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Foto: Pandora Filmes / Divulgação

‘Paloma’: a luta e fé de uma mulher

Ana Rita

Consagrado como o Melhor Longa da mostra Première Brasil do Festival do Rio de 2022, vencedor do prêmio de Melhor Atriz para Kika Sena e exibido na 46ª Mostra SP, Paloma é um filme que aborda a vida de uma sonhadora mulher trans no interior do Nordeste.

Dirigido por Marcelo Gomes, Paloma é um filme forte (para escrever este texto, eu mesma precisei de um tempo para ‘digerir’ toda a história). Mesmo que não traga cenas de violência gráfica, é necessário compreender que toda violência de cunho transfóbico, homofóbico e racista é explicita, e deve ser combatida. Uma obra dessas entrando em festivais e ganhando prêmios é extremamente importante, e isso deve ser celebrado, principalmente com Kika Sena sendo a primeira atriz transexual a receber o prêmio no Festival do Rio.

Em uma coprodução luso-brasileira e baseada em uma história real, Paloma é sobre uma mulher trans cujo maior sonho é se casar na Igreja. O recorte espacial é do interior do Nordeste, em uma sociedade rural, sendo a protagonista uma agricultora que faz ‘bicos’ de cabeleireira.

Se casar na Igreja

Morando com seu namorado Zé e sua filha Jennifer, Paloma expressa constantemente seu desejo em se casar na Igreja. Em uma brincadeira com boneca junto à filha, aquele sonho que parece antigo, mas ainda reprimido, vai crescendo. Na nossa sociedade, as mulheres são ensinadas a querer se casar.

É uma vontade muitas vezes construída na infância. Seja pelos tipos de brincadeiras ou pelas histórias consumidas de contos de fadas que acabam em um ‘felizes para sempre’ que a própria personagem diz no final da brincadeira.

Nisso, existe uma noção generalizada de que toda mulher quer e deve se casar. E, claro que, como Paloma é uma mulher trans, essa vontade se torna maior por ser um forte símbolo de aceitação e afirmação de que ela é sim uma mulher. Uma trans não é menos mulher que uma cis.

Apesar de tudo…

A sociedade, por diversas vezes, tenta diminuir a existência de pessoas trans, seja por julgamentos de seus corpos – uma constante necessidade de medir pessoas por ‘padronização’ e ‘normatividade’ -, ou com determinados rituais que acabam condicionados a pessoas cis, como o se casar em um Igreja Católica.

Apesar de tudo, Paloma é uma mulher bastante religiosa, conhecida pelo padre, com quem parece ter uma boa relação. De modo até ingênuo, partindo do mundo em que vivemos, ela pede ao religioso para se casar na Igreja. A personagem fala que o mundo mudou desde quando as ‘regras’ da instituição foram definidas, mas que ela continua a mesma.

Mesmo notando que é um pedido sincero, o pontífice não pode aceitar, não pode mudar essa lei. A protagonista afirma “nasci homem, mas sou mulher”. É interessante notar essa questão da Igreja, uma instituição religiosa de séculos que mantém ideologias e leis que demoram a ser alteradas ou não mudam.

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Carta para o Papa

Paloma decide então escrever uma carta ao Papa pedindo para que possa se casar na Igreja Católica. A personagem diz que, depois que se juntou com Zé, se sente uma mulher digna como qualquer outra. Afirma sua devoção, diz que é bastante religiosa, fez a primeira eucaristia, se crismou e agora quer se casar. Infelizmente, recebe uma resposta negativa do líder religioso, afirmando que a cerimônia não pode ser realizada. Ao escutar a carta, a mulher contrapõe com “também sou obra de Deus, padre”.

Eis que a esperança reacende, com outra carta dizendo que seu sonho pode ser realizado, uma nova igreja, mais aberta, onde todos são bem-vindos e todos são iguais.

Parada no tempo

Por vir de uma família católica, ter estudado a vida toda em uma escola católica, sou católica não praticante, raramente vou à missa, mas me lembro de uma vez que um padre, ao ler o evangelho durante a quaresma, falou sobre o não consumo de carne pregado na bíblia.

Em seguida, disse que é fundamental compreender quando o livro sagrado foi escrito, que os tempos mudaram, que a mulher não é mais submissa ao homem e não se tem mais escravos. É necessária uma leitura atenta e crítica que se insira no contexto atual em que se vive.

Desde então, sempre me questionei: “Por que a Igreja não se ‘atualiza’ e corresponde a esses tempos atuais?”. Não se pode julgar uma pessoa que a religião não percebe sua existência, mas que busca pertencer a essa comunidade.

A fé de Paloma

Mesmo diante de todos os obstáculos, Paloma não perde sua fé e enxerga o mundo com bons olhos, que não são recíprocos. Nessa sua jornada de constante luta, ela vai contra tudo que essa sociedade a limita. Analfabeta, aprende a escrever seu nome para o casamento, vai atrás de sua roupa branca como deve ser.

Na cerimônia, entra com a marcha nupcial ao lado do marido de terno. Seu casamento é como tanto queria, seguindo os padrões do ritual, celebrando seu amor com Zé, como sonhava.

Durante a lua de mel, vê a notícia na TV sobre seu casamento, a discriminação e violência da sociedade, da reportagem, que define sua cidade como ‘cidade dos travestis’, em verdadeiro show de intolerância e transfobia, que ainda finaliza com um ‘é o fim do mundo’.

Transfobia

O filme é formado com os diferentes tipos de violência que pessoas trans sofrem em suas vidas. De olhares, comentários, limitações, agressões físicas e assassinatos, tanto com Paloma como com suas amigas.

Para ir e voltar do trabalho, a protagonista é bastante observada pelo motorista do veículo que a leva. Essa relação entre os dois personagens é bem trabalhada, com um olhar vindo do motorista que vai do medo à atração. Ponto importante a se fazer: o Brasil é o país que lidera o consumo de pornografia trans. Cria-se toda uma questão em cima de corpos trans, objetificando essas pessoas.

Além disso, em um dos momentos de diversão de Paloma, sua amiga é espancada e assassinada durante uma simples ida ao bar. O Brasil é o país que mais mata trans e travestis. Mesmo com baixa ou zero divulgação da mídia, pessoas trans são constantemente assassinadas apenas por serem trans. Só em 2020, 175 pessoas trans foram assassinadas. Segundo Marina Ganzarolli, presidente da Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da OAB-SP, a expectativa de vida de trans no Brasil é equivalente à da Idade Média: 35 anos.

Dura realidade

O preconceito também acontece com Zé, que com a notícia do casamento, sofre discriminação dos colegas do trabalho e é renegado por sua mãe. Esses intensos olhares a Paloma são captados pelo diretor, dando a sensação de perseguição e exposição que ela sofre. As pessoas que a observam não são mostradas de rosto, apenas a silhueta e a personagem ao fundo escutando tudo.

Diante de tudo, a protagonista não perde sua fé, se mantém firme a tudo isso, não apenas vivendo, mas resistindo e sobrevivendo. Paloma traz uma dura realidade em nosso país partindo de uma história específica, mas que pode ser identificada por outras pessoas e histórias. Nessa violência e transfobia forte no Brasil, é um filme que deve ser visto por todos, discutido e celebrado.

*Filme visto no Festival do Rio 2022

Onde assistir ao filme Paloma (2022)?

A saber, Paloma estreia nesta quinta-feira, 10 de novembro de 2022, exclusivamente nos cinemas brasileiros.

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Trailer do filme Paloma (2022)

Paloma (2022): elenco do filme

Kika Sena

Samya de Lavor

Ridson Reis

Ficha Técnica do filme Paloma (2022)

Direção: Marcelo Gomes

Roteiro: Marcelo Gomes, Armando Praça e Gustavo Campos

Duração: 113 minutos

País: Brasil

Gênero: Drama

Ano: 2022

Classificação: a definir

Ana Rita

Piauiense, nordestina e estudante de Arquitetura, querendo ser cinéfila, metida a crítica e apaixonada por cinema, séries, arte e música. Siga @trucagem no Instagram!
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