O Homem Ideal I'm Your Man crítica do filme

‘O Homem Ideal’ | A tensão necessária entre razão e emoção

Vinícius de Lacerda Mesquita

Uma das grandes produções de 2021 ainda tem produzido ecos neste ano que começa. O filme O Homem Ideal (I’m Your Man), da diretora Maria Schrader, é muito mais que um sci-fi como se apresenta. Aliás, é impressionante a lista de obras alemãs que fizeram sucesso além das fronteiras das tradicionais produtoras norte-americanas. Filmes como A Onda, Black Island e a grandiosa série Dark, da Netflix, são apenas alguns dos exemplos da qualidade impressionante do chamado circuito alternativo ou cult.

É difícil encontrar uma tradução melhor para o título, uma vez que se há, pelo menos, duas opções: O Homem Ideal e Eu Sou o Seu Homem, ambas encontradas nas pesquisas pela internet. A julgar pela narrativa, enredo e roteiro, parece que o filme apresenta momentos distintos, nos quais as duas versões se encaixam brilhantemente.

Amores (Im)possíveis

A história se passa num universo diferente, mas que evoca muitas imagens realísticas, considerando a belíssima fotografia. Uma cientista especialista em escrita antiga se voluntaria (ou melhor, é convencida) a participar de um experimento surreal. A experiência: passar três semanas ao lado de uma espécie de robô/androide feito sob medida para amá-la e agradá-la. A empresa que o produz pede que Alma (a protagonista) dê o seu parecer ou avaliação, para que o ‘produto’ seja aprovado e comercializado.

Thomas é o escolhido. Ele demonstra toda a capacidade que uma inteligência artificial poderia alcançar, tanto em relação à naturalidade de seus gestos e falas, quanto de sua pseudointimidade e conhecimentos sobre a escolhida. Tudo acontece, inicialmente, num ambiente controlado e alimentado por hologramas, que imita um baile antigo. Criado justamente para dar uma falsa impressão de encontro perfeito para homens e mulheres em busca da parceria ideal.

Enquanto a personalidade da cientista se mostra fria, pragmática e distante, o humanoide demonstra verdadeiros afetos e sentimentos. Quase um amante dos sonhos. Todavia, a ‘relação’ entre eles é conflituosa. Afinal, Alma resiste a qualquer investida de Thomas. O que parecia mais uma produção de ficção científica, torna-se um verdadeiro drama cômico. É nesse emaranhado de um relacionamento absurdo e impossível que emergem discussões extremamente relevantes para o momento atual.

Jung e o encontro com a alma

O velho Jung é evocado aqui para dar liga a toda uma construção de raciocínio a partir da produção. A começar pelos nomes dos personagens principais. Alma é a busca racional e objetiva, ainda que unilateral e descompromissada, por aquilo que não é exatamente uma contraparte piegas e óbvia, mas sim o encontro com a paixão, com o espírito capaz de romper com qualquer tentativa de falta de empatia e de simpatia. Para Jung, a alma, essa parte da psique humana, é justamente o nosso propósito, o objetivo de toda uma existência, que se mostra como complementar e irreconciliável num primeiro momento.

Por outro lado, Thomas é Tomé, a eterna dúvida, o lado emocional e subjetivo cego, que necessita da concretude para crer. E apesar de sua natureza ‘robótica’, é ele quem sonha com um ideal de amor romântico, de uma relação natural e verdadeira. Se isso faz parte de sua programação ou é uma tentativa de evolução de seus algoritmos, não é possível afirmar. Ao melhor estilo Ela (a relação entre o homem e um sistema operacional); e O Homem Bicentenário (a humanização das máquinas); Tom é o que podemos chamar de fé cega, ou idealização/projeção de nosso inconsciente.

Muito ‘complexo’

E no meio de tantas questões complexas, há o inevitável conflito entre o ego e o complexo paterno, uma sombra que Alma carrega pelo fardo de cuidar de um pai à beira da demência. Isso explica, de certa forma, a sua resistência em relação ao amor, como se quisesse afastar essa figura simbólica masculina de sua vida, ao mesmo tempo que sofre com a inesperada notícia. A gravidez da atual companheira de seu ex-namorado, fato complementado pelo plot twist (que, propositadamente, não será dito, para não atrapalhar a experiência de quem assistirá).

Fora a antiga busca por aquilo que diferencia a memória das lembranças, o passado da história, como um jogo de adivinhação, ou uma disputa de narrativas. Como diz uma personagem do filme: “Para ter um futuro, é preciso ter uma passado”. A grande pergunta aqui é: como se apaixonar pela melhor versão de alguém, mesmo que seja criada em laboratório?

Conclusão

O Homem Ideal (ou I’m Your Man) é uma daquelas obras que fazem sentido para além de sua proposta, discutindo-se, acima de tudo, como a comunicação e a relação entre as pessoas têm se tornado exatamente isso: uma constante interação com ‘assistentes virtuais’ e ‘respostas-prontas’.

Onde assistir ao filme O Homem Ideal

A saber, o filme O Homem Ideal foi exibido no Festival de Cinema do Rio de 2021. O longa, no entanto, ainda não tem data prevista para estrear no circuito comercial aqui no Brasil. Aliás, vai comprar algo na Amazon? Então apoie o ULTRAVERSO comprando pelo nosso link: https://amzn.to/3mj4gJa.

Trailer do filme O Homem Ideal

O Homem Ideal: elenco do filme

Maren Eggert
Dan Stevens
Sandra Hüller

Ficha Técnica

Título original: Ich bin dein Mensch

Direção: Maria Schrader

Roteiro: Jam Schomburg e Maria Schrader

Duração: 108 minutos

País: Alemanha

Gênero: Comédia, Drama, Sci-Fi, Romance

Classificação: 16 anos

Data de Lançamento (Brasil): 23 de dezembro

Vinícius de Lacerda Mesquita

Vinícius de Lacerda é formado em Letras e professor de língua portuguesa. Atualmente, é pós-graduando em Psicologia Junguiana, poeta, compositor, redator e entusiasta da Cultura Pop.
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