Na véspera da estreia, Heitor Dhalia fala sobre Tungstênio
Juliana Góes
Nesta quinta-feira, 21 de junho, o filme Tungstênio chega a 60 salas de cinema espalhadas pelo país, sob a direção de Heitor Dhalia. O longa é baseado no quadrinho homônimo de Marcello Quintanilha, em que a narrativa, ambientada em Salvador, traz quatro personagens centrais. Adaptada para o cinema, a trama “trata de questões atuais, de temas explosivos, mas faz isso de maneira dinâmica e com uma estrutura de linguagem bem inovadora”, explica Dhalia.
Tungstênio aborda um universo suburbano, periférico e violento. É um forte retrato da exclusão e das tensões sociais que vive o Brasil atual. “A violência urbana é um subproduto dessa desigualdade”, diz o diretor.
Veja o vídeo em que Dhalia conta o que mais chamou sua atenção nos quadrinhos e faz uma reflexão sobre o atual momento do país:
Preocupado em traduzir a essência do material de Quintanilha nessa adaptação, Tungstênio teve desafios extras: “Existem muitas cenas de ação, briga, cenas no mar, que é dificílimo. Um ponto de atenção era traduzir aquela prosódia do personagem para a boca dos atores. Tungstênio foi uma adaptação bem complexa de ser realizada”, conta Heitor Dhalia.
O longa, protagonizado por Fabrício Boliveira, Zé Dumont, Samira Carvalho e Wesley Guimarães, passou por um processo de escolha de elenco mágico, segundo o cineasta. Foram realizadas diversas oficinas com atores de Salvador, até serem encontradas as personalidades certas para dar corpo e voz para cada um dos personagens. “O longa tem muitos personagens negros, o que tornou a procura por atores nos grupos de teatros locais maravilhosa. Foi um processo muito rico de troca e aprendizados”, completa. Além disso, uma grande característica dos filmes de Heitor Dhalia é a revelação de novos talentos. Samira Carvalho e Wesley Guimarães fazem a vez em Tungstênio: “Adoro encontrar atores novos. Acho importante trazer caras novas para o cinema e, mais que isso, achar o ator certo para cada personagem”, justifica o cineasta.
Mergulhar no universo de Quintanilha, que ganha cores agora nas mãos de Dhalia, é dar de cara com uma narrativa que trata de relações humanas esgarçadas pelo entorno. A pobreza, a corrupção e a violência social pressionam os personagens em todos os momentos. Um Brasil cheio de ódio, de relações esgarçadas e conflituosas. Tungstênio traz à tona o tempo do abuso de gênero, do racismo estrutural e vários outros temas importantes a serem debatidos. “Acho que o filme provoca um olhar crítico para o país de hoje”, diz Dhalia. O cineasta ainda conta que o filme capturou o ponto de tensão máxima que o Brasil chegou. “Estamos à beira de uma explosão de caos. Um momento em que o fascismo nos rondeia, em que as redes sociais criam bolhas de ódio que se chocam. Tungstênio mostra isso na vida real, na rua, no cotidiano e revela como a aparente tranquilidade pode ser rompida a qualquer momento. De uma maneira involuntária produzimos um retrato duro do país. Um Brasil onde a ideia romântica que tínhamos de nós mesmo foi deixada de lado”, finaliza.
O longa tem produção da Paranoid, coprodução da Globo Filmes e Canal Brasil, além de distribuição da Pagu Pictures. Confira aqui o trailer:
Confira a entrevista na íntegra com Heitor Dhalia:
Como surgiu a ideia de filmar Tungstênio? O quadrinho foi me apresentado por um produtor e amigo que tinha interesse em adaptar a grafic novel de Marcello Quintanilha. Ele acabou desistindo e segui com o projeto. Entrei em contato com o Marcello e fizemos o primeiro tratamento. Por coincidência o Marçal Aquino, amigo e parceiro de longa data – fizemos o Nina e O Cheiro do Ralo juntos -, também estava interessado em adaptar a obra. Retomamos nossa parceria e levamos a ideia até Guel Arraes, que deu sinal verde para tocarmos o projeto.
O que te chamou mais atenção nos quadrinhos que despertou a vontade de adaptar a obra para o cinema? Tungstênio é um quadrinho que aborda um universo suburbano, periférico e violento. É um forte retrato da exclusão e das tensões sociais que vivemos no Brasil. A violência urbana é um subproduto dessa desigualdade e isso me interessou no quadrinho. Tungstênio trata de questões atuais, de temas explosivos, mas faz isso de maneira dinâmica e com uma estrutura de linguagem bem inovadora. Isso tudo combinado, me fez querer levar essa história para as telas.
Quais foram as maiores preocupações e desafios dessa adaptação? Minhas preocupações foram tentar traduzir a essência do material adaptado para a tela do cinema e como traduzir a narrativa de uma linguagem para outra. Tungstênio tem desafios extras, existem muitas cenas de ação, briga, cenas no mar que é dificílimo. Um ponto de atenção era traduzir aquela prosódia do personagem para a boca dos atores. Tungstênio foi uma adaptação bem complexa de ser realizada.
Como foi o processo de escolha do elenco? O processo de escolha do elenco é sempre mágico. Fizemos muitas oficinas com atores de Salvador até encontrarmos as pessoas certas para dar corpo e voz para aqueles personagens. O longa tem muitos personagens negros, o que tornou a procura por atores nos grupos de teatros locais maravilhosa. Foi um processo muito rico de troca e aprendizados. Tive a sorte de trabalhar com o Fabrício Boliveira e com Zé Dumont, e de achar a Samira Carvalho e o Wesley Guimarães.
Ainda sobre o elenco, especificamente sobre Samira Carvalho e Wesley Guimarães, não é a primeira vez que atores estreantes se destacam com importantes papeis em seus filmes. Você procura dar oportunidade para esses profissionais em todos os seus projetos? Especificamente em Tungstênio, como foi o processo para encontrá-los? Adoro encontrar atores novos, e trabalho com dois produtores de elenco geniais, Chico Aciolly e Ana Luiza. Os dois têm muito bom gosto para atores e adoram fazer escolhas ousadas. Eu também gosto. Acho importante trazer caras novas para o cinema e mais que isso, achar o ator certo para cada personagem.
Como se deu a preparação do elenco e qual foi seu método de trabalho com os atores no set? Você trabalhou com cada ator individualmente? Temos um método de preparação em grupo e individual. Por meio de várias técnicas, vamos achando o tom e aproximando os atores dos personagens, mas o mais importante nesse processo é estabelecer uma ponte de confiança entre ator e diretor. Um canal de comunicação permanente para os riscos e desafios do processo de produção de um filme, onde entra o restante da equipe. O processo de entendimento da dramaturgia e de como cada ator funciona é muito importante.
Do elenco à equipe de produção, você formou um time majoritariamente baiano. Foi proposital? Como se de essa escolha? Foi uma escolha natural, pois a Bahia tem equipes e atores maravilhosos. Tivemos a sorte de encontrar pessoas para defender este filme.
O longa levanta discussões muito presentes em nossa sociedade, como: as relações de poder, relacionamentos tóxicos, saudosismo militar, marginalização e até mesmo crime ambiental, entre outros. Juntos, esses temas provocam uma explosão e tensão social. Esse é o tema central da obra? Tungstênio é um filme que trata de relações humanas esgarçadas pelo entorno. A pobreza, a corrupção e a violência social pressionam os personagens em todos os momentos. O filme se passa numa região violenta e periférica. Um dos protagonistas é policial, o outro um pequeno traficante e por fim, temos um ex-militar saudosista da ditatura. Esses personagens são tragados para uma situação de conflito, a partir de um evento aleatório, um crime ambiental. De alguma maneira, Tungstênio captura muitos temas do Brasil atual. O Seu Ney, por exemplo, é um ex-militar, uma sátira, um retrato do Brasil atual. Nunca imaginei que teríamos uma possibilidade real de uma volta de um regime militar que pode se dar inclusive pelo voto. Tungstênio mostra um Brasil cheio de ódio, de relações esgarçadas e conflituosas. Traz o tempo do abuso de gênero, do racismo estrutural e vários outros temas importantes de serem debatidos. Acho um filme que provoca um olhar crítico para o País de hoje.
Os personagens são intensos e compartilham a violência (seja física ou verbal) como reação às suas fraquezas, gerando uma explosão de caos e sentimentos. Visivelmente, são personagens contemporâneos. Como você enxerga a relação Tungstênio x sociedade atual? Acho que Tungstênio capturou o ponto de tensão máxima que o Brasil chegou. Estamos a beira de um explosão de caos. Um momento em que o fascismo nos rondeia, em que as redes sociais criam bolhas de ódio que se chocam. Tungstênio mostra isso na vida real, na rua, no cotidiano e revela como a aparente tranquilidade pode ser rompida a qualquer momento. De uma maneira involuntário produzimos um retrato duro do País. Um Brasil onde a ideia romântica que tínhamos de nós mesmo foi deixada de lado.
Tungstênio aposta na força de um retrato social da Bahia que se reflete por todo o País. Cada história contada tem como personagem uma figura que vive às margens da sociedade e é tratada com descaso na vida real. Pensando no cenário atual do Brasil, como você acha que as pessoas reagirão ao assistir ao longa? Qual sua expectativa? Tungstênio é um retrato do Brasil real, do Brasil dos excluídos e pressionados por tensões sociais agudas, com a violência, o tráfico de drogas, as relações desiguais de gênero e o racismo estrutural e escravocrata que marginaliza uma parte importante da nossa população. O filme mostra isso de uma maneira forte e contundente e, ao mesmo tempo, é uma história dinâmica e efervescente que traz a linguagem dos quadrinhos para a discussão social. O filme vai ser visto com muito prazer em todas as regiões, e por todos os públicos. É um filme com linguagem sofisticada que traz um tema e uma narrativa forte, com personagens simples e populares. São bons os elementos no caldeirão e o caldeirão vai explodir. Tudo isso vai chamar a atenção e conquistar os corações do público que assistir. Não faltam razões para a identificação do público com o filme e com o País que ele retrata.