RESENHA | “AS CAVERNAS DE AÇO”, de Isaac Asimov, ou “O Blade Runner do Bom Doutor”
Ricardo Cavalcanti
Isaac Asimov é um dos grandes nomes da ficção científica clássica, ao lado de Arthur C. Clarke, e isso não tem como negar. Suas obras popularizaram o gênero, angariando milhões de fãs ao redor do mundo. Dono das costeletas mais famosas da ficção científica, Asimov é russo de nascença, mas migrou com sua família aos três anos de idade para os Estados Unidos, se naturalizando por lá (Em 1981, um cometa foi batizado com seu nome). Mestre e doutor em bioquímica, possui mais de 500 obras publicadas, entre história, matemática, ficção científica, fantasia, astronomia, biologia e química. Neste mês de abril, completam-se vinte e cinco anos de seu falecimento. Por conta disso, nós do Zona Negativa, resolvemos prestar uma homenagem, trazendo algumas obras deste autor que é tão importante para a FC. Iniciamos o mês com o excelente conto “A Última Pergunta” e agora damos sequência trazendo uma obra que trata de um assunto que o autor adora: robôs! As Cavernas de Aço, que é o primeiro livro da chamada “Série dos Robôs!”. Fazem parte ainda da série: “O Sol Desvelado”, “Robôs da Alvorada” e “Robôs e o Império”. De todos, somente o último ainda não foi relançado pela Editora Aleph. Mas ao que tudo indica, deve sair agora no segundo semestre de 2017. A última edição havia saído em 1985 pela editora Record.
As três leis da robótica são:
1ª Lei: – Um robô não pode ferir um ser humano ou, por inação, permitir que um ser humano seja ferido.
2ª Lei: – Um robô deve obedecer às ordens dadas por seres humanos, exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a primeira lei.
3ª Lei – Um robô deve proteger sua própria existência, desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira ou com a Segunda lei.
Asimov usou e abusou das três leis da robótica que ele mesmo criou. Apesar de ter utilizado tais leis em alguns contos, acabou tomando uma maior dimensão a partir do momento que os juntou, transformando em um livro: “Eu, Robô”. Depois disso, a cada conto, a cada livro, a cada história, parecia que ele estava tentando testar os limites de tais leis. Depois de algum tempo, ainda resolveu incluir mais uma lei, que viria antes das anteriores. A chamada “Lei Zero”:
“Um robô não pode causar mal à humanidade ou, por omissão, permitir que a humanidade sofra algum mal.”
As três leis ainda foram utilizadas na “adaptação” para o cinema de “Eu, Robô”, com Will Smith. Provavelmente, a única coisa da obra de Asimov que está no filme. De resto, não tem mais nada. As leis estão também presentes no conto O Homem Bicentenário (The Bicentennial Man), que virou filme em 2000 com Robin Williams. Mas não estamos aqui para falar de adaptações para o cinema. Vamos ao que interessa!
Para situar do que se trata “As Cavernas de Aço”, imagine uma história em que dois policiais se vêem obrigados a trabalhar em parceria e que um deles já demonstra insatisfação, mesmo antes de conhecê-lo. Eu sei, eu sei que você já viu isso em Máquina Mortífera, Bad Boys, Tango e Cash, O Último Boy Scout e até em O Último Grande Herói, que utilizam essa mesma premissa (Tudo bem que nesse último o parceiro é uma criança. Mas acho que já deu para entender). A gente já imagina logo o que vai acontecer: os dois se odeiam, mas aprendem a trabalhar juntos, fazendo uma dupla imbatível e resolvem não se separar mais. Já vimos essa dinâmica milhares de vezes e nada poderia nos deixar mais entediados com tanta obviedade. Mas agora imagine que essa história sendo contada a partir da mente de Isaac Asimov. Adicione o fato de que um desses investigadores é um robô e o outro é uma pessoa que odeia os robôs. Acrescente como pano de fundo uma população com um enraizado preconceito contra os robôs por, entre outras coisas, estarem tomando o emprego dos humanos. Além disso, temos uma elite que não quer nem um pouco se misturar com os terráqueos, insatisfeita com os rumos tomados pela Terra, estando disposta a cortar laços, se necessário for. Pronto! Temos os ingredientes iniciais para mais uma grande obra do Bom Doutor.
Estamos no futuro e a Terra sofre com a superpopulação. Quase toda a vida natural foi extinta e cães e gatos só são vistos em zoológicos. Os habitantes vivem em grandes aglomerados em que mal vêem a luz do sol; sofrem com a escassez e o racionamento de alimentos; fazem suas refeições em grandes salões coletivos (uma espécie de bandejão) recebendo somente o suficiente para a própria sobrevivência. Todos vivem com o sonho de um dia poder subir um pouco na escala social e ter algumas regalias e privilégios do tipo: “poder fazer suas refeições em sua própria residência três vezes na semana”. Os robôs são responsáveis por grande parte da mão de obra na Terra, fazendo com que os humanos sejam cada vez mais substituídos por máquinas. Cidades inteiras que são, nada além de enormes bolhas populacionais ou, simplesmente, cavernas de aço. Essas cidades lembram muito a Mega City One dos quadrinhos do Juiz Dredd ou mesmo do filme (estou falando o de 2012 e não aquilo que o Stallone cometeu em 1995).
Enquanto isso, os Mundos Siderais, ex-colônias da Terra que deixaram há muito tempo de se sujeitar a seus antigos colonizadores, não estão nem um pouco satisfeitos com os rumos tomados pelos terráqueos. Essas colônias alcançaram a plena independência e se tornaram muito mais avançadas cultural e tecnologicamente; livres de doenças e com baixa densidade populacional. O uso de robôs para o trabalho é visto de forma positiva pelos siderais. Para manter seu modo de vida, são impostas grandes restrições a entrada de humanos nesses mundos. Essas restrições contribuem muito para o aumento do nível de rejeição por parte da população terrestre, causando um clima de tensão constante.
O principal personagem é Elijah Baley, um competente e dedicado investigador de polícia da cidade de Nova York, que recebe a incumbência de investigar o assassinato de um embaixador dos Mundos Siderais. Baley possui suas convicções e, como todo morador das grandes cidades da Terra, não gosta de robôs. Os Siderais exigem que o assassino seja encontrado e para auxiliar e acompanhar a investigação, enviam um robô chamado R. Daneel Olivaw (Um andróide, na verdade. Praticamente um replicante modelo Nexus 6. Mas vamos chamar de robô para deixar o Asimov feliz). Apesar de suas convicções, o detetive se mostra incapaz de não cumprir um dever profissional. Os Siderais, por serem culturalmente incapazes de cometer qualquer ato de violência, acreditam que o culpado só poderia ser um terráqueo. Diante de uma realidade em que os nervos estão constantemente à flor da pele, qualquer pessoa se torna um potencial suspeito. O que seu superior mais quer é que Baley resolva logo o caso, não deixando que o robô desvende o crime antes dele.
Para escrever As Cavernas de Aço, Asimov aceitou uma espécie de desafio proposto durante um brainstorm com seu editor. Como era de se esperar, pouco se explora sobre a discussão mais aprofundada dos problemas na sociedade causados pela convivência com os robôs em nosso mundo e a substituição da mão de obra humana pelas dos autômatos (Assunto, aliás, que poderia dar uma discussão bastante interessante. Para se ter uma ideia de como teria terreno para explorar, se fizermos um paralelo com outras obras de ficção científica mais recente como o filme Distrito 9, ou até mesmo no Robocop do José Padilha, vemos que a discussão pode se tornar bastante ampla. Tudo bem, você pode não ter gostado do filme do Padilha e que o que vale mesmo é o do Paul Verhoeven, mas não se pode negar que as discussões sobre o uso de robôs eram muito interessantes; sem contar que mostrava de forma direta como o uso da “informação” pode ser utilizado para a manipulação da opinião pública. Para mim, o filme já valeu por conta disso) Apesar de tais discussões não estarem presentes no livro, não diminui nem um pouco a sua importância.
O livro é uma ótima história policial, que se passa em um mundo pessimista e desprovido de esperança, que poderia tranquilamente estar situado na caótica realidade do mundo criado por Philip K. Dick em “Andróides Sonham com Ovelhas Elétricas?”, ou sua versão cinematográfica: “Blade Runner: O Caçador de Andróides” de Ridley Scott. Asimov pega um tema que já foi explorado à exaustão e nos presenteia com uma nova visão, nos guiando por caminhos inesperados, nos encantando com a sua capacidade de nos surpreender.
Nessa história, são apresentados pela primeira vez os personagens Elijah Baley e R. Daneel Olivaw, que ainda seriam utilizados mais vezes pelo autor. Ambos aparecem nas sequências da Série de Robôs. Além disso, R. Daneel tem uma grande importância na mega-saga Fundação. Mas vamos deixar para falar de Fundação em outro post. A história de As Cavernas de Aço teve uma adaptação para a TV inglesa em 1964 no programa BBC2 da série Story Parade. Nada mais, nada menos que um dos mestres do Terror, Peter Cushing (o de verdade, não o digital que você viu em “Rogue One“) fazia o papel do detetive Elijah Baley.
Muitas pessoas que não tiveram contato com a obra de Asimov e não sabem ainda por onde começar, podem considerar esta como uma boa porta de entrada conhecer o autor. O gênero “ficção científica policial”dá muito certo em “As Cavernas de Aço”. Mistérios, conspirações e segredos permeiam a história de forma a te prender, desejando saber o que acontece na próxima página. Mais uma boa história do Bom Doutor que parecia uma máquina na hora de escrever. Seria ele também um robô? Nunca saberemos.
Ricardo Cavalcanti
NAN