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O cidadão gay de bem, o gene egoísta e a pandemia

Giselle Costa Rosa

Desde o último balanço, às 20h de quarta-feira (20), temos 213.180 mortes e 8.655.512 casos de COVID-19 no Brasil. Na virada do ano pra cá, festas clandestinas e aglomerações do cidadão gays de bem em plena pandemia chamaram atenção no noticiário. Algumas delas foram interditadas. Outras devem ter ocorrido sem maiores problemas. Seria por que carregamos o gene egoísta?

O cidadão gay de bem

Assim, diante disso, muitos acharam que foi um desserviço à comunidade LGBTQIA+. Caímos na velha discussão de que é incongruente ter gay de direita, bolsonarista, ou que tenham atitudes egoístas. Desde quando ser gay é atestado de bom cidadão? Ser incorruptível, ilibado e defender pautas humanitárias?

De fato, é difícil compreender como muitas vezes uma parcela dos gays rechaça pautas que contemplam toda a diversidade. A lógica seria que todos os integrantes da comunidade LGBT estivessem alinhados com partidos que defendem a sua livre existência, assim como o exercício de sua sexualidade. Aliás, seria lindo se fosse assim. Entretanto, antes de tudo, somos indivíduos. Muitas vezes só queremos satisfazer nossos desejos e necessidades. Não importando a quem isso possa vir prejudicar.

Isolamento versus depressão na pandemia

Compadeço com as pessoas que não aguentam mais ficar sozinhas, muitas vezes habitando lugares quase inabitáveis. Seja pela metragem do imóvel, seja pelas condições de moradia ou restrições familiares. Ou mesmo pela urgência de se relacionar, da ausência de toque e afeto. Pela necessidade de interagir com outras pessoas e de poder se expressar como verdadeiramente é em um ambiente “seguro” para gays.

Outrossim, o que é chocante, de modo geral, sendo ou não gay, é como o Ser Humano nessa pandemia não se importa com o bem estar do próximo. Por ser uma doença altamente contagiosa, sem medicamento específico para tratamento ou plano de vacinação eficaz, sua contenção se faz com o isolamento social e uso de máscara. Contudo, falta-nos solidariedade, empatia e altruísmo.

O cidadão gay de bem, o gene egoísta e a pandemia

O pensamento errôneo da extrema direita é o da sobrevivência do mais forte. Quando, na realidade, o organismo mais estável é que acaba sobrevivendo. Junto a isso, temos a política genocida implementada em larga escala em nosso país. A decepção está no alinhamento de pessoas da comunidade LGBT a essa ideologia.

Assim sendo, é provável que tenham comprado a ideia de que a liberdade em busca de um frenesi de prazer é a lógica a ser seguida. Não se importam com o impacto negativo para os demais. Esse é o conceito de liberdade ensinado pela extrema direita que, mesmo quando ensaia um gay friendly, continua a nos oprimir e matar.

Portanto, nesse cenário, é facilmente identificável que o altruísmo, quando existe, é apenas uma forma de perpetuar o indivíduo. Por conseguinte, ainda que desejemos acreditar no contrário, o amor universal e o bem-estar da espécie como um todo são conceitos que simplesmente não fazem sentido do ponto de vista evolutivo. A ideia é defendida no livro “O Gene Egoísta”, de Richard Dawkins”, biólogo britânico. A obra, originalmente lançada em 1976, foi publicada no Brasil em 2007, pela Companhia das Letras.

Não somos programados para sermos altruístas

O livro não adentra por um julgamento moral, mas sim pela biologia e evolução dos genes. Vale lembrar que os traços herdados geneticamente não são, por definição, fixos e inalteráveis. De fato, seria mais fácil aprendermos o altruísmo. Mas não estamos geneticamente programados para sermos altruístas. Ressalta-se que a obra não é uma defesa de uma posição ou outra na controvérsia “natureza versus cultura”.

Nesse sentido, segundo Dawkins, a teoria da evolução de Charles Darwin é, na verdade, sobre a sobrevivência do mais estável. E o que isso significa? Que não é o gene mais forte ou mais adaptável que sobrevive. Aliás, não é sobre melhorar a espécie. É sobre a sobrevivência do indivíduo (leia-se genes) e perpetuação do mais estável.

Já parou pra pensar que o câncer, em geral, aparece após a idade reprodutiva do Ser Humano? Ou seja, após os genes em geral já terem sido passados pra outra geração? Não é negócio para os genes que a doença se manifeste antes de serem postos adiante, apesar disso ocorrer. Por isso, o autor chamou o gene de “egoísta” em seu livro. Não que ele tenha personalidade egoísta, obviamente. Mas no processo evolutivo, por exemplo, diante da escassez de matéria prima para se reproduzirem, alguns genes roubaram de outros o material que precisavam para se replicar.

Igualmente, para garantir sua sobrevivência, ele “controla” nosso cérebro desde que nascemos com mecanismos que ditam o que temos que fazer para continuarmos vivos. Ou seja, nosso comportamento para conseguir comida, por exemplo.

O gene egoísta e o altruísmo como mecanismo de sobrevivência

A cooperação pela sobrevivência da espécie só existiria entre organismos parecidos, ou seja, entre parentes. Ou ainda entre grupos, desde que essa cooperação seja mutuamente benéfica. Por exemplo, a relação de protocooperação entre o crocodilo e o pássaro-palito. Ao se alimentar, o pássaro livra o crocodilo dos parasitas em seus dentes. Isso joga luz sobre os corporativismos, as torcidas organizadas, o racismo estrutural, o nepotismo, a intolerância religiosa, a relação de Bolsonaro com seus filhos.

Apesar de não sermos programados geneticamente para sermos altruístas, podemos usar nossa inteligência para benefício de todos. Para conseguirmos prosperar como espécie, como humanidade e não ficarmos à mercê dos nossos genes egoístas, temos que cooperar, cultivarmos a empatia, o altruísmo e solidariedade. Ou seja, agir sem esperar reciprocidade ou suprimento de uma necessidade imediata, de curto prazo de nossos genes.  Assim sendo, esses valores não nascem conosco; nos é ensinado. 

Além disso, o gene é amoral. Logo, não devemos nos comportar de forma imoral e nos sentirmos bem por estarmos servindo a replicação de nossos genes. E ainda justificar nossas ações por impulsos biológicos.

Enfim, somos plenamente capazes de construir ainda um futuro melhor para a humanidade.

O meu egoísmo, é tão egoísta

Que o auge do meu egoísmo é querer ajudar

[Carpinteiro do Universo – Raul Seixas]

FICHA TÉCNICA

Título original: THE SELFISH GENE
Tradução: Rejane Rubino
Páginas: 544
Formato: 14.00 X 21.00 cm
Peso: 0.654 kg
Acabamento: Livro brochura
Lançamento: 16/11/2007
ISBN: 9788535911299
Selo: Companhia das Letras

 
 

Giselle Costa Rosa

Integrante da comunidade queer e adepta da prática da tolerância e respeito a todos. Adoro ler livros e textos sobre psicologia. Aventuro-me, vez em quando, a codar. Mas meu trampo é ser analista de mídias. Filmes e séries fazem parte do meu cotidiano que fica mais bacana quando toco violão.
NAN