groove nesse disco?
Tem. E, acima de tudo, graças a “New Light”. Que talvez seja a faixa que mais exemplifique a fase tiktoker do John. Mas os arranjos e a melodia são bem criativos e acabam elevando o nível da canção. Dessa forma, a gente sente uma vibe mais efêmera ao mesmo tempo que música soa muito bem. Na ponte, Mayer assume o groove de vez, o que se prova um grande acerto. A melhor faixa do disco.
Já na faixa “Why You No Love Me”, algumas “contradições musicais”. Mas tudo em prol do bem maior. No início da canção, uma combinação matadora entre os arpejos no violão e a melodia. A letra evoca os melhores momentos “dor de cotovelo” do discografia do cara. “Help me understand it / woke up empty handed / never heard you say goodbye“. Apesar do flerte com a temática country, escancarada pelo refrão mais simples e o arranjo de guitarra tocada com um slide, a harmonia e a riqueza dos arranjos compensam.
Mais homenagens
Quando a gente ouve “Wild Blue”, só dá pra pensar em uma coisa. Dire Straits, né? A levada da batera, com direito a semicolcheias no prato de condução não deixa dúvida. E se deixa, os solos principais são uma grande homenagem ao Mark Knopfler (guitarrista do Dire). Mas, no final das contas, aquele provável estranhamento não acontece. A canção é bem legal.
“Til the Right One Comes” é outra faixa bem animada. Que conta com uma ótima letra e licks de guitarra bem divertidos. É a melhor melodia do álbum, onde a voz de Mayer escolhe notas mais ousadas e trabalha bem com todas as possibilidades que a harmonia oferece.
Mas, afinal, Sob Rock é bom?
Comparado com os últimos lançamentos de John Mayer, Sob Rock é bem legal! A produção é refinadíssima e algumas faixas são ótimas. Mas comparado com tudo que Mayer apresentou no auge de sua carreira, existe uma distância. Especialmente na harmonia das canções.
Entendo perfeitamente que os singles ou até mesmo que a maioria das músicas acabe esbarrando em estruturas mais simples e combinações de acordes menos ousadas (para dizer o mínimo). Mas a ausência de uma harmonia mais elaborada que seja em um disco inteiro, dá uma certa tristeza. Acaba que, por diversos fatores, a faixa “tiktoker” é a mais legal do álbum.
Como fã do artista, eu torço para que essa fase de álbuns temáticos passe e que a gente receba nos próximas lançamentos um disco mais pé no chão. Um álbum mais voltado para as composições do que para um conceito. Sob Rock vale, enfim, como um excelente álbum para se ouvir durante uma longa viagem de carro. Curtindo a estrada e lembrando das coisas boas dos anos 80.
Por fim, confira na íntegra o álbum Sob Rock, de John Mayer
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