‘Reconstruções’, nova série do Futura, revela o verdadeiro traço do Brasil
Lohan Lage Pignone
Em um momento tão crítico no que diz respeito ao cenário socioambiental e à distribuição de renda no Brasil, o seriado Reconstruções, da produtora carioca Raiz de Oito e exibido pelo Canal Futura, vem muito a calhar. A princípio pode-se deduzir que a série se trata de uma produção à la “Irmãos à Obra” ou “Mega Construções”, enfim, programas (em sua maioria estrangeiros, como esses mencionados, e que conquistam grande audiência mundo afora) que abordam a construção e/ou reforma sob um viés arquitetônico técnico e estético. Conquanto seu título, a nova atração do Futura vai muito além desses aspectos e traz à tona a esperança de pessoas à margem da sociedade brasileira; cidadãos que se contentam, diante do mínimo que lhes surge como oferta.
O seriado traça também o simbolismo de um Brasil mal estruturado em termos urbanos e sociais, analogamente à sua política. Apesar de apresentar, em curtos episódios de 15 minutos, histórias que aparentemente foram bem resolvidas graças às ações coletivas e voluntárias, Reconstruções nos conduz, automaticamente, a uma triste realidade de desigualdade social e da ausência da consolidação de projetos políticos no que concerne a direitos básicos do cidadão, como o de uma habitação decente e de ter acesso à água, por exemplo.
Seca do sertão nordestino
Logo no primeiro episódio, “Riacho das Almas”, deparamos com a dolorosa seca do sertão nordestino, mais especificamente na cidade que dá nome ao episódio, em Pernambuco. A família da menina Isabela relata ter passado por muitos perrengues pela escassez da água e, a despeito disso, jamais deixou a peteca cair. Ao receberem o auxílio de um profissional norte-americano, constroem uma cisterna que concederá a eles maior dignidade e um meio essencial de sobrevivência.
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Enquanto essa família reconstrói sua esperança acerca de seu futuro, cerca de 8,5 milhões ainda perecem no atual Nordeste sem água (e essa informação é registrada em tela, no começo do episódio em questão). Em tempo: a tomada inicial é linda e assaz simbólica, uma vez que um rapaz da família apresenta sua maquete, a qual representa o lugar onde vive. Nela, já está incluída a cisterna. Antes da reconstrução propriamente dita, já existe o vislumbre de um jovem alimentado pela esperança de poder administrar seu lar e manter sua família.
Bomba de Hemetério
Reconstruções pode representar a realização de um sonho antigo, como a reforma de uma casa. Assim ocorre no segundo episódio, “Bomba de Hemetério”, em Recife. Reforma de casas, para muitos que assistem, pode soar como algo irrisório; mas para quem vivencia a pobreza e o descaso do governo, as rachaduras e infiltrações residenciais são apenas alegorias de um contexto de vida totalmente negligenciado. Como dizem, uma casa mal ajambrada reflete uma vida desestabilizada. A aparição de alguém que possa ajudar, nesse sentido, é extremamente bem-vinda. E, neste caso, surgem duas mulheres, também dos EUA, que se dispõem a fazer reparos necessários nessas casas.
Edifícios abandonados x Pessoas sem habitação
Por fim, já no terceiro episódio, “Edifício União”, temos a abordagem sobre um prédio da rua Solon, em São Paulo, que, nos anos 80, foi ocupado; e que, somente em 2015, por definitivo, teve suas posses transferidas aos moradores. Aqui, o capítulo realça a disparidade absurda que há de edifícios abandonados no Brasil com a quantidade de pessoas sem habitação. Por que um direito tão primevo é tão menosprezado em nosso país? É preciso, antes de reconstruir ou reformar um espaço físico, refazer os parâmetros governamentais que balizam essas questões. Reconstruir o olhar sobre essas pessoas, que, como cidadãos, têm previstos por lei o direito à vida e à preservação de suas dignidades. É necessário reparar, com urgência, essa máquina de produzir desigualdades. O seriado Reconstruções inspira essa mudança, através de pequenos feitos significativos advindos do povo.
Enfim, contando com 13 episódios de 15 minutos, já está no ar a primeira temporada de Reconstruções. A saber, a série, que estreou no último dia 5 de novembro, conta com episódios inéditos às terças-feiras, a partir das 22h15, com reprises aos domingos, às 10h; segundas, às 17h15; e quartas, às 11h15. Disponível também em http://www.futuraplay.org/.
::: TRAILER
::: FICHA TÉCNICA
Direção: Matheus Ramalho
Produção: Bia Goldenberg
Direção de Fotografia: Pedro Faerstein e Miguel Lindenberg
Som Direto: Yuri Ribeiro
Roteiro: Clarissa Moebus Ramalho
Edição de som e mixagem: Final Mix
Trilha sonora original: Leandro Donner
Correção de Cor: Glauco Guigon / Yellow Bunker
Parceria: Habitat para a Humanidade Brasil