Mari Blue entrevista Entre

A multimídia Mari Blue e a arte em seu estado refinado

Wilson Spiler

Multimídia, podemos dizer assim, Mari Blue, uma mineira radicada no Rio de Janeiro, lançou em meados de setembro seu mais novo álbum: “Entre”.
Com uma pegada intimista e letras filosóficas, além de uma estética surrealista, a cantora não cuidou apenas de dar voz ao disco, mas também produziu toda a obra, desde a arte até a harmonia. Mari Blue, inclusive, foi responsável por tocar praticamente todos os instrumentos de “Entre”.
Além disso, Mari Blue também é poeta, atriz e estuda Psicologia. Com tanto conteúdo, o ULTRAVERSO teve um “papo-cabeça” exclusivo com a artista sobre carreira, arte, pandemia, filosofia e feminismo, que você confere em seguida.

ULTRAVERSO: Você gravou um disco inteiro em meio à pandemia. Como foi esse processo?

Mari Blue: Grande parte dele, né? Alguns singles tinham sido lançados, mas a maior parte foi gravada durante a pandemia. Na verdade, eu tenho um estúdio de gravação no Rio, em Copacabana, em uma sociedade com alguns amigos meus. E aí quando veio a pandemia, a gente decidiu fechar o estúdio. Até porque lá é impossível ter qualquer regra de segurança.
E aí a gente pegou os equipamentos e dividiu entre os sócios. Fora que cada um já tem seus próprios equipamentos também. Assim, eu acabei montando um pequeno estúdio na minha casa e comecei a trabalho no disco. Além disso, nesse meio, eu fui aprovada num edital do Estado para finalizar o disco em casa durante a pandemia.
Então uma coisa acabou facilitando a outra, acelerando também, porque, se não tivesse tido esse edital, talvez eu não pegaria com tanto foco assim, mas acabou acontecendo dessa forma. Eu gravei grande parte na minha casa no Rio, em Copacabana também, e uma parte no interior de Minas Gerais, onde eu passei uma semana num sítio isolado.

Alguns artistas estão tendo que se reinventar nessa pandemia. Acha que isso vai mudar nossas relações pessoais, assim como com eventos culturais?

Mari Blue: Eu acho que vai acrescentar mais possibilidades sim. Porque eu vejo que a pandemia aproximou muitos artistas que mexiam pouco nesse tipo de ferramenta. A gente às vezes usava eventualmente e passou a se aprimorar mesmo. Mas, que isso vá sumir do mundo futuro, não temos previsão. O futuro é muito ligado, até assustadoramente, à internet, à rede social. Parece que isso é uma realidade mesmo.
Mas também não sou tão otimista de achar que as coisas vão mudar, vamos ter outra forma de viver. Eu não acredito muito nisso. O ser humano tende sempre a se preservar dessa forma que é. Então, assim que tudo voltar ao normal, pode ser até que esse “normal” volte com mais conservadorismo do que antes em alguns aspectos.
Pode ser que as coisas voltem bem piores porque vai haver uma falência muito grande de equipamentos culturais, o que pode causar um impacto muito grande.

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O que seria esse “depender assustadoramente da internet”?

Mari Blue: São muitas questões que começam a ser levantadas agora. A gente começa a ter uma panorama um pouco mais claro de um processo que vem se desenvolvendo de forma mais concreta nos últimos 10 anos.
Como artista, eu posso dizer que isso abre uma oportunidade para que qualquer pessoa tenha ferramentas para chegar até a algum público. Há alguns anos era até mais fácil, visto que tudo tende a se tornar mais monetizado, né? Ou seja, você precisa pagar para atingir objetivos que antes eram mais acessíveis. O alcance das publicações era muito maior na internet.
Ao mesmo tempo, é uma ferramenta muito nova. Assim como muitas outras ferramentas, eu tenho muita dúvida até onde isso é tão assustador assim ou até onde é assustador ver uma mudança de paradigmas tão grande.
Quando a televisão, a rádio e os jornais nos manipulavam… eu, recentemente, assisti ao documentário “O Dilema das Redes”. Achei interessante, mas tem uma série de coisas engraçadas, como, por exemplo, dizer que antes havia um equilíbrio. Como se agora algo se desequilibrou. Eu questiono muito esse equilíbrio que havia antes ou, pelo menos, a ética desse equilíbrio que havia antes.
Eu acho bem obscuro. Não tenho uma previsão, não faço ideia, mas eu gosto de ver esse movimento que isso causa. É importante estar falando sobre isso constantemente porque tudo é mais rápido, mais veloz. É uma realidade. Então, é preciso conversar sobre isso que você disse, sobre a possibilidade de ser “cancelada”, por exemplo, de ser mal interpretada. Tudo isso é uma possibilidade hoje em dia, que às vezes soa um pouco assustador.
Claro que me preocupo com certas posturas, como me expor, de certa forma. Mas também eu meio que pago para ver. A minha postura quanto artista não é no sentido de crescer em termos de fama, mas de aperfeiçoar a minha linguagem e, se possível, chegar até as pessoas. Se tiver que ser rechaçada, serei, mas farei o que eu acredito. Para mim, só assim que dá, colocando a cara a tapa.

Então, de forma alguma, o conservadorismo crescente no país lhe inibe?

Mari Blue: Olha, de forma alguma, eu acho um pouco pesado, né? Porque eu não sei o que sou eu frente a uma ação de ameaças concretas. Até então não mudou a minha postura.
Aliás, me faz ter uma postura até de ir nessa contramão do conservadorismo crescente. A minha postura é completamente contra isso. Para mim, a humanidade com conservadorismo não faz mais sentido. Se for para ser dessa forma, deveríamos voltar para as cavernas.

Mari Blue Entre Foto Mário Wamser
Foto: Mário Wamser / Divulgação

Como você se inspira para compor? Fale um pouco da sua formação e das suas referências.

Mari Blue: A minha formação inicial é em teatro. Eu estudei Direção Teatral na UFRJ e Interpretação na UNIRIO, mas não finalizei nenhum dos dois cursos. Tive que tranca-los por motivos diversos e acabei não podendo concluí-los. Sou atriz também.
A gente é muito novo para ter que escolher o que vai fazer durante toda a vida. Essa informação de que tem que ter algo para fazer durante toda a vida é uma crença que a gente tem. Isso gera mais ansiedade ainda, porque não é uma verdade.
Mas, ao fazer Direção Teatral, tive uma das poucas certezas que eu tive. O que eu mais gosto é música. Eu adoro escrever, queria compor, mas eu não tocava nada direito, nada suficiente para compor. Eu queria saber fazer minhas harmonias. Foi quando eu comecei a distanciar um pouco do teatro e fui aprender piano. Passei pelo menos um ano estudando piano exaustivamente para poder compor.
Logo eu comecei a fazer minhas primeiras músicas, gravar meu primeiro disco. Aliás, meus dois primeiros álbuns nem têm nas redes. Eles foram muito para ter algo gravado naquele momento. Mas um dia ainda vou disponibiliza-los um dia.

Não é o “Fruto da Flor”, né?

Mari Blue: Não… o “Fruto da Flor” foi o primeiro que eu considero mais pensado artisticamente. Já tinha uma maturidade nas músicas.
E aí nesse processo de ser do teatro e ir para a música, acabei me envolvendo com estúdio, porque meu padrasto, a quem chamo de pai, é guitarrista e também participa da segunda faixa do meu álbum (“Penso, logo invento”).
Ele é uma pessoa que me ajudou muito nesse processo. E ele tinha um estúdio. Assim fui entrando nisso cada vez mais e acabei me tornando muito próxima dessa questão técnica, aprendendo na prática. Depois fui fazer curso de especialização em sonorização, mas aprendi muito na prática mesmo, com um dos sócios também que saca muito de produção fonográfica.
Isso acabou tendo um reflexo muito grande no meu trabalho. Há uns dois anos eu comecei a produzir minhas próprias canções. Isso culmina nesse álbum “Entre”, que estou lançado agora. É o primeiro que eu produzi completamente e que tem muito a minha cara.
É uma coisa autoral, da capa a cada instrumento. Quase todos os instrumentos sou eu que toco. É uma obra pensada não só na música, mas em cada detalhe. O arranjo, a capa, os clipes. Grande parte dos meus vídeos fui eu que dirigi. Ou então participei intensamente do processo. Minha arte começou a ir para esse campo multimídia mesmo. É como se eu pensasse em arte, não setorizado, mas em tudo.

E quais seriam as suas referências, desde a filosofia até essa estética surrealista que você utilizou e na música mesmo?

Mari Blue: A estética surrealista… eu gosto muito do Teatro do Absurdo. Ele era ligado ao movimento surrealista. Eu pinto também, desenho… então, eu sempre gostei muito de Salvador Dalí. Para mim, o surrealismo é uma forma muito crítica dessa nossa racionalidade. A gente ainda não descobriu muito bem essa separação de real e surreal. Tem muitas coisas reais que beiram o surreal. Assim, essa influência do surrealismo na questão estética é muito importante para mim.
A filosofia também. Eu sempre gostei de pensar. Não estudei filosofia na escola. Tive um contato com filosofia, na verdade, bem tardio. Apenas quando entrei na universidade. Mesmo assim demorei a entender o que era. Mas quando compreendi, eu vi que já gostava sem saber o que era.
É um lugar que tenho contato com coisas que nunca pensei no dia a dia ou de identificação, como achar que só eu pensava nisso. Então não sou louca sozinha, tem outros “malucos” por aí!
Hoje em dia, eu faço graduação em Psicologia. É uma coisa que sempre me interessou muito. Essas questões psicológicas, humanas.

E na Música? Em quem você se inspira?

Mari Blue: Eu cresci ouvindo coisas muito diversas. É muito difícil, para mim, escolher porque minhas influências são bem plurais. Mas tenho muita admiração em ouvir Gilberto Gil. Acho que é uma música que tem essa ponte com a filosofia de alguma forma.
Cresci ouvindo música mineira, né? Ouvi tudo de Lô Borges milhões de vezes. Então, conheci grande parte do trabalho dele. Acho que acabou me influenciando também, mesmo que inconscientemente. Eu gosto muito da liberdade de caminhos que tem a música dele. De ousadia, de não ter que respeitar o campo harmônico que deveria ter.

Foto: Mário Wamser / Divulgação

A sonoridade também é mais intimista, quando comparada ao trabalho anterior, “Fruto da Flor”. Foi proposital?

Mari Blue: Não foi proposital, não. Os dois álbuns são completamente autorais. Os outros dois discos que não disponibilizei nas redes, que se chamavam “Parte de Mim” (2011) e “Parte de Mim 2” (2012), têm coisas que não são autorais.
“Fruto da Flor” e “Entre” são completamente autorais, embora o primeiro tenha sido produzido pelo Puppi, um violocionista italiano que eu tenho parceria de longa data. O “Fruto da Flor” tem uma pegada mais diversa porque ele engloba canções de um período de tempo muito longo, né? Talvez 10 anos de canções. Então, ele tem uma diversidade de ritmos, de estética, com uma pegada mais rock’n roll, bateria. Tem uma banda.
Por outro lado, o “Entre” é realmente mais intimista. São canções dos últimos dois anos. É o meu estado de espírito mesmo, sabe? Nada que eu pensasse propositalmente. Simplesmente fiz e ficou assim.

Você é uma artista completa. Compositora, cantora, poeta, produtora, faz podcast e já foi atriz…

Mari Blue: Eu gosto de escrever, mas nunca tinha feito. Recentemente, eu lancei uns dois textos e me chamaram para fazer um podcast com o áudio dele. Eu acho que vou começar a fazer até mais (risos). Eu gosto muito de escrever.

O podcast foi uma leitura do ‘Ensaio sobre o Amor Livre’. Pretende fazer mais experiências como essa?

Sim, sim. Um monte de gente começou a pedir para que eu colocasse o “Ensaio sobre o Amor Livre” em formato de podcast.
Conversando com uns amigos que já têm canais no Spotify com temáticas parecidas, eles convidaram para que eu lançasse o texto no podcast deles. Ainda não tenho um podcast meu, mas talvez venha a ter.

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Até onde vai essa liberdade criativa? O que você ainda pensa em experimentar?

Mari Blue: Não descarto nada. Acho que talvez possa a começar a escrever mais. Sabe? Produzir mais textos, conteúdos mais focados em prosa, não só em poesias. Então, é algo que me interessa aventurar mais porque acho que, na música, eu já tenho me realizado bastante.
Tenho vários projetos para vir, que idealizo, mas que já tenho uma certa tranquilidade para fazer. Eu tenho essa vontade de buscar um lugar onde estou com vontade de desafiar. Esse lado de escrever pode ser um bom ponto, porque eu tenho muita vontade de falar sobre uma série de coisas. Talvez temáticas relacionadas até ao que estudo, da Psicologia.
Eu faço ainda muitos videoclipes. Em breve vou lançar um durante a quarentena de uma música do meu disco, que eu gravei na sala da minha casa. E é bem numa onda de vídeo-arte. Então é muito imprevisível. Eu não quero entrar nessa onda do mercado, de como tem que ser as coisas.

Pode vir um livro por aí?

Mari Blue: Talvez, talvez um dia. Eu tenho um blog que fiz no final do ano passado como um exercício para começar a desenvolver isso. Um embrião ainda disso. Chama-se “Livro Livre”. E aí eu vou escrevendo coisas, coloco músicas também, poesias.
Mas eu quero escrever uma série de textos ainda, entendeu? Acho que tenho um longo caminho ainda para percorrer para que me dê uma vontade de que algo vire um livro, de fato, né? Mas também não garanto que se, daqui a uma semana me surja uma ideia de fazer um livro! (risos)

Por fim, como você lida com o tempo para fazer tanta coisa?

Mari Blue: Às vezes lido bem, às vezes bem mal. (risos) Mas, no geral, eu lido bem, porque eu tenho isso de fazer mil coisas ao mesmo tempo, né? Só que às vezes me sinto um pouco sobrecarregada de tantas coisas que me proponho a fazer. Fico um pouco ansiosa, mas é só uma questão de organização mesmo, que eu tenho aprendido a lidar com isso.

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Então você é artista e acha que não tem muito espaço? Fique à vontade para divulgar seu trabalho na coluna Contra Corrente do ULTRAVERSO! Não fazemos qualquer distinção de gênero, apenas que a música seja boa e feita com paixão!
Além disso, claro, o (a) cantor(a) ou a banda precisa ter algo gravado com uma qualidade razoável. Afinal, só assim conseguiremos divulgar o seu trabalho.
Enfim, sem mais delongas, entre em contato pelo e-mail wilson@ultraverso.com.br! Aquele abraço!

Wilson Spiler

Will, para os íntimos, é jornalista, fotógrafo (ou ao menos pensa que é) e brinca na seara do marketing. Diz que toca guitarra, mas sabe mesmo é levar um Legião Urbana no violão. Gosta de filmes “cult”, mas não dispensa um bom blockbuster de super-heróis. Finge que não é nerd.. só finge… Resumindo: um charlatão.
NAN