Ruth de Souza centenário

Ruth de Souza: o centenário de uma rainha

Cadu Costa

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12 de maio de 2021

Ruth de Souza, a grande atriz preta brasileira, completaria 100 anos nesta quarta-feira (12). Morreu aos 98 anos, em 28 de julho de 2019, deixando um enorme legado para a luta antirracista.
A ‘Dama Negra da Dramaturgia’ foi a artista que abriu caminhos para diversxs atrizes e atores pretos até os dias atuais e certamente segue viva na memória e no coração da população brasileira. Marcada por sua qualidade técnica em cena e pelo seu pioneirismo na luta pela dignidade da população preta, Ruth de Souza tinha o sonho de ser atriz desde a infância, quando chegou a ouvir “Não tem artista preto”. Foi aí que essa mulher PRETA, GUERREIRA, BRASILEIRA começou a romper barreiras e preconceitos. Mazelas que, infelizmente, existem até hoje.
Em 2016, numa entrevista para o Portal UOL, disse:

“É que eu sempre briguei e cobrei muito de todo o mundo para ter espaço. Mas foi a Janete Clair e o Dias Gomes que deram a mim e ao Milton Gonçalves a oportunidade de fazer todo o tipo de trabalho. Antes deles, era só a negra gorda alegre, feito a empregada do “…E o Vento Levou” (…) os negros eram mostrados de forma ridicularizada.”

Dificuldades

Primogênita de dois irmãos, Ruth Pinto de Souza nasceu no Engenho de Dentro, zona norte carioca, em 12 de maio de 1921. Mudou-se ainda pequena com a família para um sítio no município de Porto Marinho, interior do Estado de Minas, onde seus pais dependiam da roça para a sobrevivência da família.
Então, aos nove anos, com a morte do pai, retorna com a mãe e os irmãos para o Rio, onde passam a viver em uma vila de lavadeiras e jardineiros, em Copacabana.
Em uma participação num programa de TV, certa vez contou que no primeiro ano de escola foi às lágrimas ao ver em seu livro escolar um capítulo sugerindo que o formato da cabeça do preto fazia com que ele fosse intelectualmente inferior aos demais seres humanos.

“Riam de mim quando eu dizia que queria ser atriz.” 

Dicionario de Cinema

Ruth de Souza em “Sinhá Moça”

Início da carreira

Mas ela riu por último. Símbolo da resistência afro-brasileira, Ruth de Souza começou a atuar no cinema nacional ainda nos anos 40 após integrar o Teatro Experimental do Negro, grupo liderado por Abdias do Nascimento (1914-2011). Aliás, o coletivo foi o primeiro grupo de teatro preto a subir ao palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, em 1945, com a peça O Imperador Jones‘, do dramaturgo americano Eugene O’Neill (1888-1953).
Seu talento alcançou à TV e Ruth foi a primeira atriz preta a protagonizar uma novela na história da TV brasileira, em “A Cabana do Pai Tomás” (1969). Nesta mesma novela da Globo, teve de conviver mais uma vez com o racismo constante quando um ator branco, Sérgio Cardoso (1925-1972), fez blackface para interpretar o protagonista preto. Já naquela época, liderou manifestações na imprensa de que o papel deveria ter ficado com Milton Gonçalves. Ainda neste folhetim, Ruth sofreu revezes por parte de atrizes brancas no elenco que se recusavam a ter seus nomes nos créditos vindo depois do dela.
Ruth foi ainda mais pioneira nas artes com o feito internacional de ser a primeira atriz brasileira da história a receber indicação em um festival internacional de cinema – o Leão de Ouro do Festival de Cinema de Veneza, em 1954, pelo filme Sinhá Moça (1953). O prêmio acabou nas mãos da alemã Lili Palmer, assim como aconteceria 45 anos depois com Fernanda Montenegro, quando esta perdeu o Oscar de melhor atriz em 1999 para a norte-americana Gwyneth Paltrow.

Racismo estrutural

Aliás, era para Ruth de Souza ter sido tratada em vida com o mesmo peso de Fernanda Montenegro, ambas rainhas das artes cênicas brasileiras. Mas o racismo estrutural brasileiro agiu novamente para impedir a dimensão de seu talento inegável. Apesar de ser reverenciada, sobretudo pelos pretos, Ruth, em boa parte de sua carreira, nunca teve status de estrela de primeira grandeza.
Mas, rainha como foi, nunca esmoreceu. Afinal, seguiu trabalhando e com sua dignidade intacta, performou todos os papéis que lhe ofereciam com o profissionalismo que lhe era cabível e com o talento incomensurável que possuía.
Com mais de 60 anos de carreira na televisão, cinema e teatro, divididos entre mais de 30 filmes, 20 novelas e um sem número de peças de teatro, Ruth de Souza segue recebendo homenagens pelo dia de seu centenário. Diversos artistas usaram as redes sociais para relembrar a diva. Até o Google apresentou um “doodle” com um desenho da atriz.

google ruth de souza

Doodle do Google

Homenagens

Além disso, diversos encontros podem ser visualizados virtualmente. Capitaneados por Ellen de Paula e Gabriel Cândido, idealizadores do Dona Ruth: Festival de Teatro Negro, os eventos vêm sendo realizados desde o início deste mês de maio, e seguem semanalmente, como giras de conversa, intervenções artísticas urbanas, que visam projetar imagens, frases e passagens da biografia da artista ao redor da cidade, e o lançamento de projeto audiovisual em homenagem à artista. O site do Itaú Cultural põe na rede também, a partir de hoje, seu acervo sobre a trajetória da atriz.
E as homenagens são mais que necessárias. Ruth de Souza merece honras de chefe de estado por sua luta incansável e revolucionária. Se hoje temos no time de primeira grandeza da TV nomes como Zezé Motta, Camila Pitanga, Lázaro Ramos e Taís Araújo, é porque antes existiu Ruth de Souza.
Irreverente, maravilhosa, comprometida com a luta de seu tempo, Dona Ruth  foi uma verdadeira primeira dama do teatro, cinema e TV que representou com dignidade a maioria da população brasileira, que sempre foi ignorada no próprio país. Passou por todas as situações terríveis do racismo, mas seguiu digna, vencedora e amada. Foi pioneira na luta antirracista dentro da arte com seus contemporâneos, como Milton Gonçalves, Grande Otelo, entre outros, numa época pior ainda do que hoje para os pretos atores. Junto delxs, lutou bravamente por nossa liberdade de escolhas e atuações .
Salve Dona Ruth, saravá sua banda. Caminhamos sobre seus ensinamentos e sua voz e arte não morrerão. Deus abençoe a rainha! Palmas para ela! 👏🏽👏🏽👏🏽
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Agenda de homenagens para Ruth de Souza

Quarta-feira (12/05) e Quinta-feira (13/05)

Intervenção Visual: 100 anos de Ruth de Souza
Tendo como tema a vida e obra da Ruth de Souza, serão realizadas em muros da cidade projeções a laser da imagem da atriz, bem como trechos de sua biografia e frases marcantes ditas ao longo de sua carreira. Esta ação tem o intuito de criar uma itinerância de projeções pelas regiões norte, sul, leste e oeste de São Paulo.

Quarta-feira – 12/05

Local 01: Território Casa de Cultura Raul Seixas
Horário: 19h
Transmissão ao vivo pelo Instagram: @donaruth.ftnsp
Local 02: Território Casa de Cultura Vila Guilherme – Casarão
Horário: 22h
Transmissão ao vivo pelo Instagram: @donaruth.ftnsp

Quinta-feira – 13/05

Local 01: Território Casa de Cultura M’Boi Mirim
Horário: 19h
Transmissão ao vivo pelo Instagram: @donaruth.ftnsp
Local 02: Território Casa de Cultura do Butantã
Horário: 22h
Transmissão ao vivo pelo Instagram: @donaruth.ftnsp

Quarta-feira (19/05)

Gira de Conversa: Uma estrela negra no Teatro Brasileiro
Nesta Gira de Conversa, a atriz Aysha Nascimento e o professor e pesquisador Júlio Claudio da Silva, tecem caminhos de celebração da vida e da obra de Ruth de Souza a partir de fatos marcantes de sua carreira e do contexto histórico em que a sua geração estava inserida.
Com: Aysha Nascimento e Júlio Claúdio da Silva
Horário: 20h
Transmissão ao vivo pelo Instagram: @donaruth.ftnsp – Live

Quarta-feira (26/05)

Lançamento do registro audiovisual da intervenção visual + poema de Luz Ribeiro
Composição de imagens, sons e poesia produzidas em homenagem aos 100 anos de Ruth de Souza.
Local: Instagram, Facebook e YouTube

Cadu Costa

Cadu Costa era um camisa 10 campeão do Vasco da Gama nos anos 80 até ser picado por uma aranha radioativa e assumir o manto do Homem-Aranha. Pra manter sua identidade secreta, resolveu ser um astro do rock e rodar o mundo. Hoje prefere ser somente um jornalista bêbado amante de animais que ouve Paulinho da Viola e chora pelos amores vividos. Até porque está ficando velho e esse mundo nem merece mais ser salvo.
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