CRÍTICA | ‘Mulher-Maravilha’ não é perfeito, mas consegue ser uma maravilha

Stenlånd Leandro

Há décadas atrás, exatamente em 1942, nascia um dos maiores símbolos do feminismo americano. Diferente do que possa aparentar, não estamos falando da Mulher-Maravilha, mas sim de Rosie The Riveter, que por gerações foi vista em cartazes com a tão reconhecida frase ‘‘We Can Do It”. Neste cartaz, havia uma mulher que apoiava seu braço esquerdo sob seu muque direito, passando a mensagem de que, as mulheres são tão fortes e corajosas quanto os homens. Por anos isso nada mais passou de um papel informativo sobre o que o sexo feminino fazia durante a guerra. Todas essas mulheres acabavam trabalhando em serviços pesados como em estaleiros e fábricas, produzindo armas, munições e suprimentos, substituindo assim, homens que haviam sido encaminhados para a zona de combate. Naquela época tudo era muito difícil para elas, visto que o trabalho na indústria num geral era muito novo para a maioria. Durante a guerra, o nome de Rosie jamais foi associado à imagem do cartaz, cujo propósito também não era o de recrutar mulheres para o trabalho e sim o de fazer propaganda motivacional voltada aos empregados, de ambos os sexos, da Westinghouse.

Por muito tempo, tínhamos Rosie como referência de um ser ‘mítico’ ou folclórico se preferir, mas com o tempo, outros símbolos foram chegando aos nossos amados olhos. Poucos sabem, mas um dos, senão o primeiro longa-metragem de uma mulher vestindo uma roupa sensual, com sua saia curtinha, muitas vezes aparecia o que não devia para a época, com seios fartos justamente para chamar atenção do público masculino, foi o da Supergirl. Mas ela, naquela época, não era somente vista como objeto de desejo do público masculino. Tanto Supergirl quanto She-ra, irmã de He-man, jamais precisou mostrar seus músculos para demonstrar sua força descomunal, ou até mesmo a coragem. Tinham tanto poder, mas sempre remetiam à mensagem de que ”se eles podem, nós também”.

Em 1976 os produtores chamaram a Miss Mundo Lynda Carter para interpretar a Mulher-Maravilha nas telinhas. O problema com Linda era que o estúdio Warner não queria alguém sem o mínimo de experiência sobre dramaturgia. Foi um rebuliço na época e não importava muito se ela era magricela para o personagem coisa que muito se comentou no momento em que Gal Gadot foi contratada para o papel de uma das mais importantes heroínas dos quadrinhos. Em se tratando de Lynda Carter, o primeiro episódio da Mulher-Maravilha foi ao ar pela rede ABC em novembro de 1975. Nele, a origem da heroína, é recontada como nos quadrinhos. O episódio-piloto que na verdade tornou-se uma espécie de longa-metragem, como na maioria das séries hoje em dia, tendo aproximadamente duas horas de duração. Ao todo foram 15 episódios (contando com o piloto) produzidos no primeiro ano de vida da série e exibidos pela rede ABC. Os altos custos – já que a série era ambientada na década de 40 – e a audiência modesta foram as principais razões do fim prematuro do seriado que durou longas 3 temporadas.

No longa de Patty Jenkins, tudo parece caminhar para um lado similar ao que foi visto nos primórdios da série televisiva. Alto custo, hype de certo modo negativo no início, pessoas virando a cara para a atriz por suas atuações bem medíocres em Velozes e Furiosos, dentre outras coisas que fizeram com que o primeiro filme solo da atriz não fosse tão bem quisto pela crítica especializada. Mas, para a surpresa de muitos, hoje, após alguns anos de sua primeira contratação para viver Diana Prince, temos o roteiro se desenvolvendo gradativamente e levando o espectador para uma história tenra onde a relação de mãe e filha (Diana e Hipólita) humaniza a princesa das amazonas,  explicando minimalisticamente essa trajetória até que os reais poderes dela brotem do ímpeto de sua alma. Todo a progressão de Diana Prince,  desde uma linda criancinha até chegar adulta e descobrir sua força superior, faz com que o roteiro seja bem desenvolvido e não haja algo para contestar. Mesmo com certas pontas soltas, tudo é explicado em seu devido tempo sem apressar a narrativa.

Apesar do ritmo ágil e alta dose de drama, temos então uma trama que hiperboliza o burlesco e o retrô. No ímpeto da alma e do sofrimento, Diana precisava aprender a amplitude e a noção do ser humano como um todo e esquecer que somente mulheres poderiam coexistir. Nossa heroína adentra no submundo da implacabilidade conhecendo enfim, as terríveis ações do ser humano, onde tudo é corrosivo, volátil e fútil durante a guerra.

Gal Gadot está ao lado de bons atores que contrabalanceiam o drama e o cômico necessário para que o filme realmente funcione. Nossa protagonista alimentou um texto poético sobre a confiança no ser humano, e que não se centra somente no mundo exterior. A movimentação da atriz, que sempre foi um de seus pontos fortes, parece encontrar o tom certo neste formato. Sempre grandiloquente, Gadot não consegue conter braços e pernas em uma apresentação intimista, e mesmo que acabe parecendo artificial demais, funciona com esplendor.

O que diferencia este filme de outros, tornando-o uma espécie de Fase 2 da DC Comics, é a maneira como ressalta essa dor que muitos vivenciaram durante a guerra, onde a confiança é abalada pela própria sombra, onde a amizade pode estar em risco por causa de interesses relacionados a um maior.

A ILHA DAS AMAZONAS 

Toda a magia que existe em Themyscira e suas guerreiras amazonas, acaba gerando uma conexão extrassensorial. A rainha Hipólita de Connie Nielsen, mãe de nossa protagonista, mostra como a preocupação materna existe independente se sua filha pode sair por ai batendo em todo mundo sem maiores problemas, com um poder tão incomensurável que ela, mãe de Diana, tem medo que desabroche. Mesmo preparadas para serem guerreiras, há todo aquele apelo maternal, doce e sutil por se tratarem de amazonas, assim como existe entre um pai e um filho. O longa retrata duas mulheres cuja relação vai se intensificando nos primeiros trinta minutos do filme. Ainda que Diana seja quase que uma deusa, nada tira a atenção de Hipólita para com os possíveis males que podem acontecer à sua filha.

E, então, a chegada de Steve Trevor (Chris Pine) na ilha acaba acrescentando o famoso contexto da trama para um dos momentos mais conturbados em todo o globo: A guerra. O piloto Steve Trevor, ferido após um combate não tão vitorioso quanto parece e com uma aeronave, cai na ilha. Ao resgatar Trevor, Diana descobre que o mundo exterior está em guerra, o qual ambiciona escravizar toda a humanidade. Há então cenas de computação gráfica e, que foram muito bem usadas aliás, impedindo que ficasse de imediato aquela lembrança do “encharcamento” de efeitos visuais já de início. Um embate começa para defender a Ilha paradisíaca contra a invasão humana. Inclusive, tamanha invasão tem como ”guest” um porta aviões enorme que até agora eu e meu amigo Everton estamos tentando entender onde ele foi parar em toda aquela invasão. Não vimos torpedos nem nada similar, mas tudo bem.

É ai que, Hipólita, a rainha amazona, é contra o chamado de Diana, para enviar um exército de amazonas para ajudar Steve e seus amigos. Ainda que venha a ser contrariada por sua mãe, a princesa de Themyscira decide ajudar o mundo externo em busca de paz para a humanidade.

Não há como negar que todo o desenvolvimento do longa, desde o carinho entre Diana e Trevor à sensibilidade de uma mãe que quer o melhor para sua filha, e sua tia Antíope, que tenta sugar o máximo do poder de Diana, tornam-se fatores decisivos para que o filme realmente merecesse os aplausos que ganhou no fim de sua projeção.

Uma das coisas mais cômicas de todos os tempos nos filmes da Warner Bros é a relação entre Prince e Trevor. Esse tom burlesco aderido à narrativa fez com que o lado sombrio da DC pudesse, enfim, adormecer. Por diversas vezes rimos de situações inusitadas, e apesar de ser uma guerreira intrépida, Diana passa um ar de total inocência, carisma e doçura. Não há como não ser tragado para o limbo do sorriso de Gal. É valido lembrar que, obviamente, ela não está sozinha. Engrandece a película a atuação de Chris Pine, que por certos momentos de tão magnificente o mesmo deixa de ser o ator coadjuvante para se tornar um protagonista interino, no qual desponta excepcionalmente sem procrastinar a candura da trama.

UMA MARAVILHA DE CAPITÃ AMÉRICA

Para as cenas de ação onde vemos mais efeitos de pirotecnia visual, Diana entra em modo de combate usando de sua espada e um escudo que lembra o Capitão América. Por compartilharem QUASE que o mesmo período de guerra – um dos maiores heróis da Marvel não poderia ficar de fora de uma menção, ainda que irrisória. Fica evidente que o escudo colocado nas costas da princesa amazona, logo de cara relembrará Steve Rogers. Além de se proteger mais com seu bracelete que era a marca mais conhecida de Diana, inclusive na série televisiva, a diretora Patty preferiu adicionar um apetrecho a mais às ferramentas da Mulher-Maravilha, sendo o escudo algo mais rústico para ser seu instrumento contra todo o combate que estava por vir e de difícil manuseio.

Há uma combinação entre a narrativa, que em momentos soa minimalista até demais, com toda essa conexão emocional entre ser uma guerreira e uma simples humana em um mundo totalmente conservador, mas que busca mostrar um roteiro que aborde o empoderamento feminino. Em Mulher-Maravilha temos o famoso choque cultural onde mulheres sofriam com as regras que sempre mostrara que elas seriam desprovidas de opinião, voto e até mesmo afeto.

Mulher-Maravilha correndo com o escudo, lembrando o Capitão América!!!

Talvez em anos, pela primeira vez, um vilão da DC Comics não precisou ter tanta tanta expressividade como em Apocalipse em Batman vs Superman. A Doutora Veneno (Inicialmente chamada de Doutora Maru), interpretada pela excelente atriz Elena Anaya, por exemplo, não tem super poderes, mas possui incríveis habilidades como ser especialista no uso de venenos, toxinas e pragas. Maru faria um estrago tão grande que seria sem precedentes.

Já o principal vilão do longa-metragem é provindo de uma mitologia que se propaga há algum tempo. Se você não é adepto da Mulher-Maravilha, ou sequer acompanhou os quadrinhos, não é tão difícil saber quem é o vilão principal do filme. Em Cavaleiros do Zodíaco, Seiya tinha de atravessar as doze casas dos cavaleiros de ouro para que alguém pudesse remover a flecha que estava fincada no peito de Saori, correto? É exatamente este o nome do primeiro vilão principal da trama: ARES.

Assim como acontece na maioria dos filmes de heróis, todos os motivos dos vilões para dominar o mundo ou uma certa área, são altamente questionáveis e isso acontece aqui descaradamente, mas com uma mensagem bem atemporal. Um dos maiores inimigos de Diana acaba se tornando caricato demais para um filme que vinha caminhando tão bem. Claro que este mero detalhe de um vilão tão imenso na mitologia, mas aquém do que a heroína merece não diminui as qualidades encontradas pela diretora para desenvolver a projeção.

No último ato, temos ainda o famoso banho de pirotecnia hollywoodiana que só filmes da Warner Bros conseguem. Seja em Sucker Punch, Batman vs Superman ou o vindouro Liga da Justiça, sabemos que ao contrário do que vemos nos filmes da Marvel, que tentam ‘humanizar’ cada vez mais os efeitos especiais, as adaptações da DC Comics sempre chegam com muita Pompa e Circunstância quando se trata de pirotecnia audiovisual. O que incomoda muito nisso é que para se esquivar de um melhor tratamento, a equipe de efeitos sempre opta por tudo acontecer no escuro, tapando a visão de coisas que teriam uma melhor visualização a luz do dia, preferindo fazer como o que aconteceu em Batman Vs Superman, onde tudo era somente lixo visual em nossas vistas, dando aquela dor de cabeça imediata de tanta informação na tela que na verdade nada informava.

Jenkins na verdade, enfim, afasta-se de tudo que Nolan e Snyder tentaram ensinar em seus filmes. Ela aprendeu consigo mesma como não seguir a famosa fórmula de que um herói precisa ter seu lado sombrio, questionar sobre sua existência, querendo inclusive se matar por uma ou outra pessoa morrer na batalha. A diretora mostra com toda competência e manda recado indiretamente: mesmo que ambos tenham se tornado diretores consagrados, ainda sim, pecaram quando evitaram a famosa arte de fazer o público sorrir e ser conquistado pela inocência de um rosto tão tenro quanto o de Gal Gadot e seu alter ego.

AFINAL, O FILME É BOM OU NÃO?

Mas é claro que é. Alias, por muito pouco não foi perfeito! Há ainda muita coisa para evoluir no personagem, – e também naquilo que é exposto como efeito visual, mas como um todo, se tivesse que dar uma nota para esta maravilha de filme, seria 9.5 sem arrependimentos. DESLIGUEM-SE DO MUNDO E PREPAREM-SE PARA A MAIOR IMERSÃO JÁ VISTA NUM FILME DA DC!

TRAILER

FICHA TÉCNICA

  • País: Estados Unidos
  • Classificação: livre
  • Estreia: 1 de Junho de 2017
  • Duração: indisponível
  • Direção: Patty Jenkins
  • Roteiro: Jason Fuchs
  • Elenco: Gal Gadot , Chris Pine , Robin Wright , David Thewlis , Lucy Davis , Danny Huston ,Ewen Bremner

Stenlånd Leandro

Leandro não é jornalista, não é formado em nada disso, aliás em nada! Seu conhecimento é breve e de forma autodidata. Sim, é complicado entender essa forma abismal e nada formal de se viver. Talvez seja esse estilo BYRON de ser, sem ter medo de ser feliz da forma mais romântica possível! Ser libriano com ascendente em peixes não é nada fácil meus amigos! Nunca foi...nunca será!
NAN