A população preta do mundo é composta por guerreiros do dia a dia. Gente que vive e convive com os medos, as inseguranças, as dificuldades e a certeza de que o mundo é duro, cruel e, sim, racista. No Brasil, especialmente.

Vivemos numa época de fake news, de apagamento histórico, que permitem que sejam socialmente aceitáveis falas absurdas de governantes eleitos sobre os pretos terem se entregue de bom grado à escravidão, ou sobre a inexistência de uma ditadura militar no país.

Por isso, o documentário Chico Rei Entre Nós (2020), da diretora Joyce Prado, exibido nesta versão online do Festival do Rio 2021, precisa ser visto, revisto e revisitado pelas novas e antigas gerações.

Quem foi Chico Rei?

Se a história do povo preto continua a ser apagada pelos brancos, ela se torna ainda mais ameaçada face às ressignificações delirantes da extrema-direita. Assim, o filme busca justamente resgatar a cultura preta do poço de esquecimento que teimam em jogá-la. E isso vem pela história do verdadeiro mito: Chico Rei.

Também conhecido como Galanga, Chico Rei foi um governante real trazido do Congo para o Brasil em 1740. Durante o trajeto, sua mulher, a rainha Djalô, e a filha, princesa Itulo, foram lançadas ao mar. Ele desembarca no Rio de Janeiro junto com seu filho Muzinga e, em seguida, é rebatizado como  Francisco. Após sua chegada, é levado até Ouro Preto, Minas Gerais no meio do Ciclo do Ouro e se torna escravo.

Durante muito tempo, Chico trabalhou duro e pôde comprar a própria liberdade e a de seu filho ao esconder ouro em pó nos cabelos. Com o fim da jornada de trabalho lavava os fios para recuperar o metal e assim comprou a alforria de outros escravos. Então, com o passar do tempo, de olho nas dívidas do patrão, foi capaz de adquirir a Mina da Encardideira, agora mina de Francisco, o rei.

Com a prosperidade alcançada pelo garimpo, libertou mais escravos com quem teria chegado ao Brasil, muitos deles seus súditos no Congo. Os alforriados o chamavam “rei”.

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Sentimento de pertencimento a um coletivo

Ao contar essa lenda, o filme busca entender quem são os “Chicos Reis” dos dias de hoje, mostrando ao espectador o quão libertador pode ser o sentimento de pertencimento a um coletivo e como a história do povo preto repercutiu além do sofrimento e da exploração do corpo.

E mais: lembra como os escravos trouxeram consigo uma rica cultura, além de conhecimentos especializados e um ideal de luta e coletividade que formaram a identidade brasileira. Esses fatos são contados pelo ponto de vista dos próprios pretos entrevistados numa rara identidade cinematográfica e até mesmo acadêmica.

Sendo assim, não é surpresa que o filme Chico Rei Entre Nós tenha ganho o prêmio do público de Melhor Documentário Brasileiro e Menção Honrosa do Júri da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

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Equipe majoritariamente preta e feminina

Em 95 minutos, a diretora Joyce Prado é perfeita ao dissecar esse país de tentativas diárias de apagamento histórico da cultura preta. Sua montagem pela perspectiva dos colonizados e não pelos colonizadores causa um impacto fundamental no público. É como se quisesse que o Brasil se reconhecesse e perdoasse. Veja a parte onde o filme explica o porquê do nome do bairro da Liberdade, em São Paulo. Acredite, sua impressão nunca mais será a mesma.

Outro fator que não pode ser esquecido é que a equipe de filmagem de Chico Rei Entre Nós foi inteiramente feminina e majoritariamente preta, fazendo com que sejam protagonistas do filme em frente às câmeras, e donos da construção de sua própria narrativa.

Agora é só torcer para uma distribuição decente e uma divulgação além do que se vê. Chico Rei Entre Nós é mais do que um documentário, é uma aula de como podemos aprender mais com nossa história e ancestralidade.

Por fim, deixamos um pensamento central sobre o filme Chico Rei Entre Nós:

“Negros não são descendentes de escravos. São descendentes de reinados poderosos. De reis e rainhas. Homens e mulheres que desenvolveram escrita, astrologia, ciências e pirâmides. De um povo que desenvolveu técnicas agrícolas e domina a medicina alternativa.” –  Ricardo de Andrade.

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Trailer do documentário Chico Rei Entre Nós

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Filme Chico Rei Entre Nós: Ficha Técnica

Direção: Joyce Prado
Roteiro: Joyce Prado, Natália Vestri
Data de estreia: qui, 22/10/20 (Mostra Internacional de Cinema de São Paulo 2020)
Onde assistir ao filme ‘Chico Rei Entre Nós’: Festival do Rio 2021
País: Brasil
Gênero: documentário
Duração: 95 minutos
Ano de produção: 2021
Classificação: livre