QUEERLAND | Rogéria, a travesti da família brasileira
Bruno Cavalcante
Na próxima quinta-feira, 31 de outubro, estreia o documentário Rogéria – Senhor Astolfo Rodrigo Pinto (confira a nossa CRÍTICA). Uma abordagem realística sobre a trajetória de vida da travesti mais emblemática da cena midiática brasileira, a icônica Rogéria.
Como ela mesma se autointitulava: “a travesti da família brasileira”, Rogéria, nascida Astolfo Barroso Pinto (1943-2017), tinha verdadeira devoção pela arte, tanto, que no início de sua carreira chegou a trabalhar como maquiadora de grandes estrelas da extinta TV Rio, na década de 1960.
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Dirigido pelo carioca Pedro Gui, o documentário teve início em 2016 e chegou a contar com algumas entrevistas da atriz para o projeto, incluindo a visita da artista através dos locais mais emblemáticos de sua carreira, localizados no Rio de Janeiro.
O filme conta com diversos depoimentos e cenas de arquivo, trazendo algumas dramatizações de momentos diferentes de sua vida.
Personalidades distintas
No documentário, Rogéria explica que durante suas relações sexuais “Quem fazia sexo era o Astolfo, não a Rogéria. Ali na hora tem o ‘viadinho Astolfo'”, revelou a atriz, que ainda deu detalhes sobre o momento íntimo:
“Não entre sorrindo, não estamos aqui para isso. Não me queira, me despreze. Não estou aqui para o amor, o amor eu vivi lá com meus 19 anos. Muitos não entendiam, mas eu só queria o sexo, e o sexo era o Astolfo”, disparou.
Em vida, a artista sempre se mostrou alguém que sabia exatamente como lidar com suas duas personalidades, a de Astolfo e a de Rogéria. Durante os bastidores do programa Altas Horas, da Rede Globo, em fevereiro de 2017, chegou a afirmar:
“Astolfo sou eu, que é gay, e que recebe Rogéria como um personagem. Quando recebo Rogéria é para ganhar um Oscar, mas não sou mulher. Sou muito feliz de ser Astolfo”.
Preconceito e representatividade
Apesar de ter sido um ícone da cena LGBTQ brasileira, Rogéria não se envolvia tanto com as causas do movimento, chegando a dizer que jamais havia sofrido preconceito ou buylling por ser gay ou travesti, e que sabia se portar caso isso acontecesse:
“Não tenho uma vida de bicha triste para contar. Subia em morro e em árvore, brincava com os garotos, dava porrada neles e protegia as meninas. Até hoje é assim. Nunca sofri bullying. Eu sou o bullying”, afirmou durante o lançamento de sua autobiografia, em 2014.
Talvez para ela, a discussão sobre a representatividade LGBTQ fosse algo muito bem resolvido internamente. Afinal, a mesma se sentia querida e abraçada pelo povo brasileiro, principalmente após suas participações em séries e novelas como “Tieta”, “A Grande Família”, “Sai de Baixo”, “Malhação” e “Babilônia”. Sendo esta última, de 2015, sua última participação na teledramaturgia.
Estreia como atriz
Rogéria sempre esteve muito presente no entretenimento brasileiro, seja através de novelas, participações em programas, entrevistas etc. Além disso, ela era adepta aos musicais e grandes peças de teatro, inclusive tendo estreado nos palcos no início da ditadura militar, em 29 de maio de 1964.
“Estreei num momento complicado. Eles estavam caçando comunistas e artistas, mas nunca tive problema com militares nem me envolvi com política. Se a gente não tivesse qualidade e talento, eles teriam cortado o nosso espetáculo. Fomos transgressoras”, disse em entrevista ao portal Uai.
Astolfo faleceu em setembro de 2017, no Rio de Janeiro, em decorrência das complicações de uma infecção urinária. No entanto, o legado de Rogéria permanece vivo dentro das artes brasileiras. Um feito que só ela poderia ter conseguido. Salve Rogéria!