Qual é o lugar de fala da mulher gorda e lésbica?
Giselle Costa Rosa
O mês da visibilidade lésbica, em agosto, trouxe muitas discussões à tona. Mas vou me ater a uma: o preconceito contra a mulher gorda. Por exemplo, fala-se muito em desconstrução de valores, de conceitos, preceitos, visões. Mas na real, fala pra mim, isso não é uma faca de dois gumes? O trator da desconstrução vive passando em seu feed, na sua timeline, assim como, nos programas e propagandas na TV. E tudo isso gera, dessa forma, discussões acaloradas e verborrágicas sobre verdades(?) que cada cidadão traz envelopado em suas crenças. E uma das discussões acaloradas gira em torno da gordofobia.
Sociedade e comunidade LGBTQ+
Então, a sociedade resolve discutir se alguém pode ou não ser gordo. Se isso pode ou não ser motivo de piada em filmes e seriados; bem como piadinhas em geral. Se a mulher tem o direito de ser gorda e ainda se sentir sexy, poderosa, empoderada, sem ser achincalhada pelos homens cis ou não, porque muitos gays adoram “xoxar” uma mulher gorda (assunto pra outro dia). Uma questão que permeia entre eles mesmos, excluindo homens gordos fora do padrão gay de beleza e atratividade que acabam caindo em categorias como “ursos”.
Valores
A questão central é que, na verdade, gorda ou não, se você é mulher neste mundo, tem um homem que se acha melhor e que pode mandar no que você deve ou não fazer com o seu corpo. Muitas mulheres ainda se moldam aos valores e desejos do homem. Ainda assim, outras decidiram se rebelar contra esse sistema opressor, tentando se manter livre dessa opressão – que muitas vezes é replicada entre as próprias mulheres.
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As mulheres e o patriarcado
Ser gorda envolve vários aspectos. Não passa apenas pelo livre arbítrio da pessoa. Tem mais questões envolvidas nisso. No entanto, os que apontam e fazem chacota fazem pouco das questões. Agora, imagina ser gorda e lésbica nessa sociedade que prega a perfeição de corpos, da carreira, da família e ainda “ser” namastê.
Meu bem, ser paz e amor, dar a outra face pro(a) outro(a) bater não é resiliência, é abuso emocional e violência psicológica. Ninguém tem direito de dizer como você leva sua vida, claro, desde que isso não prejudique outrem. Ser gorda e lésbica é uma dupla afronta ao patriarcado, já que a todo momento nos lembram que não temos gerência total sobre nosso corpo, seja por meio de leis, seja por chacotas e bullyings. Não importa. São os homens que estão no poder. São eles que determinam o que pode ou não, o que é belo ou não, se seu corpo e atitude são aceitáveis ou não.
Padrões
Pensa comigo. Quem determina a moda? As tendências? Quem determina o que é belo? Quem movimenta os bilhões da indústria pornô e a fetichização dos corpos das mulheres? Aqui, por exemplo, entram todas as categorias: gordas, anãs, negras, asiáticas, milfs, novinhas; tem público para tudo. Quem diz o que é atraente nos filmes, séries, novelas e programas de TV? Quem faz as leis e determina as políticas públicas de saúde? Em outras palavras, na maior parte são os homens, independente de ser hétero ou não, que estão ditando o padrão e as normas.
As mulheres que ainda têm seus corpos e mentes subjugados, muitas vezes, até mesmo relegados pelas ciências. Até hoje não sabem o real processo do orgasmo feminino, sendo que as mulheres hétero são as que menos chegam ao clímax, por exemplo. E reza a lenda que, se o homem engravidasse, o aborto seria legalizado e feito no boteco da esquina.
Ser gorda e lésbica
Então o que vem primeiro na linha de desprezo: ser gorda ou ser lésbica? A sociedade parece fazer com que a pessoa tenha que escolher uma das coisas para ser aceita. Além disso, mesmo entre lésbicas existe um preconceito com as mulheres obesas. Em outras palavras, é só buscar na lembrança os seriados lésbicos de sucesso como The L Word, onde a pegadora era Shane – corpo ultra esguio – e todas as demais faziam a linha fit. No mundo LGBTQ+ nem se fala.
Culto à perfeição
O culto à perfeição do corpo, da perfeição da vida em geral, expostos em posts do instagram ou nas rodas de conversas, somado a toda desigualdade profissional e de direitos massacram pouco a pouco as mulheres, principalmente das gordas e lésbicas (e se somarmos o fator cor da pele?). Procuram sempre por atributos que possam “salvar” aquele corpo, como um rosto bonito. Só tem uma palavra para isso: estupidez.
Obesidade x saúde
Todos sabemos que discurso contra a obesidade está a princípio ligado à saúde. É válido. O que não podemos fazer antes de mais nada é tachar o primeiro corpo gordo que se vê como não saudável. Por exemplo, muitos corpos magros carregam doenças relacionados com a gordura corporal, como colesterol, triglicerídeos e pressão alta.
O mês de agosto tenta dar voz a todas as mulheres lésbicas. Porque ser lésbica é mais do que uma orientação sexual, é um ato político contra um sistema que ainda gira em torno satisfação dos desejos do homem. É desumano a patologização da pessoa gorda com a produção do discurso médico. Vamos parar de reproduzir: “Só é gordo quem quer”. A pessoa pode emagrecer, se isso for do desejo dela, se for possível (já que algumas doenças e medicamentos não corroboram para manutenção do peso). Não cabe a ninguém impor isso.
Rejeição
Qualidades como a sensualidade, bem como graça e elegância não são só atributos daqueles que têm o tamanho de corpo tido como ideal. No cotidiano, as pessoas gordas a princípio encontram a não aceitação e, frequentemente, dificuldade de ocupação e de acesso a espaços públicos. Porém, isso, em geral, é tido como pauta secundária dentro dos movimentos LGBTQ+.
Movimentos de aceitação da mídia
Mas assim como pink money, a percepção das pessoas gordas enquanto consumidoras, também se deu, neste caso por parte do mercado de moda plus size. Assim como houve o crescimento do reconhecimento da ausência de representatividade dos grupos minoritários (negros, população LGBTQ+, etc.) e entendendo que a necessidade de atender às demandas desses grupos é potencialmente lucrativa, esses grupos passaram a ser representados em propagandas, gerando valor de mercado.
Ou seja, essa é a nossa sociedade que busca monetizar tudo e todos. O que falta ser massificado é que nem a obesidade nem ser lésbica são sinônimo de doença.
Aprofunde-se na discussão de ser gorda e lésbica
Enfim, para quem quer se aprofundar mais nessa discussão assista no youtube o documentário Gordxs, que fala sobre gordofobia na comunidade LGBTQ+ e também o Podcast Imensa, que analisa, discute e combate a gordofobia baseado nas experiências de vida de pessoas gordas, trazendo um conteúdo de qualidade com informação e autoaceitação.