Não sei o quanto você gosta de RPG, até porque o gênero normalmente é feito para um certo nicho, em específico quando é o caso de um J-RPG, mas, por ser fanático pelo formato, afirmo que eu serei um bocado parcial em minha análise, mas tentarei de todas as formas, com todas as minhas forças, falar o que realmente o jogo tem ao invés de vangloriar todos os aspectos, se isso for o caso, claro!

Ao meu ver, Ni No Kuni é uma espécie de Fable, só que todo caracterizado em moldes japoneses. Enquanto muitos cultuaram a jornada, gráficos e outros atributos do título do console da Microsoft, mesmo sabendo que Fable é totalmente um Adventure RPG longe se ter aspectos de J-RPG, ainda há certas semelhanças. A narrativa tocante, um mundo mágico totalmente distópico e, ao mesmo tempo, encantador é o que faz de Ni No Kuni uma obra de arte da Bandai Namco.

O primeiro jogo da franquia (Ni No Kuni: A Ira da Bruxa Branca) contou-nos uma fábula intensa e marcante. Mas o que qualquer um diria ao saber que o desenvolvimento do game estaria nas mãos também do Studio Ghibli, o estúdio de animação japonês responsável por obras marcantes como “A Viagem de Chihiro”? Ni No Kuni tem bons antecedentes em seu desenvolvimento e, certamente, o segundo título não iria nos deixar nas mãos.

Agora somos tragados para uma outra ‘história’ da qual tudo é mágico demais a ponto de queremos nos envolver ainda mais na trama que começa de forma tumultuada. O aparente presidente dos Estados Unidos, que responde pelo nome de Roland, sofre um atentado terrorista no qual extermina sua cidade com um torpedo. A energia nuclear deste gera uma energia brilhante no entorno de nosso presidente e o transporta para um universo paralelo e aparentemente no passado. Essa explosão também é sentida neste outro mundo do qual estamos chegando e então somos apresentados a um reizinho chamado Evan Pettiwhisker Tildrum. Esse estrondo citado são pessoas tentando destrona-lo de seu reinado. Roland, então, tenta impedir e começa uma batalha funesta para defender vossa majestade da perversidade de Mausinger, um outro ser que quer porque quer exterminar o garoto e ter o trono que, segundo ele, o pertence por direito. Enfim, não é uma trama tão nova assim, conhecemos esse tipo de coisa, que já acontece na série “Vikings”, mas o que mais chama atenção em Ni No Kuni II: Revenant Kingdom é a forma como tudo vai desenrolando.

Os personagens são muito carismáticos e seu formato, parecido com desenhos anime, é bastante bem feito. Tanto que não parece que estamos dentro de um jogo, mas dentro de um mangá/anime. Se compararmos com jogos do gênero, veremos que raros são os personagens que esboçam reações, com movimentos totalmente quadráticos. Percebemos uma espécie de “robotização” dos movimentos, entre outros mínimos detalhes que, certamente, brocham o jogador. Em Ni No Kuni II isso tudo é esquecido. Os movimentos dos golpes estão redondinhos, os personagens possuem reações que você não vai acreditar. São tão fieis que humanizam o personagem além de ter um visual apuradíssimo. Graficamente, o jogo não é de última geração, mas mesmo parecendo que ainda estamos numa era do Playstation 3, que certamente o console anterior da Sony não teria o menor problema em rodá-lo, tenha certeza que a experiência em todos os aspectos valerá cada minuto de seu tempo tanto quanto cada centavo de seu bolso. Definitivamente, dentro do J-RPG’s, este possui uma narrativa minimalista, sendo, sem sombra de dúvidas, um verdadeiro presente para quem estava atrás de um bom título do gênero. As cenas onde você interage com outros personagens são quase que um anime interativo e assim é também durante o game. Toda a arte, desde seu primeiro acontecimento, baseia-se neste formato de animação e, até onde sei, não há um anime do jogo, ou seja, não provém de algo que já existiu nas telinhas, o que faz com que locais, personagens e objetos, até mesmo os efeitos visuais, sejam todos originais. É uma aventura visual fantástica com diversos elementos curiosos e verdadeiramente criativos tanto para quem ama o formato quanto para quem não aprecia tanto. Basta olhar as print screens acima e abaixo e terá uma dimensão de como é a aventura. Nem mesmo o visual de “One Piece” conseguiu ser tão apurado.

As táticas de combate são similares a quase todos os títulos que se enquadram no estilo de Ni No Kuni. Temos atributos a serem melhorados, magias a aprender e também podemos, por incrível que pareça, disparar tiros com uma pistola. Esses tiros provém da arma de Roland, que, de início, é nosso personal ao qual podemos controlar. Não é tão diferente do que vimos em “Atelier Lydie & Suelle: The Alchemists and the Mysterious Paintings”, onde uma das protagonistas também dispara projéteis com uma arma. Diferente do que possam tentar imaginar, essas armas não atiram festim, muito menos magia. É realmente bala, mas não há como saber o calibre e isso pouco importa. Em ambos os títulos, essas armas são recarregadas através do uso de alquimia. Além de desferir disparos, ao digladiarmos-nos com alguns soldados à nossa frente, teremos acesso a uma espada simples na qual também podemos sair por aí cortando os inimigos que estiverem em nosso encalço. No quesito jogabilidade, há também o modo furtivo, ao qual devemos escapar de algumas situações sem lutar. No início de nossa jornada, com aproximadamente 15 minutos de jogatina, havia uma parte na qual soldados mais fortes estavam fazendo guarda de um determinado setor. Tínhamos que passar por trás dos arbustos tomando cuidado para não sermos vistos. A inteligência artificial neste caso funciona muito bem. Se passássemos próximos desses arbustos, era criado um certo atrito entre os galhos e fazia barulho, então o guarda se virava para ver se alguém ali estava. Numa dessas situações, pouco mais à frente, não percebi que haviam guardas fazendo ronda, ou seja, tinham alguns de costas para nosso protagonista, mas também aqueles que estavam caminhando. Daí fomos pegos, pois eles nos avistaram passando por trás dos arbustos.

É aí onde Ni No Kuni também se torna um espetáculo digno de Oscar. A ambientação é tão rica em detalhes que passamos horas jogando o título e sequer percebíamos o quanto estávamos envolvidos com o jogo. Os desenvolvedores se esforçaram para criar ambientes convincentes e personagens com os quais os jogadores se importam. Apesar de ser uma tarefa difícil, Evan é apenas uma criança comum cujo maior mérito é se comportar direito e ter todo um comportamento de realeza. Somos apresentados somente a ele e não conhecemos ninguém de sua família. E é justamente isso o que o torna um protagonista tão interessante.

Ambos os títulos da série não possuem uma ordem cronológica e os personagens não são diretamente os mesmos, além de todos eles acabarem servindo como um bom ponto de partida para você. No caso desse Ni No Kuni II, jogadores podem estar diante do game ideal, simplesmente por ter um ar puro, inocente e que poderá agradar inclusive seu filho (a), sobrinho(a), primo (a) menor de idade, seja criança ou pré-adolescente. É bem provável que qualquer um que tenha contato com as aventuras de Evan e seus súditos, se divertirá bastante, principalmente se já tiver afinidade com jogos de RPG, enfrentando os lacaios do ‘malvadão’ Mausinger que tentará usurpar a coroa a qualquer custo.

A campanha de Ni no Kuni II está ainda maior que a de seu antecessor. São cerca de 60 horas para terminar o jogo em seu modo mais simples, sem cortar as cutscenes. Se reparar em nosso gameplay, para apenas o primeiro capítulo de uma longa jornada, foi necessário uma hora. O título não possui 60 estágios, mas algumas das melhores coisas que ele tem a lhe proporcionar são as belas imagens que nossas vistas ganham em formato anime com uma qualidade estupenda e que adicionará mais tempo à sua campanha. Justamente essas missões em que o game lida diretamente com história e seus acontecimentos principais são bastante lineares, há missões secundárias (side quests) a serem realizadas. O interessante é que parte delas reforça a trama do game, tanto quanto ajuda seu personagem a interagir melhor com aquele universo no qual estamos. Isso quando o assunto é controlar Roland.

Durante a aventura, conhecemos outros personagens que não diretamente são amigos entre si, mas que estão ali, naquele momento, para ajudá-lo em nossa causa, que é devolver o trono a Evan. Nos combates, foi possível controlar apenas um jogador, mas pode ser alternado durante a campanha. Há alguns inimigos em que o uso de outro personagem que está conosco é a melhor opção. Há o tal Roland que é mais ágil, enquanto Evan é menor e consegue chamar menos atenção com seu tamanho em momentos que precisamos de total sigilo. Claro que força bruta não faltará, visto que conheceremos personagens assim em nossa trajetória. Foi quase o caso de Aranella, personagem que conhecemos no início da experiência. Ela era bastante ágil, me recordando da Cheetara de “Thundercats”, mas nada tão absurdamente rápida, apenas para lembrar que ela era mais ágil que Evan e Roland e até mais forte, pois aparentemente era perita em lutas.

Mesmo missões menos interessantes, como melhorar itens ou ir em busca de algo para completar uma missão (em sua maioria são missões secundárias), acabam por serem variadas em seu gênero, número e grau e é aí onde o jogo também tem seu lado positivo. Estamos em uma geração onde ficar andando para lá e para cá em um mapa, como acontece em “The Witcher 3”, virou algo fora de moda. Claro que no jogo da CD PROJEKT podemos utilizar o modo de viagem rápida, e isso também é possível em “Horizon Zero Dawn”, tanto quanto em “Monster Hunter: World”. O problema é que a maioria dos J-RPG’s não oferece esse sistema de fast-travel para ir imediatamente aos locais necessários, mas em Ni No Kuni: Revenant Kingdom isso será possível, se diferenciando da maioria dos jogos de J-RPG que limitam-se a um mapa pequeno demais e sem brilho.

Ni no Kuni II vai parecer um bocado infantil de início, visto que temos um visual mais voltado para o público geek do que necessariamente ter algo voltado para um visual mais tridimensional. Há quem irá reclamar por não ter um visual e gráfico no estilo “Horizon Zero Dawn” e “Quantum Break” (mais realista), mas, por favor, dê uma chance a este jogo. Mesmo sabendo que o maior defeito do título é a ausência de vozes em alguns diálogos, algo que é comum a muitos games japoneses, mas que é cada vez mais difícil de aceitar comparando com outros ocidentais que sempre têm dublagem na língua inglesa, há muito o que se maravilhar com Ni No Kuni II, inclusive no início, quando tudo, aparentemente, é voltado para um diálogo interativo. É verdade, no entanto, que a falta dessas vozes em boa parte da jornada faz com que sintamos no peito essa ausência de algo que ajudaria a acrescentar ainda mais capacidade de imersão e emotividade à trama.

A trilha sonora é outro ponto forte do jogo, além de seu aspecto de animação com incríveis desenhos dos personagens. Joe Hisaishi elaborou uma obra tão “prima” que, parodicamente, deveria de ser “obra-mãe”. Há certas nuances nas faixas que o título possui nas quais apenas um músico poderia entender melhor o que estou dizendo.

O VEREDITO

Ni no Kuni II: Revenant Kingdom é a obra de arte necessária para todo fã de RPG japonês. Quase sem defeitos aparentes, a narrativa do jogo certamente o conquistará. O visual, a pureza dos personagens, a construção do reinado aos poucos, o objetivo dos personagens, entre outras coisas, farão com que você comece a enxergar que nem tudo está perdido no gênero. O retorno da franquia em Revenant Kingdom talvez seja uma forma de ensinar aos criadores de games similares que um pouco de compromisso com a causa poderá render ótimos frutos e Ni No Kuni II prova definitivamente isso!

Ni No Kuni II: Revenant Kingdom foi analisado pelo Blah Cultural no Playstation 4 com código cedido gentilmente pela Bandai Namco do Brasil.