RESENHA | ‘AS BRIGADAS FANTASMA’, de John Scalzi, ou “A guerra continua!!!”

Eduardo Cruz

“A tecnologia humana era boa, e no quesito arsenal os seres humanos estavam tão bem equipados quanto a grande maioria de seus adversários. Mas a arma que importa no fim das contas é aquela que fica atrás do gatilho.”

E A GUERRA CONTINUA!
Depois de um hiato grande demais pra quem amou o Guerra do Velho logo nos primeiros capítulos, a Aleph finalmente publicou o segundo volume da série, As Brigadas Fantasma. O livro retoma a premissa principal da série, onde acompanhamos um conflito travado entre a humanidade e diversas espécies alienígenas pelo controle do maior número possível de planetas com condições propícias para colonização. Como não há muitos planetas desse tipo espalhados pelo universo, cada espécie quer garantir que aquele território conquistado permaneça seu! Então já sabem, né? É GUERRA!
Neste segundo volume da série acompanhamos o soldado das Forças Especiais Jared Dirac, desde o momento de seu nascimento. Clonado a partir das células de um possível traidor, a Federação Galática de Defesa cria Dirac a princípio para tentar descobrir o paradeiro e as intenções do dono do genoma original, na perspectiva de que a personalidade do doador se replique em seu clone, assim emulando o raciocínio do traidor a fim de localizá-lo e capturá-lo. Como a princípio isso não sai como o esperado, Dirac termina por ser incorporado a um pelotão das Forças Especiais liderado por ninguém menos que Jane Sagan, uma das protagonistas do livro anterior. Em As Brigadas Fantasma vemos um lado do conflito que foi abordado apenas perifericamente em Guerra do Velho: A rotina e treinamento dos soldados das Forças Especiais, clones modificados, gerados a partir do material genético dos recrutas idosos que morrem antes de ganharem seus corpos modificados para travarem as batalhas das FCD. Esses corpos, pelo fato de seus doadores originais morrerem antes que a transferência de consciência seja realizada, são verdadeiras tabulas rasas, criaturas sem passado engendradas com apenas um objetivo: proteger os colonizadores humanos universo afora. Lutar e morrer. No decorrer do livro, esse detalhe da trama evoca questões éticas semelhantes às que Mary Shelley aponta em Frankenstein, no que diz respeito à responsabilidade quanto à criação de vida artificial – aliás, a obra de Mary Shelley, bem como seus derivados pela cultura pop são brevemente citados em As Brigadas Fantasma.

“Depois de assistir a Star Wars, todo mundo queria um sabre de luz e ficou irritado ao saber que na verdade a tecnologia para produzi-los não existia. Todos concordaram que os Ewoks deveriam morrer.”

Scalzi referencia e homenageia suas influências de forma muito pontual desde Guerra do Velho, chegando a mencionar neste segundo livro o Tropas Estelares – o livro E o filme! -, notória influência do autor na criação da série, o que é algo bastante honesto da parte de Scalzi, visto que, fora alguns conceitos científicos que ele desenvolve ao longo da série, nada ali é exatamente original, mas o seu trunfo está em como opta por contar sua história. Apesar de Dirac não ter o carisma de John Perry, o protagonista do livro anterior, ele é interessante a seu modo e carrega a reboque questões filosóficas acerca de livre arbítrio, a natureza da consciência e do “eu”.

 “As Forças Coloniais de Defesa descobriram, para seu intenso desgosto, que muitos de seus seres humanos levemente modificados (“levemente” sendo relativo) não ficavam muito felizes ao descobrir que eram criados como uma plantação de buchas de canhão e se recusavam a lutar, apesar dos melhores esforços de doutrinação e propaganda possíveis para persuadi-los. Humanos não modificados ficavam igualmente escandalizados, pois a decisão parecia mais outra medida eugênica por parte do governo humano, e o curículo de governos amantes da eugenia na experiência humana não era exatamente estelar.”

Assim como em Guerra do Velho, Scalzi continua a desenvolver sua ciência maluca, e entre tantas raças alienígenas, armas, tecnologioas e biomodificações o destaque da vez fica para os Gameranos (sim, uma homenagem ao Kaiju japonês Gamera!).

À direita Gamera, e à esquerda, um tal de…. Gojira?

Essa geração de soldados das Forças Especiais foi projetada para sobreviver no vácuo espacial sem nenhum tipo de aparato, sendo inclusive a primeira geração de soldados a possuírem seus BrainPals, o computador interno que os soldados das Forças Coloniais de Defesa utilizam, em forma orgânica! O design desses humanos modificados lembrou muito algo que o geólogo e paleontólogo escocês Dougal Dixon já havia concebido em seu livro Man After Man: An Anthropology of the Future. O livro, que é um bestiário especulativo sobre os caminhos evolutivos do ser humano daqui a alguns milhões de anos trazia, entre vários outros exercícios de imaginação O Vacuumorph, um derivado do já distante Homo sapiens biologicamente apto a viver no espaço!

“Se conseguirem encontrar uma maneira de procriarmos naturalmente, teremos uma nova espécie: Homo astrum, que pode viver entre os planetas. Não teremos de lutar com ninguém por propriedade. E isso quer dizer que os seres humanos vão vencer.”

Ilustração de Man After Man: An Anthropology of the Future

Como eu disse lá em cima, Scalzi pode não ser o cara mais original da Ficção Científica atual, mas compensa isso com uma narrativa divertida!

Ilustração de Man After Man: An Anthropology of the Future
Como no livro anterior, a escrita de Scalzi continua bastante leve e fluida, um verdadeiro vira páginas! eu li Guerra do Velho em três dias, mesmo com toda a minha rotina e as leituras paralelas, e com As Brigadas Fantasma não foi muito diferente, apesar de alguns momentos que perdem o fôlego, e são um pé no freio em uma leitura que estava a 100 por hora minutos antes. Nada que faça o leitor abandonar antes de terminar, mas o ritmo mais lento da continuação em relação ao primeiro é evidente. John Scalzi – pelo menos nessa série da Guerra do Velho, não li mais nenhum outro livro do autor – consegue contar uma história com um bom ritmo e ao mesmo tempo manter a profundidade de seus temas: questionamentos como ética no uso de tecnologias avançadas, bem como questionamentos a respeito de bioética e transhumanismo, os elementos que fizeram de Guerra do Velho um livro tão singular e inteligente, permanecem aqui, aprofundando questões como os corpos clonados e/ou radicalmente modificados do primeiro livro, e também iniciando novas discussões, como “Que senso de identidade de alguém clonado pode desenvolver?”, quase como se Scalzi estivesse ajudando a preparar a humanidade para problemas que ela ainda não tem. AINDA. Mas ei, foi exatamente isso que Mary Shelley fez em Frankenstein! e olhem pra gente agora, clonando humanos em segredo enquanto o resto da humanidade olha para o outro lado, assistindo Master Chef e Ídolos ovelhas!
“– […] Não vá me dizer que você é feliz de ser consciente. Consciente de que foi criado para um objetivo que não era a própria existência. Consciente das lembranças da vida de outra pessoa. Consciente de que seu objetivo é apenas matar pessoas e coisas que a União Colonial aponta para você. Você é uma arma com um ego. Seria muito melhor sem o ego.”
Pra quem ainda não conhece, vale a pena dar uma olhada na nossa resenha de Guerra do Velho também. Quem curte ficção científica, ou mesmo quem apenas procura uma boa história com situações limite e muita ação para passar o tempo, saibam que ainda dá pra ingressar nesse pelotão! a Aleph publicou apenas dois volumes da série no Brasil até o momento (num total de seis), e o primeiro ainda é fácil de encontrar por aí. Então, não sei vocês, mas eu permaneço nessa guerra até o fim! QUEM ESTÁ COMIGO????

EU NÃO OUVI VOCÊS, VERMES!!!!

Eduardo Cruz

NAN