Ao Seu Lado
Crítica do filme
Há duas coisas importantes para saber antes de assistir ao filme Nomadland (ainda sem título traduzido no Brasil): 1: os EUA viveram uma recessão econômica desestabilizadora em 2008 que durou dois anos e causou um número altíssimo de desemprego, sendo considerada a segunda pior crise financeira de todos os tempos; e 2: Chloé Zhao é uma das melhores diretoras da atualidade e só ela poderia narrar as consequências dessa crise.
Temos aqui, em Nomadland, a personagem Fern (Frances McDormand), uma mulher nos seus 60 anos, viúva e desempregada, que se transforma em uma “sem casa”. Pega seus pertences mais valiosos e sua van e sai pelo Oeste Americano, sem rumo, vivendo de bicos, uma subsistência temporária, morando em um espacinho pequeno do carro e dormindo cada dia em um local diferente.
Mas temos também uma solidariedade não planejada. Afinal, ela quer se isolar, quer deixar seu mundo antigo pra trás, mas acaba esbarrando em outros nômades como ela, almas solitárias que vão vagando e se ajudando como podem. Sem nunca dizer adeus; apenas um “te vejo no caminho”.
E é nessa estrada que a história do filme Nomadland se desenvolve. Nem tem mais nada a falar sobre ela, pois a força do longa de Zhao está tanto nas histórias particulares desses nômades, quanto nas paisagens lindíssimas que o olhar da cineasta consegue captar.
Mas o que torna essa obra tão especial é a sua universalidade. Estamos num momento muito crítico no mundo, com diversos países vivendo uma crise financeira ferrada que obriga as pessoas a tomarem decisões indesejadas para suas vidas. São despejadas de seus lares e precisam encontrar casas provisórias para se instalar.
Por isso, encontramos uma pegada única no filme Nomadland. É o medo que nos força a fugir; são as dores que tentamos ocultar sem êxito, pois elas nos perseguem; é a compaixão com os semelhantes que nos une. Essa produção é brilhante por si só, por existir.
Aliás, essa joia cinematográfica brilha mais forte com a presença de Frances McDormand como protagonista. Isso porque, a atriz, que já ganhou de Melhor Atriz o Oscar por Fargo (1996) e Três Anúncios para um Crime (2017), consegue ainda elevar o patamar de interpretação pela exaustão da estrada que seu corpo e seus olhos carregam.
Se ela está calada, contemplando um campo aberto ao pôr-do-sol, Frances está cansada. Se seu pneu fura e ela se vê precisando de ajuda, vemos a angústia em necessitar de alguém. E se pede um valor mais alto na venda da sua van, temos verdade na sua fala em acreditar que seu carro é seu bem mais precioso naquele momento, a última coisa que lhe restou pela qual vale a pena lutar.
E todas essas expressões corpóreas estão no elenco de apoio encontrado na estrada, pelo nada mero fato de que a grande maioria de personagens nômades do filme são realmente nômades. Tirando um ou outro ator, facilmente reconhecidos em tela, todos os outros são viajantes, desistentes de uma casa, fugitivos da esperança, que vão construindo lares pelo caminho.
É essa, de fato, a grande virada de chave na direção brilhante de Zhao. É na poesia natural das pessoas que a ficção e o real se misturam, se atravessam e nos confundem. A cineasta não só apontou um estilo de vida, ela lembrou e deu uma vivacidade nos esquecidos pelo sistema econômico, reforçando uma das missões mais importantes do cinema: contar histórias.
Histórias que foram assistidas em Veneza e ganharam o Leão de Ouro. Que vêm expandindo territórios e conquistando vitórias em cada premiação a que concorre. Histórias que serão levadas ao Oscar, vencerão o troféu dourado em abril e que serão eternizadas na estrada longa do mundo.
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Título original do filme: Nomadland
Direção: Chloé Zhao
Elenco: Frances McDormand, David Strathairn, Linda May, Charlene Swankie, Bob Wells
Distribuição: Fox
Onde assistir: cinemas
Data de estreia: qui, 04/02/21
País: EUA
Gênero: drama
Ano de produção: 2020
Duração: 108 minutos
Classificação: 16 anos