O feminismo genuíno em ‘Mulher-Maravilha’

Larissa Bello

Estamos vivendo a era dos heróis! Pelo menos para produções blockbusters hollywoodianas, que, ultimamente estão sendo revezadas entre duas importantes editoras de histórias em quadrinhos americanas: a Marvel Comics, fundada em 1939 e que tem como seu autor principal Stan Lee; e a DC Comics, fundada em 1934, que tem como seu herói mais antigo e notável, o “Superman”. Dentre todos esses heróis em quadrinhos, somente uma personagem feminina restou como protagonista: “Mulher-Maravilha”.

A heroína foi criada pelo psicólogo, escritor e inventor, William Moulton Marson, (ou Charles Moulton), que também ficou conhecido por ter inventado a base do que viria a ser o Polígrafo, o detector de mentiras. Vale destacar que a vida de Moulton irá ganhar uma versão biográfica e cinematográfica. Afinal, Moulton foi uma figura extremamente intrigante. Além dos atributos já citados, ele mantinha uma vida amorosa excêntrica e nada convencional, tanto para os padrões da década de 40 quanto para os dias atuais. Isso porque ele se relacionava ao mesmo tempo com um rapaz e duas mulheres, que, provavelmente, influenciaram a sua visão feminista para a criação da personalidade da heroína Mulher-Maravilha.

A primeira aparição da personagem foi nos quadrinhos da All Star Comic, em 1941. Somente nos anos 80 é que ela passa a integrar os heróis da DC Comics. E na década de 70 ganhou uma deliciosa versão de série televisiva, protagonizada por Lynda Carter, que foi eleita a Miss Mundo no ano de 1972. Atualmente ela faz participações especiais em alguns seriados, como “Supergirl”, exibida pela Warner, e também esteve presente durante a sessão première, que aconteceu nos EUA, do mais novo filme da sua antiga personagem, que é estrelado agora pela atriz israelense Gal Gadot.

O roteiro de Allan Heinberg, que faz sua estreia no cinema, após um curriculum voltado para séries de TV, como “Sex and the City” e “Grey’s Anatomy” resgata a história inicial desde a infância de Diana, que desconhece o poder que carrega dentro de si. Ela vive na ilha de Themyscira, onde habitam as mulheres Amazonas. Alguns heróis em quadrinhos se baseiam em mitologias de culturas antigas. Enquanto Thor foi inspirado na mitologia nórdica, a Mulher-Maravilha foi inspirado na mitologia grega. E as Amazonas viviam em uma ilha, sem homens e eram excelentes guerreiras. A rainha das Amazonas era Hipólita, que no filme é a atriz dinamarquesa Connie Nielsen, que faz a mãe de Diana. A comandante do exército Amazonas é Antíope, interpretada, por Robin Wright. A escolha por Robin para um papel de uma mulher forte que lidera outras igualmente fortes, não poderia ser mais acertada, dado o contexto, noticiado pela mídia, que a atriz brigou e ameaçou deixar o seriado “House of Cards”, onde faz a personagem Claire Underwood, ao exigir que o seu salário fosse igual ao do ator Kevin Spacey.

A direção do filme também é de uma mulher, Patty Jenkins, que dirigiu anteriormente “Monster, Desejo Assassino” (Monster, 2003), e apresenta um vigor tanto quanto os outros filmes de heróis. As cenas das lutas estão muito bem coreografadas e filmadas, assim como os efeitos de pós-produção. Para uma personagem que desconhece o “mundo dos homens”, Gal Gadot está em uma atuação genuína e natural. Diana é uma mulher feminista, muito antes de entender o que isso significa. Isso porque, para ela, que foi criada sem a interferência de uma pseudo hierarquia masculina, as mulheres se igualam aos homens em todas as funções, seja na vida social, cultural, de trabalho ou de guerra. Algumas cenas enfatizam isso de uma maneira hilária, quando, por exemplo, o piloto americano Steve Trevor (Chris Pine), lhe pergunta sobre como nascem os bebês, ela responde que conhece muito bem sobre o funcionamento da biologia reprodutiva e dos prazeres da carne, graças aos 12 volumes de um livro que estudou. Steve demonstra ter interesse em tal livro, porém, Diana responde dizendo que ele não iria gostar de ler, pois o livro conclui que os homens são imprescindíveis para a reprodução humana, mas no que diz respeito aos prazeres da carne, eles são completamente desnecessários.

Além do enfoque feminista, o filme ainda consegue fazer referências de outros tipos de preconceitos de cunho étnico-racial, como quando o personagem “Sameer”, vivido pelo ator de origem marroquina, Saïd Taghmaoui, diz que é ator e que amaria desempenhar essa função, porém, não nasceu com a cor certa. E ainda o “Chefe”, o índio interpretado por Eugene Brave Rock, que revela à Diana que o seu povo foi dizimado pelo povo do Steve, no caso, os americanos.

Nesse sentido, Mulher-Maravilha é um filme importante para que os parâmetros de heróis sejam atualizados para o contexto do mundo real, que ainda é rodeado de pensamentos e conceitos que estão enraizados na sociedade, mas que precisam ser desconstruídos e revistos. Sendo assim, mesmo que Diana se coloque à frente da linha de fogo dessa guerra, essa luta, na verdade, pertence a todos nós.

Larissa Bello

Graduada em Rádio & TV. Pós-graduada em Leitura e Produção Textual. Capixaba, residiu por 8 anos no Rio de Janeiro, onde atuou em diversas áreas do audiovisual. Atualmente reside em Fortaleza/CE, onde é afiliada da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema) e é autora do blog Cine em Foco (https://cineemfoco.blogspot.com/).
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