*Por Julliana Della Costa

“Mariana (Carolina Fermam) está num hospital psiquiátrico após ter matado seu Irmão (Gabriel Vaz) em um crime passional. Ela se envolve profundamente com a Enfermeira (Kelzy Ecard), diante de quem delira, trazendo fragmentos do passado vivido e imaginado”. Quem não faz a leitura do release antes de ir ao encontro desse universo tão intimo, porém nem por isso incomum, corre o risco de perder-se. Um ponto negativo? Não. Ao contrário. O drama Desalinho, de Márcia Zanelatto, com direção de Isaac Bernat, é muito maior que a compreensão de qualquer relação ou correlação. Perder-se pode ser um presente.

Inspirada nos poetas portugueses, Florbela Espanca e Fernando Pessoa, Desalinho é um grito para ouvidos distraídos, um mergulho na psique que não impõe, conforta. Um grito de veludo que acalenta os corações dos angustiados e traz o colo da compreensão afetiva fora de um modelo maniqueísta. Tendo um quarto psiquiátrico como cenário, Isaac Bernat valoriza os atores e o texto, conduzindo os jogos cênicos com extrema inteligência, onde as questões da psique, os versos dos poetas e as relações humanas, surgem dos elementos mais simples. Destaque para a cena em que Mariana, personagem de Carolina Ferman, caminha sobre os livros, e para a divertidíssima analogia entre lealdade e lençóis.

A pequena e intima plateia, estava sorrindo e se caso houvesse algum desconforto causado pela incompreensão, essa era a hora da identificação e leveza. O elenco composto por Carolina Ferman, Gabriel Vaz e Kelzy Ecard é tocante desde os primeiros momentos em cena, fazendo com que se torne difícil e injusto ressaltar as características individuais, posto que, o produto final é o resultado de uma soma igualmente talentosa, sensível e inteligente que os faz crescer ainda mais quanto atores e companheiros de trabalho. Berço de ouro da classe artística. Nesse caso, com os laços parentais de Márcia, Isaac e toda a equipe.

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A trilha sonora é composta por fados e modinhas, com direção de Alfredo Del-Penho e João Callado. Executada diversas vezes pelos atores, reforça uma introspecção dos personagens te deixando completamente envolvido com a situação. A impressão que temos é a de que quando o sentimento é maior, se canta, ou declama. Mesmo em forma de vocalize, é impressionante a compreensão que temos em cada nota. Destaque para as também oportunas visões de toda a equipe que não destoa em nenhum momento das excelências anteriormente destacadas. Doris Rollemberg (cenografia), Desiree Bastos ( figurinos) Aurélio de Simoni ( iluminação) e Marcelle Sampaio ( direção de movimento) também fazem o papel da “ cereja do bolo” nesse projeto.

Não é preciso matar por amor, para entendermos as questões que percorrem a dor da paixão. Os delírios aos quais nos prendemos, as verdades as quais recriamos e transformamos em versos. Por isso que Desalinho ao mesmo tempo que distante do público não assíduo a poesia e vida de Florbela Espanca e Fernando Pessoa, se faz familiar e imperdível. Se houve ou não uma morte, a questão pertinente é que cometemos um crime quando nos encaixamos num modelo que julga apenas o “bem” e o “mal” , um suicídio verbal cada vez que optamos pelo silencio, quanto há tanto o que se dizer. Quando somos tanto, que as simples regras gramaticais não conseguem explicar, fazendo com que a arte seja necessária. Ponto negativo: Estar em cartaz apenas às quartas e quintas feiras.