Pieces of a Woman Netflix crítica filme

‘Pieces of a Woman’ (Netflix): fruto e luto na maternidade

Ana Rita

Pieces of a Woman, de Kornel Mundruczo, produção da Netflix, é, antes de tudo, um filme sobre a mulher. Isso porque o diretor traz uma experiência pessoal, vivida com Kate Weber, a roteirista da obra. Em nossa sociedade, a maternidade soa como uma condição a ser mulher. Como Maria, um filho é o fruto de uma mãe. Fruto é sinônimo de nascimento.

Parto

A narrativa se inicia com uma naturalidade cotidiana. Martha, vivida por Vanessa Kirby, e Sean, estrelado por Shia LaBeouf, formam um casal americano prestes a ter sua primeira filha. Nas primeiras cenas, nos são apresentados alguns problemas e conflitos familiares. Mesmo seguindo um roteiro de três atos, somos surpreendidos por um intenso e envolvente primeiro ato. Apesar da potencialidade desse magnífico primeiro momento, o filme se sustenta até o seu final de forma harmônica e coesa.

Os primeiros 30 minutos conseguem nos despertar angústia, bem como agonia e uma sensação claustrofóbica. Com longos planos-sequência, Kornel permite que o observador faça parte das cenas e se insira na ação. A câmera percorre a ação como uma caneta, desenhando as cenas na tela, em um ritmo que passa para o espectador as angústias e incertezas sentidas pelos personagens, e principalmente, a dor e força na atuação de Kirby durante as cenas de concepção da filha. No entanto, infelizmente, o parto sofre complicações e a criança não resiste, devido a problemas respiratórios. Inicia-se então, um dos pontos mais importantes na narrativa, o luto.

Maternidade x Mulher

O patriarcalismo coloca o homem como genitor e gestor da família, entretanto, a mulher é a provedora da vida. Ser mãe é interpretado como uma predestinação a mulher. Você, mulher, só se sentirá completa e feliz, quando engravidar e gerar uma vida.

Com a perda da criança, é cobrado de Martha um luto e um sofrimento projetado pela sociedade e pela família. Afinal, a personagem principal estaria lidando com a morte do bebê de forma errada, não estaria sofrendo o suficiente. Não estaria carregando essa cruz.

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Então, o ritmo lento e enquadramentos fechados nas cenas com Martha deixa claro que um ponto importante do filme é a liberdade da mulher. Vanessa Kirby nos entrega uma atuação de aparente frieza em cenas fortes, nas quais muitas, Sean chora a perda da filha, se mostra triste e deprimido, evidenciando a força e tentativa de distanciamento daquela tristeza pela personagem de Kirby.

Aliás, uma cena em especial marca quando Martha vai a um mercado comprar maçã e é surpreendida por uma amiga de sua mãe, que diz saber da situação que ocorrera, afirma que a justiça deveria ser feita em relação a parteira que teria cometido erros durante o parto e acarretado na morte do recém-nascido. A insensibilidade humana em uma tentativa de provar sensibilidade, uma falsa (ou errônea) simpatia com o outro.

A pressão sentida pela protagonista também vem de sua mãe, a personagem que traz um dos relatos mais fortes do filme. É colocado em questão a vida, a luta pela sobrevivência humana em um mundo que também sofre com a violência e hostilidade do homem.

Justiça e sua compensação

A cobrança pela tragédia se direciona apenas para Martha, a mãe, e Eve (Molly Parker), a parteira, ignorando a presença de Sean, o pai, durante o parto. A família acredita que a culpada pela morte da criança foi Eve, devido a negligência durante o parto.

Durante o julgamento, o enquadramento da câmera nos mostra a respiração nervosa, aflita e angustiante de Martha e Eve, assim como, os seus batimentos cardíacos, nos remetendo ao momento do parto, no qual a parteira acompanhava o estado e batimentos do bebê. Esse momento de tensão mostra a opressão e insensibilidade da sociedade, em especial durante as perguntas do advogado de defesa, que de forma fria, tenta culpar a personagem de Kirby pela morte da criança.

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O tal desejo de justiça se evidencia como interesseira, uma compensação por uma vida perdida sem medir palavras, consequências, agindo apenas de maneira fria, distante e insensível.

A vida é um fruto

Durante a obra, o uso constante de símbolos deixa a narrativa mais rica. O diretor usa de diversos artifícios, desde cor, luz e alegoria. Quando questionada pelo advogado de defesa, a personagem principal diz que, após o nascimento, a filha teria cheiro de maçã. A alegoria presente no objeto em questão é diversa e livre, mas sabemos que pode ser relacionada ao feminino e a maternidade.

Nos momentos mais poéticos de Pieces of a Woman, da Netflix, Martha está sempre dividindo cena com a fruta. Como durante uma cena no metrô, na qual ela pega uma semente da maçã ao mesmo tempo que observa crianças brincando no mesmo vagão em que estava, após a tragédia que vivenciara.

Em seguida, a personagem intensifica sua interação com a maçã, passa a cultivá-la em algodões. A maçã é vermelha, como o casaco usado pela personagem quando volta ao trabalho após a perda da filha. A maçã é um fruto presente em um momento importante da Bíblia. Na cultura celta, a maçã é o “alimento-prodígio”, simbolizando imortalidade e espiritualidade. A macieira dá frutos, também gera vida.

Assim, Martha supera seu trauma e conseguirá agora colher seus frutos. Pieces of a Woman se encerra, então, trazendo uma reflexão sobre vida, maternidade, mulher e esperança. Martha supera seu trauma e conseguirá agora colher seus frutos.

TRAILER

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FICHA TÉCNICA DE ‘PIECES OF A WOMAN’ (NETFLIX)

Título original do filme: Pieces of a Woman
Direção:  Kornél Mundruczó
Roteiro: Kata Wéber
Elenco: Vanessa Kirby, Shia LaBeouf, Molly Parker, Ellen Burstyn
Onde assistir: Netflix
Data de estreia: 7 de janeiro de 2021 (Brasil)
País: Canadá, Hungria, Estados Unidos
Gênero: drama
Ano de produção: 2020
Duração: 126 minutos
Classificação: 16 anos

Ana Rita

Piauiense, nordestina e estudante de Arquitetura, querendo ser cinéfila, metida a crítica e apaixonada por cinema, séries, arte e música. Siga @trucagem no Instagram!
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