Rock, polêmica e engajamento político marcam passagem histórica de Roger Waters no Brasil

Danilo Firmino

O Pink Floyd é uma banda que dispensa apresentações prolongadas. Criada nos anos 60, se destacou pelas letras de protesto, filosóficas e por sua musicalidade progressiva e psicodélica. Seus números são impressionantes, contando com dezenas de discos de ouro, platina e prata em diversos países diferentes, com seu álbum “The Dark Side of the Moon”, um dos mais vendidos da história da indústria musical. Influenciou grandes nomes como David Bowie, Genesis e Dream Theater, sendo uma das bandas mais bem-sucedidas musical e comercialmente não só da história do rock, mas da industrial musical mundial. O Pink Floyd está na história da música.

A banda sempre foi conhecida por suas letras de conteúdo ácido, criticando de maneira direta a sociedade moderna, o capitalismo e o estilo de vida ocidental. Se você tem alguma dúvida, dê uma olhada em grandes clássicos como Dogs, Pigs, Us and Them, Welcome to the Machine, Another Brick In The Wall, Money e Comfortably Numb. Diante do momento político vivido no Brasil, parecia inevitável que Roger Waters, um dos fundadores do Pink Floyd, abordasse tal situação em sua turnê pelo país.

(ROGER WATERS NO SHOW DE SÃO PAULO | FOTO: CAMILA CARA | T4F)

A trajetória polêmica de Roger Waters começou em São Paulo, no dia 09 de outubro, quando o artista listou no telão uma série de políticos que, segundo o mesmo, tinham inclinação neofascista. Entre nomes como o do norte-americano Donald Trump e da francesa Marine Le Pen, esteve o do candidato recém-eleito presidente do Brasil, Jair Bolsonaro. Além disso, o cantor exibiu #EleNão, usada em redes sociais com objetivo de criticar o candidato citado. A exibição pegou o público de surpresa, com as reações variando entre vaias e aplausos. Em seu discurso final, Waters afirmou de maneira enfática sua defesa aos direitos humanos, bem como repúdio a qualquer tipo de ditadura. Em um país que, atualmente, seus grandes músicos dificilmente se posicionam de maneira tão enfática politicamente, a ação de Waters gerou uma reação entre os que concordavam e discordavam do cantor. Fãs revoltados rasgaram os ingressos Brasil afora, colocando ainda para vender em fóruns e nas páginas de redes sociais. Alguns outros, concordando com a iniciativa do fundador do Pink Floyd, prestaram apoio.

(FOTO: REPRODUÇÃO FACEBOOK)

O cantor parecia surpreso ao notar a quantidade de vaias que recebeu, chegando até mesmo a balançar negativamente a cabeça. Talvez Waters achasse que a maioria de seus fãs não iriam apoiar um candidato que, segundo o cantor, tem ideias fascistas em suas falas e plataforma de governo. Além disso, os próprios fãs do cantor pareciam não entender a veia política combativa que Waters exibe desde seus tempos como integrante do Pink Floyd. Waters é um crítico contundente de Donald Trump e do Estado de Israel e sua política contra os árabes da região. Muitas das principais letras de protesto do Pink Floyd tiveram participação de Waters. Além disso, mais de uma vez, o cantor elogiou algumas ideias socialistas em suas entrevistas. Mais absurdas ainda foram as acusações sobre a possibilidade de Waters ter criticado Jair Bolsonaro para ganhar visibilidade ou mais dinheiro em sua apresentação, parecendo esquecer que, relembrando, o cantor é um dos artistas mais bem-sucedidos da história da indústria da música. E isso não é pouca coisa.

(ROGER WATERS NO SHOW DE BRASÍLIA | FOTO: LISANDRO DE ALMEIDA | T4F)

Porém, o músico não parou suas críticas ao candidato Jair Bolsonaro em São Paulo. No Rio de Janeiro (24), Waters voltou a exibir no telão os políticos considerados fascistas pelo autor, colocando no lugar do nome de Jair Bolsonaro a frase “Ponto de Vista Político Censurado”, além de convidar para o palco parentes da vereadora e socióloga Marielle Franco, assassinada em março deste ano, conhecida por seu combate contra a violência policial nas comunidades pobres cariocas e sua defesa pelos Direitos Humanos.

A polêmica turnê do cantor não parou por aí. No dia 26, Roger Waters foi notificado pela Justiça Eleitoral brasileira de que poderia ser multado se fizesse qualquer tipo de mensagem de cunho eleitoral depois das 22 horas.  Se as mensagens ocorressem depois da meia noite, poderia até mesmo ser preso pelo crime de boca de urna. No dia 27, o cantor se apresentou em Curitiba, e é claro que não omitiu. Faltando 30 segundos para completar 22 horas, o cantor interrompeu a música Breath e exibiu no telão: “Essa é a nossa última chance de resistir ao fascismo antes de domingo. Ele Não!” e, em seguida: “São 22h. Obedeçam a Lei”. Novamente, o público se dividiu entre varias e aplausos. Tudo dentro da lei. O show continuou, o recado estava dado.

(ROGER WATERS NO SHOW DE BRASÍLIA | FOTO: LISANDRO DE ALMEIDA | T4F)

Jair Bolsonaro foi eleito presidente no dia 28, a despeito dos protestos de Waters e de tantas outras pessoas Brasil afora. Para alguns, Bolsonaro representa uma esperança, pessoas que acreditam que com o pulso firme que o futuro presidente exibe será possível alcançar a diminuição da violência e a recuperação econômica no Brasil. Para outros, Bolsonaro representa a opressão e a violência, a homofobia, o conservadorismo e fascismo. E o rock, como sempre, tem algo a dizer sobre a situação política do mundo.

(ROGER WATERS NO SHOW DE SÃO PAULO | FOTO: CAMILA CARA | T4F)

A passagem de Waters pelo Brasil ficará marcada na história pela sua polêmica e reação do público, bem como pela coragem do cantor de se posicionar contra o candidato que estava à frente nas intenções de voto. Porém, mais do que isso, deixa clara a situação política brasileira: a de intensa polarização. Além disso, demonstra o profundo desconhecimento de parte dos fãs sobre a trajetória de seu ídolo. Será que esses fãs, demonstrando desconhecimento sobre o artista que admiram e pagaram (caro) para ver o show, têm conhecimento das propostas ou se preocupa com as consequências do candidato que votou? Talvez essa seja a maior dúvida que os shows de Waters deixou no ar.

Danilo Firmino

Danilo Firmino é mestre em história, entusiasta de filmes de terror, RPG e filosofia. Rubro-negro, não perde a chance de ir ao Maracanã mesmo com o Flamengo não merecendo. Apaixonado por metal, mas permite MPB e músicas anos 80/90 em sua vida - mas isso é segredo.
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