RESENHA | ‘NOITE DE TREVAS – UMA HISTÓRIA REAL DO BATMAN’
Eduardo Cruz
Nos anos 1990, o roteirista Paul Dini tinha uma carreira em ascensão escrevendo para os desenhos incrivelmente populares BATMAN: A SÉRIE ANIMADA e TINY TOONS. Era uma fase áurea para roteiristas de televisão, e Dini e seus amigos autores estavam na vanguarda dos holofotes de Hollywood. Em uma noite, tudo mudaria.
Caminhando para casa num fim de noite, Dini foi cercado e cruelmente espancado. Com vários ossos quebrados e o rosto destruído, Dini passou por um processo árduo de recuperação, dificultado pelas excentricidades dos vilões imaginários sobre os quais escrevia para a televisão, incluindo o Coringa, Arlequina e o Pinguim. Mas apesar de ser uma situação desoladora, ou talvez por causa disso, Dini também imaginava sempre o Batman ao seu lado, constantemente incentivando-o durante os seus momentos mais sombrios.
Embora a maioria das pessoas conheça o Cavaleiro das Trevas como o ícone perseverante de justiça e autoridade, nesta história surpreendente, vemos o Batman sob um novo olhar. Não mais como o vingador noturno, mas como o salvador que ajudou um homem abatido a se recuperar mentalmente de um ataque brutal que o deixou incapaz de enfrentar o mundo.
NOITE DE TREVAS: UMA HISTÓRIA REAL DO BATMAN é o conto autobiográfico angustiante e eloquente da luta corajosa de Dini para superar uma situação realmente desesperadora. É uma história do Batman diferente de todas as outras, e uma que irá ressoar de verdade entre os fãs, com a arte do incrível e talentoso Eduardo Risso (100 Balas, Cavaleiro das Trevas III: A Raça Superior).
Assim como Dini, eu também tenho uma história pessoal com o Bátemã. Tão pessoal que ao ler a sinopse dessa HQ e constatar o que é a tal história real de Batman, não pude evitar um arrepio e um pouco de sudorese ocular, por essa história do Dini ser tão similar à minha própria experiência pessoal em muitos aspectos, tornando o Noite de Trevas talvez o produto de cultura pop com o qual eu mais tive identificação em toda a minha vida até hoje. Então senta que lá vem história:
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O que aconteceu, por conta do acidente, somado ao meu background cultural de leitor voraz de gibis, foi uma transição da minha visão do Batman: de vigilante mascarado e personificação catártica do homem comum que batalha por um pouco de justiça em meio a uma sociedade cada vez mais caótica e violenta, a essência do Batman em minha visão pessoal se transfigurou em outra faceta, a do humano comum que ignora e supera suas limitações porque, bom, simplesmente porque a alternativa é se entregar e morrer. Em resumo, e para ficar um pouquinho maispolêmico: Tanto eu quanto Paul Dini passamos por um momento de dificuldade e sofrimento extremos em nossas vidas e buscamos forças em um conceito que apesar de imaginário, é poderoso o suficiente para surtir resultado. As pessoas fazem isso todos os dias no mundo todo. Algumas buscam Deus nesse momento de perrengue. Nós buscamos o Batman. E fomos tocados pela Sua graça. Mas não tinha pomba branca, e sim um grande morcego negro rs. Vejam bem, não se trata de acreditar na possibilidade de o Batman ser real, e sim visualizar o arquétipo que ele representa e as características desse arquétipo adequadas àquele momento em questão, e dali extrair a força necessária para alcançar a tal da superação. Alguns chamam isso de fé, eu acho. E foi assim que virei devoto de Nossa Senhora de Bátimã.
Funcionou. Dini eventualmente voltou pro eixo, retomou sua vida pessoal, casou-se e continua trampando como roteirista de filmes para TV, jogos e animações até os dias atuais.
A HQ é extremamente agradável de ler. Certamente deixará os fãs do Batman satisfeitos com seu desenvolvimento, mesmo não sendo uma história habitual do Homem Morcego. Os entusiastas de histórias padrão Vertigo, com teor mais adulto, também não têm do que reclamar, com as situações e o enredo entregues aqui. Dini mostra, mais uma vez, que é um mestre da narrativa e nos enreda forte desde as primeiras páginas. As suas 120 e poucas páginas se esvaem em uma hora, isso lendo sem pressa e parando pra admirar o trabalho do artista argentino Eduardo “100 Balas” Risso, que não mostra grandes surpresas aqui, conduzindo a arte com a competência de sempre, que nos deixou mal acostumados esses anos todos. Entretanto, fica difícil recomendar positivamente essa HQ, de uma leitura fluida e redonda, muito bem casada com a arte, por conta de um fator: o preço. Que o material em si é ótimo, não há dúvidas! O problema aqui é o preço. Desde o final do ano passado, a Panini tem reajustado os preços de suas publicações de luxo de forma drástica, o que tem desagradado muito os fãs. O que se vê nas redes sociais é cada vez mais um coro gritando por boicotes à editora, muito compreensivelmente. 130 páginas por R$72,00 (preço de capa, sem descontos!), sendo que encontramos muitos encadernados similares em bancas de jornais, com o mesmo número de páginas e o mesmo acabamento em capa dura por cerca de R$30,00!! (Preço de capa!). Cumassim?Panini, explica essa matemática pra gente, que nós não entendemos! Eu também estava boicotando, mas consegui um exemplar por outros meios. Caso contrário, vocês não leriam esse texto nem tão cedo rs.
Ah, um destaque especial para as aparições de Sandman e sua irmã Morte, num flashback de uma conversa de com o produtor Alan Burnett, onde Dini tenta emplacar um roteiro com estes dois personagens em um episódio na série animada do Batman, mas que acabou sendo vetado por Burnett. Além de mostrar com inteligência e sagacidade a essência do Batman, Dini brincou com os brinquedos de Neil Gaiman e não fez feio. Muito pelo contrário: o que Dini apresenta em três páginas encaixaria o Batman com perfeição no universo de Sandman!!! Este conceito que Dini desenvolve para o roteiro, nunca utilizado, associando Batman com o universo onírico… Como o Gaiman não pensou nisso antes, em 75 edições de Sandman????
E essa sequência de 5 quadros aí em cima resume bem meu 2014… |