Listen crítica do filme 45ª Mostra de São Paulo SP 2021

‘Listen’: aparência disfuncional

Gabriel Luna

A mensagem contrária às políticas desumanas apoiadas pelo Brexit soa didática em uma tentativa de ilustrar os absurdos tomados pelo estado para impedir a permanência de estrangeiros. O discurso emotivo de uma mãe portuguesa que perdeu a guarda dos filhos carrega o momento de catarse esperado. E a cena final, dividindo personagens entre caminhos para direita e esquerda, é tão direta quanto apressada.

Então, se todo esse discurso parece tão simplório, o que sobra em Listen? O principal está na idealização familiar que nunca é alcançada. Numa disfunção de relacionamentos sobreposta pela necessidade da aparência em um ambiente constantemente hostil.

Partindo dessa premissa, a luta pela retomada dos filhos vivida por Bela (Lúcia Muniz) e Jota (Ruben Garcia) adquire um sentimento de perda logo de início. Não por causa das ações do serviço social, mas pela fragilidade com que a base familiar se sustenta. A distância tanto espacial quanto física que acontece pelos cômodos evidencia essa fratura nas atitudes interferidas por juízo de valor.

A mãe esconde seus filhos atrás da lixeira enquanto rouba comida. O pai não dá a devida atenção para a doença do filho. São reflexos de uma clara desestruturação da instituição familiar, mas que apontam para condições de vida no contexto capitalista e como elas contribuem para a separação entre os integrantes. A filha com deficiência auditiva que perde a comunicabilidade pela quebra do aparelho aparece como elemento mais notório nessa perda de contato.

Recursos da diretora

Utilizando de espelhos para refletir o que está no extracampo do filme, os personagens são identificados como não pertencentes àquela realidade em uma projeção no ambiente que funciona como instrumento de dramatização dos locais.

Enquanto concentra seus esforços para construir cenários densos e fechados que ressaltam a sensação apreensiva, a diretora Ana Rocha consegue usar de objetos lúdicos para representar o registro do passado já não mais existente. A câmera de brinquedo como ideia de fragmento temporal indica uma vontade de lembrança, mas que ficou danificada pelas consequências causadas pela desestabilização familiar.

Assim, as questões envolvendo essa disfunção caminham para o questionamento das atitudes e comportamentos dos pais dentro do convívio como balanço moral. Afinal, após perder a guarda dos filhos, ambos apresentam situações no mínimo duvidosas que vão de encontro a outros levantamentos. Sem nenhuma ligação aparente, mas que já demonstram uma desconfiança com a inocência de seus personagens.

Xenofobia

Portanto, é nesse sentimento de completa desordem que o filme Listen apresenta parte pouco usual e compõe um drama familiar como retrato da ruptura institucional. Não só por meio do Brexit, mas de todo um movimento xenofóbico que tomou o Reino Unido.

Se o discurso acontece em frente à materialização do estado encarnado pelo juiz, por outro lado, não é aliviador saber que filhos voltarão a viver com os pais. Isso porque o desgaste já está no limite e a aparente união esconde todas as quebras com os vínculos que um dia, talvez, já foram mais fortes. Resta sair pela porta da frente com o sentimento de derrota, de que a luta já começou perdida e que, por mais que tente, a câmera já está quebrada e as fotos não saem como antes.

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Trailer do filme Listen

Listen: elenco

Lúcia Moniz
Sophia Myles
Ruben Garcia
Maisie Sly
James Felner
Kiran Sonia Sawar

Ficha Técnica

Título original do filme: Listen
Direção:
Ana Rocha de Sousa
Roteiro: Paula Alvarez Vaccaro, Aaron Brookner e Ana Rocha de Sousa
Onde assistir ao filme Listen: Mostra de SP 2021
País: Portugal, Reino Unido
Duração: 73 minutos
Gênero: drama
Ano de produção: 2021
Classificação: 14 anos

Gabriel Luna

Formado em jornalismo, gosta de filme em preto e branco e café sem açúcar.
NAN