Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre filme crítica

‘Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre’ e o olhar de quem entende

Bruno Giacobbo

Como homem, eu confesso: nunca entendi o real significado da sentença “ninguém larga a mão de ninguém”. Não estou falando, claro, do aspecto semântico produzido por tal encadeamento de palavras. Refiro-me ao sentido amplo da mensagem, da sua representatividade para milhares de mulheres no Brasil e no mundo. 

Em Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre, filme da diretora Eliza Hittman, acompanhamos a saga de Autumn (Sidney Flanigan) em busca de uma clínica de aborto onde possa interromper uma gravidez indesejada. Além de ter que esconder esse fato dos pais, ela é menor de idade, o que torna tudo mais difícil. Mas a protagonista não está sozinha, ela conta com a ajuda da prima, Skylar (Talia Ryder). 

A câmera de Hittman segue Autumn e Skylar por um périplo que começa em uma pequena cidade da Pensilvânia e termina nas ruas barulhentas de Nova Iorque. Durante todo esse ínterim, somos apresentados a poucos personagens masculinos: garotos que sabem da gravidez da protagonista e a xingam de vadia, o pai de Autumn – o protótipo clássico de um machista – e por aí vai.

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Tema espinhoso

É durante a viagem também que somos apresentados à figura masculina mais relevante da trama: Jasper (Théodore Pellerin), um jovem que, logo de cara, se interessa por Skylar. Papo pra lá e papo pra cá, eles trocam telefones sem ela demonstrar grandes interesses. No entanto, esse personagem tem a função de, por oposição de ações, salientar a importância das mulheres estarem sempre unidas e se apoiando, como as primas fazem. 

Gravidez indesejada, e ainda mais de uma jovem de 17 anos, não é um tema suave. A abordagem, dependendo da forma como for feita, pode soar indelicada. O assunto é ainda mais espinhoso quando, no desenrolar da trama, constatamos que ele se ramifica em outras direções. É curioso como em momento algum temos um vislumbre do pai da criança. Essa situação nos permite fazer elucubrações terríveis sobre o possível progenitor.

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Diferenças de direção

Na mão de um cineasta homem Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre seria um filme. Na mão de uma cineasta mulher, outro. A princípio, nenhum demérito em relação a esse ponto. Com certeza há diretores que tentariam realizar o longa-metragem mais delicado possível. Todavia, por melhor que fossem as intenções do escolhido, haveria ainda a questão do lugar de fala, de conseguir se colocar na pele de Autumn e Skylar.

Além disso, quantas vezes na história do cinema americano vimos um filme sobre esse assunto? No momento, não me lembro de nenhum outro. Dessa forma, nada mais justo que o pioneirismo fosse de uma diretora com a sensibilidade de Eliza Hittman

Quando falo que entendi o significado de “ninguém larga a mão de ninguém” é porque este é um filme de toques. Sim, de toques e de seguradas de mão que representam que as mulheres estão ali, unidas para o que der e vier. É a mão da assistente social que segura a de Autumn quando esta se submete ao procedimento abortivo. E é a mão da mesma Autumn que segura, com as pontinhas do dedo, a de Skylar quando esta mais necessita. São toques de delicadeza que um cineasta homem dificilmente empregaria.

TRAILER

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FICHA TÉCNICA

Título original: Never Rarely Sometimes Always
Direção: Eliza Hittman
Elenco:
Sidney Flanigan, Talia Ryder, Théodore Pellerin, Ryan Eggold, Sharon Van Etten
Onde assistir: YouTube e Google Play Filmes
Data de estreia:
qui, 19/11/20
País:
EUA, Reino Unido
Gênero: 
drama
Ano de produção: 
2020
Duração: 
101 minutos
Classificação: 
14 anos

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
NAN