‘O Juízo’ | CRÍTICA
Fachal Júnior
Dívida Histórica.
A herança da escravidão não se paga com um quinhão. Não se resolve uma questão como essa simplesmente esquecendo ou fingindo que não aconteceu. Acredito realmente que debatendo, relembrando e combatendo suas consequências, temos a chance de promover as mudanças que parecem mais justas e sensatas para uma vida melhor em sociedade.
O Juízo, filme de Andrucha Waddington, se apoia na problemática do passado escravista e desloca sua narrativa para o fantástico, o sobrenatural. O roteiro, escrito por Fernanda Torres, conta a história da família Menezes, uma família com terras e plantações mantidas com trabalho escravo e que, no decorrer do tempo, teve sua riqueza esvaziada. Augusto, vivido por Felipe Camargo, é o atual representante dessa árvore genealógica. Desempregado, alcoólatra e mentiroso compulsivo, se muda com sua esposa Tereza (Carol Castro), e o filho Marinho (Joaquim Waddington) para a antiga fazenda da família em busca um novo começo. Contudo, os fantasmas do passado, nesse caso, literalmente, retornam para cobrar a dívida contraída por seus antepassados.
Estética do belo
A atmosfera da fazenda, com a casa grande decadente, já degradada pelo tempo, é muito bem produzida. O Juízo é belíssimo no quesito estética. Os planos e enquadramentos propostos pelo diretor são precisos e de excelente gosto. Muitas cenas são filmadas com pouca luz, tendo em conta que não há eletricidade na fazenda. Portanto, as velas são um elemento cênico e fotográfico muito funcional. Quem assina a fotografia é Azul Serra, tendo feito um magnífico trabalho. Tecnicamente, uma grande obra. Todavia, roteiro, atuações e trama derrapam.
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O roteiro tem alguns exageros incômodos, principalmente no que diz respeito aos momentos de tensão, que, muitas vezes, escalam de maneira pouco crível. As atuações são medianas, destacando positivamente Carol Castro no papel de Tereza e Fernanda Montenegro, que faz um papel menor, mas, como sempre, entrega o que se espera dela. Criolo e Kênia Bárbara são os escalados para interpretar a família de escravos, sendo pai e filha, respectivamente. Fazem um trabalho mediano, mas não comprometem. Por outro lado, a trama, me parece, é o ponto mais fraco da obra. É mais um drama psicológico onde os sujeitos se isolam do mundo e têm sua sanidade deteriorada no decorrer do longa. Nada de novo no horizonte.
Pagar tributo
O elenco de O Juízo é quase que exclusivamente composto de pessoas brancas. O protagonista é branco, sua esposa idem. O diretor também é branco, a roteirista – e esposa do diretor – é branca. O ator que interpreta o filho é filho do diretor com a roteirista… e é branco. Qual meu ponto aqui? Talvez não se perceba a ironia presente, todavia, esse filme produz e reproduz exatamente aquilo que critica. Se faço um obra de temática racial, onde mantenho todas as estruturas exatamente como são dadas pela injustiça histórica, meu filme não tem responsabilidade real sobre o tema. Quando me aproprio de um tema tão caro, tão sensível, preciso agir na estrutura, abrindo e cedendo espaço. O nome dos personagens interpretados por Criolo e Kênia Bárbara, por exemplo – os fantasmas -, só me foi dado quando precisei pesquisar para escrever. São fantasmas.
Quando buscamos dados a respeito da participação de negros no audiovisual, o resultado é crítico. Quase que a exclusividade dos postos de chefia no cinema são ocupados por homens brancos, tendo mulheres brancas em segundo lugar. Por diversos anos não houve filmes com mulheres negras em cargos de destaque, seja em tela ou na equipe técnica.
De fato, é importante que obras referenciem o tema racial. Todavia, parece mais relevante ainda que figuras de renome e destaque, como as que encabeçam projetos enormes como esse, identifiquem onde podem realizar reais modificações na realidade racial nacional com suas obras, seja contratando mais profissionais negros, buscando consultoria com roteiristas negros, aumentando o tempo em tela de atores e atrizes negros. Inclusive, a história de um homem branco, transtornado, alcoólatra talvez não seja mais o que queremos ver, tendo em conta que é o recorrente, o comum, o que sempre foi. Ou seja, não interessa mais.
::: TRAILER
::: FICHA TÉCNICA
Título original: O Juízo
Direção: Andrucha Waddington
Elenco: Fernanda Montenegro, Criolo, Joaquim Waddington, Kênia Bárbara, Carol Castro, Felipe Camargo
Distribuição: Downtown/Paris
Data de estreia: qui, 05/12/19
País: Brasil
Gênero: terror
Ano de produção: 2016
Classificação: a definir