Regresso a Reims (Fragmentos) crítica do filme 45ª Mostra de São Paulo SP 2021

Regresso a Reims (Fragmentos): um recorte da história da luta social na França

Ana Rita

Dirigido por Jean-Gabriel Périot, o documentário Regresso a Reims (Fragmentos) (Retour à Reims (Fragments)) caminha pelos problemas sociais e econômicos da classe trabalhadora na França, seguindo os textos do filósofo e escritor Didier Eribon, presente no homônimo livro. Com imagens de arquivo e narração da atriz Adèle Haenel (Retrato de Uma Jovem em Chamas), percorremos de forma natural a história e os conflitos dessa classe do início dos anos de 1950 aos dias atuais.

O papel da mulher

Vivemos em uma sociedade patriarcal. Aliás, olhando para tempos mais passados, a liberdade da mulher era quase inexistente, ao mesmo tempo que muito se era (e ainda é) exigido dela. Acompanhando a história da família do autor, o recorte, mesmo que limitante, consegue representar a realidade e a descrição de inúmeras famílias. A gravidez na adolescência na década de 50, ser expulsa de casa, trabalhar desde cedo, por exemplo. Há ambições e vontades, mesmo que limitadas.

A masculinidade sempre oprime e ocupa alta posição de poder. E o filme Regresso a Reims deixa claro como a sociedade enxergava a mulher; bem como como retirava sua liberdade e como essa era obrigada a submissão de um período mais machista e exploratório, que pune mulheres. Reafirmando, assim, o poder do homem e sua masculinidade.

A mulher tinha dupla e tripla jornada, além de emprego como faxineira. Além disso, algumas ainda trabalhavam em fábricas (sofrendo julgamento); assim como precisavam cuidar do lar, dos filhos e, claro, do marido.

Oportunidades iguais?

A meritocracia é, certamente, uma das maiores falácias da nossa sociedade. Isso porque a ideia e ilusão de que todos têm oportunidades iguais e que se alcança melhores empregos através do estudo é apenas querer. Mas é algo que ainda repercute nos dias de hoje. Muitos homens tiveram “suas vidas, personalidades e subjetividades determinadas pelo local e pelo tempo em que durezas e restrições se combinavam intransponíveis”.

No caso da França, o documentário mostra que, em um determinado espaço de tempo, a obrigatoriedade de ir à escola era até os 14 anos. Assim, muitos filhos de operários e agricultores abandonavam seus estudos para se dedicarem ao trabalho. O modo que essa ‘liberdade’ de escolha é inserida para esse jovens fazia parecer que a melhor opção era sair da escola e garantir algo mais concreto. Enquanto isso, a burguesia seguia o caminho do estudo, com privilégios e apoio.

‘As possibilidades se ajustam as posições das classes’

Essas oportunidades e garantias do Estado não se resumem à escolaridade. Com o déficit habitacional acumulado e a necessidade de reconstrução das cidades no pós-guerra, notou-se a necessidade da criação de grandes conjuntos habitacionais. Um perfeito exemplo de moradia social inserida no meio urbano e produto do Urbanismo Moderno. Quando se pensava em conjunto habitacional (infelizmente muitos arquitetos e urbanistas ainda pensam assim), ignorava-se diferenças culturais e sociais dos que agora passarão a conviver. Resultou e reafirmou na segregação social total. Não há opção, afinal, não se escolhe onde morar. Se é escolhido.

Então, com essas injustiças, segregação e falta de igualdade entre as classes, muitos trabalhadores conhecem e reconhecem a luta de classes sociais. Há um identificação como operário, detentor da força de trabalho, que vende esse seu único ‘produto’ aos donos dos meios de produção. Logo, os camaradas se associam ao partido comunista, entrando em lutas, protestos e greves. Como forma de garantir direitos e a procura de melhorias nas suas condições de trabalho.

Juventude, consciência e esperança

Atualmente, facilmente associamos consciência social com a juventude. O que, muitas vezes, pode gerar uma esperança e aquecer nossos corações com um possível futuro melhor. Com a vitória do candidato socialista François Mitterand na França, a população trabalhadora enxergou como vitória dessa luta. Afinal, os trabalhadores elegeram-o como busca de mudanças nessa sociedade desigual. Infelizmente, nada mudou, caindo no já conhecido ‘todo político é igual’. Parecendo ser o ponto onde promessas sociais são esquecidas, favorecendo sempre a mais alta classe da pirâmide: os patrões.

Muitos se tornam descrentes, acreditando que não há diferenças entre políticos e seus lados ideológicos, caindo na ideia de que “direita e esquerda são iguais”. A esperança renasce com a juventude da nova esquerda, com novas lutas, agora mais plurais, indo de justiça social à luta feminista, antifascista, bem como por moradia e por mudanças climáticas.

Entretanto, vemos que mesmo com grupos conscientes, a realidade de liberdade e justiça se afasta a cada dia com a ascensão de governos de direita em diversos países.

Passando de um assunto para outro, como da mulher, para o aborto, para a educação e trabalho, é tudo trabalhado de modo que se ligam, se conectam e tudo flui bem.

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Trailer do filme Regresso a Reims (Fragmentos)

Ficha Técnica

Título original do filme: Retour à Reims (Fragments)
Direção:
Jean-Gabriel Périot
Roteiro: Jean-Gabriel Périot, baseado no livro de Didier Eribon
Elenco: Adèle Haenel
Onde assistir ao filme Regresso a Reims (Fragmentos): Mostra de SP 2021
País: França
Duração: 80 minutos
Gênero: documentário
Ano de produção: 2021
Classificação: 14 anos

Ana Rita

Piauiense, nordestina e estudante de Arquitetura, querendo ser cinéfila, metida a crítica e apaixonada por cinema, séries, arte e música. Siga @trucagem no Instagram!
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