M-8 Quando a Morte Socorre a Vida

‘M-8: Quando a Morte Socorre a Vida’ é um filme provocador

Victor Lages

Você conhece a história de Esperança Garcia?

Em 1770, ela, mulher negra e escrava no Piauí, escreveu uma carta ao então governador do estado reivindicando a sua liberdade e a de seus filhos. Entretanto, o documento só foi encontrado há 40 anos por um historiador.

Então, em 2017, a Ordem dos Advogados do Brasil reconheceu a carta como uma petição. Assim, Esperança Garcia recebeu oficialmente o cargo de primeira advogada da história brasileira. Uma mulher que desafiou os poderes e buscou seus direitos.

No entanto, quase três séculos depois, nosso país ainda impõe dificuldades quando uma figura negra se impõe e luta. M-8: Quando a Morte Socorre a Vida é sobre isso. Aliás: muito mais.

A trama principal

Ao narrar um jovem negro e pobre que entra em uma faculdade de medicina e precisa lidar com o racismo (seja explícito, seja estrutural) diariamente, o diretor e corroterista Jeferson De faz seu filme para te botar pra pensar.

O protagonista Maurício (num trabalho corporal e de voz fantástico de Juan Paiva) se destaca pela inteligência e cor de pele e é confundido como um funcionário do laboratório de anatomia; apaixona-se e é visto com olhos tortos pela mãe da paquera; faz amigos e é abordado pela polícia na saída de uma festa.

É o Rio de Janeiro tendo seu racismo escancarado. O Brasil não aceitando o sucesso de marginalizados.

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Subtrama macabra

M-8: Quando a Morte Socorre a Vida já valeria por essa sinopse, mas há uma subtrama aqui. Maurício percebe que todos os corpos estudados nas aulas são de pessoas negras e um, em especial, chama-lhe a atenção.

Decidido a investigar a origem deste cadáver, ele vai buscar mudar o destino do corpo (Raphael Logam, ator indicado ao Emmy Internacional por “Impuros”), principalmente depois de conhecer mães de jovens negros desaparecidos.

E, se a subtrama traz um tom macabro e de suspense, temos ainda as camadas da mise-en-scène que nos faz lembrar dos filmes de Jordan Peele (“Corra” e “Nós”).

Seja em conversas ao tocar sutilmente no nome da escritora Conceição Evaristo ou em painéis espalhados pelo Rio com a face de Marielle Franco, a câmera vai deslizando como uma navalha habilidosa corta uma pele, bem como os diálogos vão cortando os silêncios.

E é impossível não destacar a cena poderosa em que Cida (Mariana Nunes arrepiando cada molécula do corpo), mãe do protagonista, diz que merece respeito pela sua história e que não será interrompida.

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Metáforas, símbolos e poder

Há metáforas, simbolismos e, sobretudo, poder. De fato, MUITO poder na narrativa. Tudo feito com extremo cuidado ao aproximar-se à religiosidade de matrizes africanas, ao abordar a morte e o medo que ela carrega e ao destacar as infinitas falhas que nossas políticas públicas possuem.

Mas esse sucesso em tela já era esperado, vide a grandiosidade de Bróder (2010), primeiro longa de Jeferson De.

Aliás, como é dito ao final da obra, a cada 23 minutos, ocorre o assassinato de um jovem negro no Brasil, sendo que muitos continuam sem paradeiro e sem um destino certo para seus corpos.

Além disso, mesmo após 250 anos desde a carta de Esperança Garcia, ainda é preciso fazer um filme para mostrar o que os negros enfrentam quando sonham e desafiam.

Premiada e incômoda

A saber, M-8: Quando a Morte Socorre a Vida venceu com louvor o Júri Especial do Festival do Rio 2019. Mas vai incomodar, principalmente uma certa parcela política do Brasil.

Ora, não é essa a função da arte? Chutar a porta da realidade e cutucar feridas abertas? Ou o cinema vai viver eternamente de filmes como Histórias Cruzadas e Green Book: O Guia para retratar os dramas dos negros?

TRAILER

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FICHA TÉCNICA

Direção: Jeferson De
Elenco: Juan Paiva, Mariana Nunes, Raphael Logam
Distribuição: Downtown/Paris
Data de estreia: qui, 03/12/20
País: Brasil
Gênero: suspense
Ano de produção: 2018
Duração: 84 minutos
Classificação: 14 anos

Victor Lages

Feito no coração do Piauí, onde começou sua aventura cinematográfica depois de descobrir as maravilhas do filme “Crepúsculo dos deuses”, o jornalista Victor Lages ama tanto a sétima arte que a leva para tudo em sua vida: de filosofias do cotidiano à sua dissertação de mestrado.
NAN