O voo solo de Rafa Martins, do Selvagens à Procura de Lei
Monique Ferreira
O artista e produtor musical Rafa Martins, conhecido pelos vocais, guitarras e composições da banda Selvagens à Procura de Lei, saiu da capital paulista com sua namorada, Marina Brasil, para voltar a sua cidade natal. Em maio de 2020, enquanto o mundo ainda digeria o estranhamento em viver confinado em suas próprias casas, a cidade de Fortaleza entrava no auge de seu primeiro lockdown. Neste período de confinamento, nasceram músicas e, a partir delas, surgiu a ideia de ser um projeto solo. Rafa lançou no final de abril a faixa “Barco No Seu Mar”, primeira canção que fará parte de seu álbum. Em sua sonoridade, a canção traz uma levada folk, com referências de Simon and Garfunkel, e a produção conta com instrumentos gravados em estúdio e outros finalizados em home studio.
Por isso, convidamos Rafa Martins para conversar sobre a faixa e o videoclipe, compartilhar suas percepções sobre o futuro da música e contar sobre a influência da pandemia na sua produção artística
Confira!
Como foi fazer a produção do clipe de “Barco No Seu Mar”, que foi gravado em plano-sequência, nessas limitações que a gente tá vivendo hoje, sem ter uma equipe muito grande?
Rafa Martins: Esse clipe foi uma verdadeira aventura, porque eu tinha na minha cabeça que a música pedia um plano-sequência, mas quando eu falei pro Dário (Matos, diretor), ele disse que seria muito difícil. Aí ele foi amolecendo o coração e aos poucos foi dizendo que ficaria legal, mas precisaria de uma locação foda. E eu acho que, pelo momento, pela música, pela segurança, seria legal se fosse numa casa. Uma casa grande, bonita, pra equipe poder andar. E aí eu me lembrei da casa da minha avó, mãe da minha mãe. É uma casa dos anos 60 e como a vovó é muito clássica, nunca curtiu mudar muitas coisas, a casa permanece com piso de taco, com as cortinas originais, até com as pinturas. Eu mandei as fotos pro Dário e ele adorou!
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Como foi essa logística?
Rafa Martins: Ele mora em São Paulo e veio pra Fortaleza pra gente fazer o clipe. A gente não ensaiou, não fez muito dever de casa. Eu pedi par minha mãe dar uma volta com a minha avó e aí na hora a gente ensaiou umas três vezes e fez sete, oito takes. E foi isso. A minha avó estava doida pra voltar pra casa, não tinha mais condições mais condições e acabou. No outro dia a gente ficou surpreso pra caramba porque ficou muito legal, ficou natural. Tiveram algumas coisas que a gente bolou na hora, como por exemplo, não cantar a música. Passar mais uma vibe de rotina, de filme. E não poderia ter nada de “forçação” de barra, primeiro porque eu não gosto, não faz parte de mim ficar atuando. Se for de forma intencional, eu acho massa, mas não era o caso.
Foi muito doido porque o Felipe Pinto, que é o outro diretor, assumiu a câmera e ele conseguiu criar aquelas sacadas de, por exemplo, me mandar pro espelho enquanto a Marina canta, ou pedir pra quando eu sair do quarto, passar por trás da câmera e correr até a sala o mais rápido possível. Esse olhar dele foi necessário pra fazer funcionar o plano-sequência, porque não rola se não tiver isso. O legal do plano-sequência é esse efeito, essa sensação de “o cara tava ali, ele foi pra lá”, essas coisas.
Na música você divide as vozes com a Marina Brasil, sua namorada, que já cantava com você em casa por prazer. Como vocês decidiram que era o momento dela cantar profissionalmente?
Rafa Martins: Essa música começou como uma “tiração de onda” na quarentena, porque a gente estava morando em São Paulo e foi para Fortaleza. Nesse período a gente ficou na casa da mãe dela, quatorze dias num quarto. Eu só tinha um violão, um computador e a minha interface pra gravar as ideias. E aí ela me viu compondo, me viu cantarolando, e começou a cantar junto. Eu fiquei maravilhado quando descobri que as nossas vozes davam um efeito legal nessa música que era algo que eu estava ouvindo muito.
Quando eu decidi botar pra frente e produzir essas músicas, eu perguntei se ela queria cantar. Ela adora cantar, passa o dia inteiro cantando, no trabalho, na cozinha, no banheiro, em todo canto! Eu só queria ter o registro desse momento que a gente construiu juntos e fortalecer ainda mais a letra, que é sobre um casal. E aí ela ficou morrendo de medo! Mas foi muito legal porque, como eu conduzi tudo sozinho, sem a expectativa de outras pessoas, acho que o peso foi se diluindo com o tempo.
Eu lembro que, no dia que a gente foi gravar, a galera ficou impressionada. Quando eu contei, ela ficou ficou mais encorajada e agora tá super feliz aqui em casa. Ela tá ouvindo a música no repeat direto, e estranhando a voz dela. E um spoiler: além de “Barco No Seu Mar“, ela canta outra música no disco.
O seu projeto solo surgiu durante a pandemia, portanto não temos como fugir do assunto. A maioria dos artistas que vem conversar comigo fala muito sobre uma certa facilidade de compor durante a pandemia, que acaba sendo um contraponto pra dificuldade de produzir durante a pandemia. Como está sendo isso com você?
Rafa Martins: Aconteceu uma coisa meio inédita na minha vida, que foi passar por um surto criativo. Eu sempre compus direto, e tô sempre produzindo. Mas a forma como a inspiração bateu em mim no começo da pandemia foi uma coisa inédita mesmo. E eu acho que isso se deve muito ao espírito de empatia que você tem com as pessoas. Mas como eu também sou muito profundo nas minhas coisas, eu comecei a pensar que a vida estava se esgotando de alguma forma, que aquilo poderia acontecer comigo. Então, eu me questionei. Será que eu botei pra frente todas as minhas ideias? Será que eu deixei o meu barulho no mundo?
E por isso começou a vir muita música, eu acho que compus umas 23 músicas em dois meses. Por esse lado foi muito positivo pra mim, porque eu já estava querendo me reconectar comigo de uma forma mais introspectiva.
Mas, quais são as diferenças entre o processo atual e o processo com o Selvagens?
Rafa Martins: Quando eu componho pro Selvagens, a música meio que segue um formato. Ela já vem pensada para aquela energia da banda de rock, com refrão, shows, como a galera vai construir os arranjos, a guitarra. E agora, nesse meu projeto, é tudo muito íntimo. Sou eu no meu quarto, no período do isolamento, lockdown. E isso com minha imaginação fértil, as lembranças se aflorando, a memória afetiva. Passa um cheiro, você lembra alguma coisa. Você escuta um pássaro cantar que antes não reparava, vê o pôr do sol de uma forma diferente. Tudo isso foi me inspirando. E agora, eu acho que esse momento passou pra mim. Ainda estamos em pandemia, mas aquele momento passou. E se eu não tivesse realmente me desafiado a gravar essas músicas e botar pra frente, eu acho que eu não faria agora.
Agora, vamos falar sobre o mercado. Eu tenho notado que os artistas solistas estão crescendo em relação às bandas, por uma série de características da indústria musical moderna. Eu queria saber a sua visão sobre isso, trazendo também pro seu lado como compositor. Como você vê a sua carreira colocada nesse mercado atual, comparando a sua banda?
Rafa Martins: O que aconteceu, falando por mim, com a minha experiência de dez anos com o Selvagens, é que chegou num momento que, pra você ter banda no Brasil, você vai ter que querer muito. A logística e as tarifas pra levar uma banda pra fazer show e pra banda rodar são coisas que ficaram muito absurdas no Brasil. Porque você vai ter que atravessar um caminho muito grande. Vai ter que pegar um facão e abrir um matagal pesado. E talvez isso não fosse assim quando a gente começou. Acho que era 2011, tava na época do auge do indie rock, com bandas como Strokes e Arctic Monkeys que todo mundo gostava, bandas pipocando no mundo inteiro.
Falando de forma mais pessoal, uma coisa que me fez querer botar pra frente as minhas ideias foi a facilidade de gravar em casa. Porque eu tenho o meu estúdio, eu posso gravar com qualidade incrível dentro de casa. Eu trabalho com outros profissionais do áudio, como também sou produtor, eu conheço uma galera pra me ajudar a finalizar com qualidade foda.
Como você pretende trabalhar esses dois lados?
Rafa Martins: A questão da banda realmente tem que envolver o dia-a-dia, tem que envolver o tocar junto, o ensaio, as ideias baterem, tudo tem que estar indo pra uma direção. Porque senão tiver, não rola. Então eu acho que talvez seja o momento das bandas repensarem como lançar suas músicas. A gente sempre lançou muitos álbuns, por exemplo. Talvez agora fosse o caso de pensar em singles, ou então até de criar produtos diferentes. Chega de pensar em fazer um DVD, um show ao vivo. Vamos fazer alguma coisa diferente de YouTube, entender como é que a galera tá fazendo lá fora. Porque tem banda muito foda ainda rolando, como o Tame Impala, Royal Blood, Kaleo. Mas, de fato, eu vejo sempre esse movimento de artistas solo surgindo bastante. Eu acho que isso vem muito pelas facilidades de poder registrar o seu trabalho.
Porque, se antigamente você tinha que se lançar como solo, bancar uma gravação inteira, e ir pra estúdio passar dez dias e gastar 30 mil reais, hoje você gasta nada pra gravar em casa, só a energia do ar condicionado e o seu tempo. É muito gostoso esse processo de compor, de produzir dentro de casa, eu me amarro. As músicas saem de uma forma diferente, elas soam diferente também. Tem música que eu gravei no meu disco que tem o vazamento da rua, aí, do nada, um passarinho canta. Eu acho muito legal, traz uma sensação boa de aconchego caseiro e que tem tudo a ver com o conceito solo. Não sei o que esperar da minha carreira solo, mas eu espero que dê pra fazer shows, dê pra apresentar as músicas ao vivo pra galera. E estou bem ansioso por isso, eu quero fazer show.
E pra finalizar, quais são os três artistas que você levaria para um passeio de barco?
Rafa Martins: Eu tenho gostado muito do Rodrigo Alarcon. O Rubel, que foi um cara que eu tirei pra ouvir ano passado e foi uma descoberta massa. Eu já conhecia Partilhar, mas comecei a ouvir o disco mesmo e foi muito legal. Eu tô ouvindo direto o Zé Manoel, ele é de Pernambuco. Conheci por um amigo que me mandou, o cara é pianista e canta, ele tem umas letras muito boas. A música dele me remete a Erasmo Carlos, uma coisa bem aconchegante. Eu adorei!
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