Reserva Cultural Niterói é inaugurada com pré-estreia de ‘Aquarius’
Wilson Spiler
Niterói teve nesta quarta-feira uma noite de gala. A cidade que já foi reduto de diversos cinemas como o saudoso Icaraí, o Windsor, o Cine Center, o Central, o Niterói e até mesmo o complexo do Itaipu Multicenter, vinha perdendo espaço para as salas de shoppings como as do Plaza e do Bay Market, ficando reduzida a apenas filmes do circuito comercial.
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Mas, já há algum tempo, a sétima arte mais “alternativa”, digamos, começa a despontar no município. O retorno do Cine Arte UFF e, agora, a inauguração da unidade de Niterói da Reserva Cultural (há um outro complexo em São Paulo), prometem revitalizar o cinema na região. O investimento para a reforma e adequação foi de aproximadamente R$ 12 milhões. Com cerca de 600 metros quadrados, o complexo conta com cinco salas de cinema, uma a mais do que a versão paulista, sete lojas e um estacionamento de 1800 metros quadrados.
Quem esteve na inauguração do complexo foi o presidente da Fundação de Arte de Niterói, André Diniz, que comemorou bastante esta conquista para a cidade.
“O (Oscar) Niemeyer fez esse prédio e ele estava há muito tempo abandonado. O governo fez um esforço imenso para que isso acontecesse. Nós fizemos uma parceria público-privada e o Reserva Cultural ganhou. Hoje, nós estamos inaugurando um complexo de salas de cinema sofisticadas na cidade, com filmes mais conceituais, com espaços comerciais afins, com o objetivo cultural, enfim, proporcionando não só ao cidadão de Niterói, mas também do Rio e do país, um local de referência. A gente aposta muito nesse espaço. Estou muito feliz de entregar isso à sociedade”, comentou Diniz. “O Reserva Cultural vai exibir filmes europeus, independentes, indianos, latino-americanos… a ideia é essa, justamente você ter a capacidade de proporcionar para a cidade um entretenimento diferenciado”, completou o presidente da Funarte, que prometeu que a UFF, que possui uma faculdade de Cinema, será parceira do projeto.
A inauguração da Reserva Cultural foi em grande estilo. O espaço ficou lotado de convidados e jornalistas com a pré-estreia do aclamado “Aquarius”. A escolha não poderia ter sido melhor, haja visto o momento político atual do país. Além disso, Sônia Braga, protagonista do longa, é uma niteroiense não só de nascimento, mas de coração também.
“Esse projeto é incrível, porque há 10 anos atrás eu tirei fotos aqui quando estavam construindo o local. Eu vi isso com tantos estudantes aqui, de cinema inclusive. Sempre que se cria um núcleo artístico, também se cria um movimento social, se cria o desejo dessas pessoas…”, afirmou a artista.
Maeve Jinkings e Humberto Carrão, outras duas estrelas do filme, também estiveram na inauguração do espaço e comentaram sobre “Aquarius”. Maeve espera que o filme tenha uma trajetória no Brasil tão brilhante quanto no exterior.
“Espero que as pessoas se envolvam no filme, que elas se comovam como a gente se comove. Como eu costumo falar: todo bom trabalho ensina muito. “Aquarius” não foi diferente. A obra me fala muito sobre a forma como a gente lida com o poder, sobre como a gente sobrepõe o poder, colocando-o acima de valores humanos. Tem um significado pessoal para mim e, evidentemente, profissional, porque o longa já tem uma trajetória extraordinária no exterior. A gente espera, claro, que a trajetória dentro do nosso país seja boa, mas, de todo modo, já é um filme muito importante para a minha carreira pela repercussão que ele tem tido”, disse a atriz. “Tem ainda uma relação afetiva muito grande porque é o meu segundo trabalho com o Kleber (Mendonça Filho, diretor da produção). Nós nos tornamos amigos. Eu me identifico muitíssimo com a visão de mundo do Kleber. “O Som Ao Redor” é um marco na minha carreira também. E, além de tudo, conheci a Sônia Braga!”, completou.
Já Humberto lembrou dos protestos em Cannes (os artistas fizeram manifestações contrárias ao impeachment da, até então, presidente Dilma Rousseff durante o festival) e acha que isso não deve atrapalhar a divulgação no país.
“Atrapalhar não. Acho que as pessoas que dizem que não vão ver o filme por causa disso, me parecem que são pessoas que já não veriam a princípio. A gente fala muito do protesto porque muita gente não viu o longa e ele, assim como no ato de protestar, também pensa na cidade, também pensa a forma como a sociedade está se construindo. O tempo inteiro as interferências, o desrespeito pela memória… Acho que isso tudo é uma forma de protestar também”, afirmou o ator.
Sônia Braga ainda comentou a polêmica da classificação indicativa do filme feita pelo Ministério da Justiça, que recomendou “Aquarius” para maiores de 18 anos.
“Eu acho que tudo que é falado tem que ser provado. Eu acho que seria da parte dos jornalistas agora entrevistar as pessoas que fizeram a classificação e saber porque essa recomendação de 18 anos. Para a gente não interessa isso. É um filme de família, sobre uma família. Um filme feito com uma visão de futuro do Brasil. Então essa plateia de adolescentes interessa muito a gente, interessa muito que essas pessoas tenham essa visão do que a gente está falando, do que a gente está comentando, e que é uma resposta deles mesmo. Porque, na realidade, quem vai unificar o Brasil nesse momento são essas pessoas que estão abaixo da faixa etária de 18 anos, que estão nas escolas, nas faculdades, e que estão preparando o futuro do país. Nos anos 60, eu tinha 16 anos e participava, ia a passeatas, vi o país entrando na ditadura e participei das Diretas Já. Eu acho que você proibir um filme pode estar refletindo outros aspectos de uma reflexão de quem tem o poder, de quem está no poder, de quem pode fazer isso. Eu gostaria muito que a imprensa pudesse investigar um pouco, fazer um trabalho e perguntar às pessoas que deram essa classificação o porquê”, disse a atriz, que brincou: “Tem um tubarão no filme. Eu fico com a impressão que tem pessoas preocupadas em defender os surfistas abaixo de 18 anos de idade”, completou Sônia, arrancando risadas dos jornalistas presentes.
A atriz ainda deixou um belo recado para manifestantes, governantes, a população em geral. “Não tenham medo! Todos nós queremos o mesmo. Nós todos queremos um Brasil rico, bonito, com futuro. Principalmente, pensar, nesse momento, em uma coisa única para que todas as crianças brasileiras cumpram o seu destino. Não é o momento de retroagir, mas de ir para o futuro da melhor maneira possível e sempre unidos”, destacou a artista.
Assim, a noite não poderia ter encerrado melhor, com sorrisos nos rostos de todos os presentes e a confiança de que a História da sétima arte do Brasil estava sendo feita bem diante de nós. “Aquarius” estreia em 1º de setembro no Brasil, talvez não nas principais salas do país, mas nas que valorizam o cinema nacional como na Reserva Cultural Niterói.