‘Mortal Kombat’: filme de 2021 é um verdadeiro desperdício
Cadu Costa
O ano era 1992. Pode parecer incrivelmente insano para a geração de hoje, mas naquela época nós jogávamos fliperamas. Sim, aquelas enormes caixas de madeira localizadas em todos os tipos de lugares – desde o maior shopping center da cidade até o boteco mais pé sujo existente ao lado do ponto de bicho da casa de sua avó – eram o supra sumo da novidade dos games.
Primeiramente tivemos Street Fighter . Todo o mundo era obcecado. Éramos como pequenos viciados em drogas, reunindo-nos em galerias sombrias, onde crianças de todas as classes sociais se juntavam para bater nos avatares umas das outras neste jogo irresistível e depois vagavam por aí implorando pelas moedas do troco do pão.
Mortal Kombat x Street Fighter
Eu preparei a cena bem o suficiente? OK, bem, nesse contexto veio Mortal Kombat, basicamente a versão mais sombria, grosseira e extrema dos jogos de luta daquela era. Em suma, se Street Fighter era o Cine Privê das noites de sábado na Band, Mortal Kombat era o filme pornô VHS do seu tio.
Mais que isso, era um jogo com sangue, cabeças cortadas e espinhas arrancadas em que os jogadores competiam abertamente para matar uns aos outros, apenas pela emoção. Isso era revolucionário e parecia instintivamente “errado”, e tudo sobre jogá-lo nos fazia um pouco marginal.
Mortal Kombat apresentava alguns dos gráficos de computador mais “realistas” que existiam – com atores realizando os movimentos característicos das artes marciais – o que tornava a violência ainda mais impressionante.
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‘Mortal Kombat’ nos cinemas
Isso tudo é uma longa maneira de dizer que foi tanto o sangue quanto a jogabilidade, que tornou o Mortal Kombat original um sucesso nos fliperamas. E surfando nessa onda, a New Line Cinema enxergou uma boa oportunidade de lançar um filme. Mortal Kombat (1995) foi o blockbuster daquele verão e arrebentou em bilheteria (US$ 122 milhões) graças às coreografias de lutas embaladas por uma música difícil de ser esquecida. Além disso, quebrou a maldição das adaptações de videogames – após bombas como Street Fighter (1994) e Super Mario Bros (1993).
Claro que, considerando o quanto o cinema mudou ainda naquela época com Matrix (1999) e O Tigre e o Dragão (2000), por exemplo, revolucionando as cenas de luta de Hollywood, podemos dizer que o filme envelheceu mal. Mas a verdade é que a não ser que você seja um coroa pagando de millenium, MK95 foi um marco para a época e sabes bem disso. Já a continuação Mortal Kombat: Aniquilação (1997), essa sim é um lixo e matou completamente a ideia de uma franquia.
Ainda assim, existiam comentários de que faltou o elemento característico principal naquelas adaptações: o sangue. Aliás, por isso, sempre se pediu um reboot digno. Após experiências interessantes para a internet como Mortal Kombat: Rebirth (2010) e Mortal Kombat Legacy (2011), eis que este ano nos apresenta uma nova oportunidade de vermos tudo que os fãs queriam.
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Sem censura
Sim, pessoal, chega aos cinemas e streaming, em pleno 2021, um novo filme de Mortal Kombat. Um reboot sem censuras que seus fãs acham que a propriedade merece, o que implica ser tão gráfico quanto o jogo foi quando chega a hora de seus lutadores preferidos eliminarem seus oponentes. Ou seja, hora de arrancar seus corações ou parti-los em dois com um chapéu afiado.
Esses movimentos de finalização implacáveis podem ser o ponto de venda aqui, mas é a história de fundo mais prática que importa se o estúdio espera construir uma nova franquia de filmes em torno da propriedade. E sinto informá-los, mas eles falharam miseravelmente.
Upgrades
O diretor Simon McQuoid (um diretor de publicidade australiano fazendo sua estreia no cinema) tem um pequeno paradoxo em suas mãos aqui: por um lado, ele quer homenagear os fãs trazendo este filme de volta ao que eles mais amam no jogo, enquanto no outro, há uma certa pressão para atualizar os trajes e as aparências de personagens que evoluíram bastante nas três décadas desde que a versão arcade estreou.
Ainda assim, o vale misterioso entre o jogo de 16 bits e este filme de ação de 2021 é mais amplo do que o Grand Canyon. Além disso, designs que pareciam legais naquela encarnação de 1995 tiveram que ser repensados para o filme Mortal Kombat de 2021. Embora o senso de humor irreverente da franquia ajude a fornecer uma certa distância autoconsciente.
Quando os cineastas levam um jogo e tratam o material original do videogame muito a sério, eles correm o risco de alienar os fãs. Assim como os piores “criminosos” Andrzej Bartkowiak (Doom, de 2005) e Uwe Boll (Alone In The Dark, de 2005) mostraram. Embora uma certa incompetência na direção também seja responsável pela infâmia desses dois últimos.
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A trama
Mas voltemos ao filme Mortal Kombat 2021 e sua história. Um prólogo eficaz abre o longa no Japão do século 17 com os assassinos Lin Kuei liderados por Bi-Han (Joe Taslim) atacando Hanzo Hasashi (Hiroyuki Sanada) e sua família, matando ambos com seu poder de congelamento.
A coreografia nesta primeira cena é surpreendentemente forte, misturando movimentos familiares aos fãs de MK com um nível de combate intenso que você realmente não vê mais feito por Hollywood – pense em lâminas presas no topo das cabeças ou estacas de gelo cortando carnes. Hanzo é morto por Bi-Han, mas seu espírito é levado para o Netherrealm, onde ele se tornará … bem, os fãs dos jogos sabem, mas o filme mantém isso em segredo por tempo suficiente para que eu não o estrague aqui.
Melhor adaptação dos games?
Enquanto se está assistindo ao filme, você irá pensar: “Se mantiver esta pegada vai ser a maior adaptação de videogame para o cinema já feita”. Além disso, Joe Taslim (aterrorizante!) e Hiroyuki Sanada (maravilhoso!) são verdadeiros, e está claro que McQuoid sabe disso. Afinal, seus encontros são os únicos que parecem vivos, a devastação eletrizante deixada no rastro de seus encontros nada menos do que sensacional.
São dois guerreiros poderosos cujo ódio fervoroso um pelo outro permitirá que eles viajem através dos séculos em uma busca determinada para destruir o outro, não importa o custo para suas almas imortais. O resto do filme? É uma perda de tempo, tornando-o o mais distante possível de uma “flawless victory”.
OK, mas, por quê? Bem, não há a pretensão de uma crítica a um filme sobre artistas marciais com superpoderes como a habilidade de lançar chamas de suas mãos lutando entre si. Mas como o torneio em questão nunca acontece de verdade, os campeões da Terra nunca perdem esse torneio e, mesmo assim, Shang Tsung (Chin Han, de Batman: O Cavaleiro das Trevas, 2008) passa a maior parte do tempo invadindo a Terra e tentando matar seus campeões de qualquer maneira.
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2021 x 1995
O filme Mortal Kombat de 1995 funciona porque o diretor Paul WS Anderson entendeu que ele estava, mais ou menos, fazendo um filme no estilo Bruce Lee. Ou seja, reúne-se lutadores em um local, os faz lutar até a morte e coroa um campeão. Compare isso com Street Fighter, que saiu na mesma época e tinha um nível de talento muito maior (RIP Raul Julia), mas falhou em seus próprios termos porque queria contar uma história por algum motivo.
O que nos leva de volta ao filme Mortal Kombat de 2021, onde o problema é ele ser uma adaptação de um videogame sobre um torneio de luta que determinará o destino da humanidade para sempre e isso nunca acontece.
E os personagens estavam lá para isso visto o elenco de personalidades excêntricas apresentadas ao longo desta aventura. Temos todos os favoritos dos fãs: Sonya Blade (Jessica McNamee); assim como Kano (Josh Lawson); Major Jackson “Jax” Briggs (Mehcad Brooks); Liu Kang (Ludi Lin); Kung Lao (Max Huang); Mileena (Sisi Stringer); Nitara (Mel Jarnson); Kabal (Daniel Nelson); e, por fim, o gigante de quatro braços Príncipe Goro (dublado por Angus Sampson).
O polêmico novo personagem
Ainda há também na mistura o artista de artes marciais mistas Cole Young (Lewis Tan), um novo herói criado especificamente para o filme. O que nos leva ao ponto central. Quem diabos é Cole Young??? O jogo tem 500 personagens, precisaram mesmo inventar um protagonista? Por que incluir um personagem que não existe na franquia e dar aquele protagonismo exagerado a ele, modificar a história original, deixar de lado alguns personagens e matar outros meio que fora de hora?
O filme da década de 90 consegue ser bem mais interessante e mais respeitoso com a mitologia do game, justamente porque quer ser um filme de Mortal Kombat. Aqui até o easter egg é bobo com uma menção a “Ed Tobias”, uma junção dos nomes de Ed Boon e John Tobias, criadores do jogo.
Afinal, ‘Mortal Kombat’ versão 2021 é bom?
O filme Mortal Kombat de 2021, além de entregar uma história absurda de uma “marca” para determinar “os escolhidos” numa tentativa de transformar em mais uma produção de super-herói, ainda tem a audácia de simplesmente excluir a música-tema, marca registrada da franquia. Tudo bem, o tema não é totalmente excluído, mas é desastrosamente mal adaptado.
É uma bomba sem alma, do tipo que se esquece dois minutos depois de acabar. Um filme que prometia na abertura, mas lhe falta estofo dramático, caindo num tipo de limbo até qualquer um fã de MK se descontrolar na meia hora final. Há também um desperdício absurdo de atores que poderiam render alguma coisa.
Embora Mortal Kombat (2021) ganhe vida de maneiras que os filmes de videogame muitas vezes deixam de fazer em suas cenas de ação, ele é interrompido durante uma longa e mortal peça central de treinamento/destino que prolonga a produção para quase 110 minutos. E então termina com um choramingar, estabelecendo o que parece ser uma franquia em vez de fornecer um final satisfatório.
Por fim, se tivessem dado continuidade às ideias de Kevin Tancharoen, do já citado Mortal Kombat: Rebirth, talvez tivéssemos enfim o verdadeiro rejuvenescimento para MK. Como não, tivemos isso aí. E para aqueles em cima do muro, Mortal Kombat (2021) dificilmente vale a pena começar, muito menos terminar. Na dúvida, volte para 1995.
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TRAILER DO FILME ‘MORTAL KOMBAT 2021’
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FICHA TÉCNICA
Título original: Mortal Kombat
Direção: Simon McQuoid
Roteiro: Greg Russo, David Callaham
Elenco: Lewis Tan, Jessica McNamee, Josh Lawson, Tadanobu Asano, Mehcad Brooks, Ludi Lin, Joe Taslim, Chin Han, Hiroyuki Sanada
Onde assistir ao filme ‘Mortal Kombat (2021)’: cinemas, Google Play e HBO Max
Data de estreia: qui, 13/05/21
País: Estados Unidos
Gênero: ação
Ano de produção: 2021
Duração: 110 minutos
Classificação: 18 anos