O que há além do dito em Não Olhe Para Cima

O que há além do dito em ‘Não Olhe Para Cima’?

Vinícius de Lacerda Mesquita

É impressionante como algumas produções simplesmente rompem a barreira audiovisual e se torna uma espécie de símbolo. O filme Não Olhe Para Cima é uma caricatura óbvia do momento atual, mas também pode ser algo além, como uma reflexão acerca dos mistérios da psique, por exemplo.

A produção de sucesso mais recente da Netflix, numa camada superficial, de fato, explora os perigos do negacionismo e das diferentes narrativas que reconstroem a realidade sob diferentes pontos de vista. Além disso, expõe a cruel e dura realidade dos subterfúgios da política, que coloca o individual acima do coletivo.

Um novo olhar

Porém, ao mergulharmos no subtexto do roteiro de Não Olhe Para Cima, é possível enxergar além, outras camadas que, à luz da Psicologia Junguiana, revelam novas maneiras de enxergar o antigo conflito entre consciente e inconsciente. Tais interpretações são apenas uma maneira diferente de olhar para o mesmo objeto/fenômeno e apenas acrescentam camadas à obra.

A descoberta de um cometa em rota de colisão com a Terra só é possível graças aos avanços científicos. Ou seja, quando o pensamento e a razão alcançam o máximo de sua manifestação, assemelham-se a uma força divina, a algo capaz de romper os limites da consciência. Mas a própria ciência tem enfrentado resistência e uma certa falta de credibilidade, pelo fato de ter se tornado uma espécie de dogma, de linguagem inacessível e hermética.

O choque de uma notícia apocalíptica representa uma invasão do que é mais irracional e surreal, uma verdadeira crise que ameaça a ordem. A ilusão do controle e da normose são literalmente impactadas por uma força da natureza. Esse verdadeiro complexo provoca as mais diferentes reações: de total comportamento caótico, ao protocolar ato de fé. No fim, a esperança transforma-se em uma certa aceitação ou resignação a contra gosto.

O eterno jogo entre Realidade e Fantasia

Agora, imagine: o que acontece quando o destino se revela contrário ao previamente concebido? Exatamente: negação! Estamos tão presos à ideia de liberdade de escolha que nos recusamos a aceitar a inevitável mudança sem aviso. Sobre isso, Jung teceu uma infinidade de artigos, trabalhos e livros, chegando à conclusão de que tudo é resultado de um fenômeno conhecido como enantiodromia.

A saber: a famosa lei do pêndulo, a qual mostra que toda unilateralidade provoca uma reação de igual intensidade. Em outras palavras: quando o ego, centro da consciência, está deveras preso a apenas uma ideia imutável e rígida, o inconsciente rompe essa barreira com conteúdos e reações adversas, inconciliáveis e inesperadas, provocando a chamada neurose.

A finitude da vida nos parece um tabu com o qual não nos sentimos à vontade para lidar. E no filme, essa simbologia, aliada às diferentes reações ante o espetáculo da destruição, mostram que nunca efetivamente estamos preparados para o desconhecido que virá. Então, para deixá-los ainda mais reflexivos, deixo essa obra-prima da MPB, na voz de Paulinho Moska. E você: o que faria se soubesse que o mundo como conhece está prestes a acabar?

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Vinícius de Lacerda Mesquita

Vinícius de Lacerda é formado em Letras e professor de língua portuguesa. Atualmente, é pós-graduando em Psicologia Junguiana, poeta, compositor, redator e entusiasta da Cultura Pop.
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