PIEDADE crítica do filme Claudio Assis

‘Piedade’: conflitos, família e tubarões

Ana Rita

O diretor Cláudio Assis é conhecido por seu cinema mais crítico, social e visceral. Natural de Caruraru, Pernambuco, ele é o diretor de Amarelo Manga, assim como Febre do Rato e Big Jato, obras famosas por retratar uma realidade e identidade recifense, sendo um diretor bastante associado ao movimento do Novo Cinema Pernambucano.

Seu último filme, Piedade é menos visceral em comparação à sua filmografia, mas não menos político. Com elenco de peso, o longa traz a história de um vilarejo de mesmo nome que vem sendo ocupado por uma empresa petrolífera, a Petrogreen, e isso acarretará mudanças na vida e nas relações dessa população, principalmente de Dona Carminha (Fernanda Montenegro) e seus filhos, Omar (Irandhir Santos) e Fátima (Marina Ruggiero).

Questão Ambiental

A exploração de pequenos vilarejos por grandes corporações é um acontecimento bem comum em nosso país. No filme Piedade, a empresa quer comprar o bar de Dona Carminha para poder usar o espaço para extração de petróleo. A produção coloca em reflexão e denuncia a “realocação” de famílias por questões territoriais.

Quando uma casa é desocupada e populações são mudadas de lares, não existe apenas o ponto da propriedade e a parte financeira. Uma população possui sua identidade cultural, a sua retirada desse espaço, promoverá mudanças sociais e culturais. Identificar-se com sua terra e reconhecer aquele povo como seu é um ponto fundamental e que muitas vezes é ignorado, principalmente por empresas que almejam grandes lucros. É como diz um personagem no começo do filme sobre lutar pelo vilarejo, entender o “monstruoso trabalho que o capital nos deixou de herança”.

PIEDADE BarbaraCunha filme

Mais seres humanos, menos animais

A interferência e exploração humana acarreta mudanças ambientais. Além das consequências da extração de petróleo e da poluição dos mares, há também o aparecimento de tubarões, como exposto no longa. A cada dia, o ser humano ocupa mais e mais espaço no planeta, muitos animais são expulsos, resultando em situações como tubarões em zonas de banhistas e ataques. O filme Piedade explora um pouco a relação do homem com o mar, uma relação mais espiritual, de contato e pertencimento com as águas.

Como em seus demais trabalhos, Cláudio Assis busca sempre retratar a realidade da população, seja em quesitos característicos ou em situações cotidianas, como as conversas de bar.

Com a chegada da Petrogreen, a fica a duvida: quem é o inimigo? A empresa que explora ou o tubarão? Quem está expulsando quem do seu habitat?

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Família e suas relações

Todas as situações que sucedem recaem sempre nas relações familiares. Desde a chegada de Aurélio (Matheus Nachtergaele), um representante da Petrogreen, que vai negociar a venda dos terrenos da cidade para a empresa, até o filho perdido de Dona Carminha, que a família tanto procurou.

Logo se nota a classe e o caráter de Aurélio. Um homem de classe alta, vindo de uma família rica e “tradicional”. A relação com sua mãe é recorrente, mas com as vídeo chamadas percebemos a frieza dessa conexão familiar. Em um momento específico, há a quebra da quarta parede (elemento frequente nas obras de Assis), onde a mãe de Aurélio conversa com o filho (e o espectador, consequentemente), expondo ideias conservadoras, preconceituosas e bastante elitistas, com afirmações sobre a diferença em se ter uma boa formação e até quando diz “quer saber o mundo que essa pessoa veio? Não olha no olho não, olha para o sapato”. Assim, Aurélio é o personagem perfeito para mostrar a dialética da moralidade e imoralidade do homem de negócios da elite brasileira.

Contraponto

A família de Aurélio se contrapõe bem com a família de Carminha, a qual ele pretende comprar o terreno da casa. Ela criou com a ajuda do marido seus dois filhos, mas um filho foi roubado. O núcleo em questão se mostra unido, com laços enfraquecidos com a chegada de Aurélio, que ainda traz o conflito do filho perdido e agora achado, uma vez que ele tinha direito ao terreno.

Em outro ponto da cidade, temos Sandro (Cauã Reyomond), dono de um cinema pornô, com quartos que podem ser alugados para sexo. Sandro, apesar de ter sido criado pelo pai, não recebeu a atenção familiar que precisava. É um homem carente, e com uma relação que não parece paternidade com o filho Marlon Brandon (Gabriel Leone).

Piedade filme crítica

Carência

Com cenas de vista superior, mais um elemento característico do diretor, o vouyerismo presente nos coloca como observadores reflexivos. Como na cena da conversa entre Sandro e Marlon dividindo cena com os quartos de sexo do cinema Mercy, ambientado em um clima meio pornochanchada meio cinema erótico dos anos 80, por exemplo.

Nos momentos de conflito, a carência de Sandro se mostra mais forte, exalando uma certa solidão e melancolia pela necessidade de atenção. O personagem de Cauã parece tentar suprir com o sexo, seja nos filmes ou nas próprias relações, como as com Aurélio. A relação de Sandro e Aurélio expõe bastante a dualidade da moral e da carência, o conservador e o marginalizado.

Moral

No filme Piedade, Cláudio Assis expõe as consequências de grandes empresas, assim como a exploração de pequenos vilarejos. Como a dualidade da moralidade humana e sua hipocrisia, principalmente em um país como o Brasil, com riquezas e desigualdades.

Encarar a realidade é lutar, seja pelo que você é ou pelo que você representa. Afinal, em uma sociedade que enxerga o capital acima de tudo e esbanja farsa nos seus valores, é necessário ter piedade e reconhecer suas origens.

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Trailer do filme Piedade

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Elenco do filme Piedade

Fernanda Montenegro
Cauã Reymond
Matheus Nachtergaele
Irhandir Santos
Mariana Ruggiero
Gabriel Leone
Francisco de Assis Moraes

Ficha Técnica

Título original do filme: Piedade
Direção: Cláudio Assis
Roteiro: Hilton Lacerda, Anna Francisco, Dillner Gomes
Distribuição: ArtHouse
Data de estreia: qui, 05/08/21
Onde assistir ao filme ‘Piedade’: nos cinemas
País: Brasil
Gênero: drama
Duração: 98 minutos
Classificação: 18 anos

Ana Rita

Piauiense, nordestina e estudante de Arquitetura, querendo ser cinéfila, metida a crítica e apaixonada por cinema, séries, arte e música. Siga @trucagem no Instagram!
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