*** Colaboração de Cadu Barros ***

Caro leitor,
inicialmente pensei em dar a este texto o título “Cinco razões para assistir ao Oscar”. Mas conforme fui escrevendo, percebi que eu não conseguiria chegar a um número tão elevado de motivos relevantes. Por isso, peço desde já desculpas pela mudança repentina.

A cerimônia de entrega dos prêmios da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood aos supostos melhores filmes, artistas e demais profissionais do cinema chega ao seu 85º aniversário, mas não há muito o que comemorar. Apesar de se tratar de um evento excepcionalmente bem produzido, luxuoso e repleto de astros e estrelas, os números de audiência já não são mais os mesmos de outrora, e comprovam que o público já não se interessa tanto em saber para quem o Oscar vai. Além disso, a maioria dos cineastas e alguns cinéfilos consideram mais importantes outras premiações como a Palma de Ouro em Cannes, na França, e o Urso de Ouro em Berlim, na Alemanha.

E de fato, nos últimos anos o Oscar tem se tornado cada vez menos relevante. Muitos filmes e artistas são indicados devido ao lobby de grandes estúdios ou empresários, que visam promover determinada celebridade de Hollywood (afinal, muitas estrelas têm a carreira – e principalmente o valor do cachê – dividida entre “antes e depois do Oscar”), ou criar um sucesso de bilheteria. Assim, é comum vermos na lista de indicados alguns astros de talento limitado roubando o lugar de atores realmente bons. Há, inclusive, casos em que a fama de “galã” faz com que alguns destes fiquem estereotipados e acabem sendo constantemente esnobados pela Academia. Sim, estou falando de um dos maiores atores de sua geração, e um dos grandes injustiçados dos últimos anos: Leonardo Di Caprio.

Outro motivo para termos, a cada ano, menos filmes ousados ou criativos entre os selecionados é o perfil da maioria dos votantes. Segundo uma pesquisa realizada pelo Los Angeles Times no ano passado, a Academia é composta majoritariamente por homens (77%) com mais de 60 anos (54%). Com base nesses dados, fica fácil perceber porque filmes de ficção científica, fantasia e terror sempre foram esnobados. Para se ter uma ideia, Alfred Hitchcock, reconhecidamente um dos maiores gênios do cinema, nunca ganhou um Oscar. Um exemplo mais recente nesse sentido é a derrota absurda de” A Origem”, um filme de narrativa complexa e inteligente, que em 2011 perdeu em melhor filme e roteiro original para o ordinário “O Discurso Do Rei”.

Em outros casos pesa também outro fator: o já bem conhecido gosto do eleitorado do Oscar por filmes que tenham como pano de fundo fatos históricos; biografias de líderes políticos; ou acontecimentos reais que exaltam valores e atos de heroísmo de cidadãos americanos, mesmo que – e especialmente se – estes estejam em território hostil (e se puder denegrir um pouco mais a imagem de um país inimigo dos EUA, como Irã ou Afeganistão, melhor ainda). E para perceber isso, não é preciso puxar muito na memória, não. Basta ler a sinopse dos três grandes favoritos deste ano (“Argo”, “Lincoln” e “A Hora Mais Escura”) para constatar que eles se enquadram perfeitamente nesse perfil. Na verdade trata-se praticamente uma receita, que “Lincoln”, o candidato com maior número de indicações (12) segue com maestria. Spielberg utiliza de todos os artifícios possíveis (a fotografia e a trilha sonora são particularmente exageradíssimas) para transformar um presidente carismático em uma divindade. É um filme feito por americanos para americanos, tanto que ele foi sucesso de crítica e público por lá.

E se tudo isso já não bastasse, o Oscar ainda é prejudicado pelos sindicatos de cada área (diretores, roteiristas, atores, produtores entre outros) que realizam todos os anos premiações que antecedem a cerimônia da Academia. E como os votantes desses eventos são praticamente os mesmos, ficamos sabendo quais serão praticamente todos os ganhadores da estatueta dourada antes mesmo deles pisarem no tapete vermelho. E essa é uma tendência que vem ganhando cada vez mais força. Nas últimas cinco temporadas, por exemplo, o vencedor da categoria principal no Oscar foi aquele que conseguiu o maior número de vitórias nos sindicatos. Neste ano, como Argo conquistou os principais prêmios dos sindicatos (Screen Actors Guild, Directors Guild of America, Producers Guild of America, e Writers Guild of America), tudo indica que o filme de Ben Affleck será o grande vencedor da noite.

Por isso, realizar a cerimônia do Oscar tem sido um desafio cada vez mais árduo para os produtores do evento, que ano após ano inventam artimanhas mirabolantes para tentar seduzir um público cada vez menos disposto a ficar cerca de 3 horas na frente da TV para assistir a uma premiação injusta, monótona e previsível. Algumas acabam surpreendendo e dando certo, como a apresentação do Cirque du Soleil durante a cerimônia no ano passado, que quebrou um pouco a formalidade do evento e arrancou lágrimas de uma plateia entusiasmada que aplaudiu de pé o show da trupe. Mas outras tentativas de tornar o Oscar mais ágil e atrativo ao público jovem soam como atos desesperados, como a decisão estúpida de escalar Anne Hathaway e James Franco como os apresentadores oficiais da cerimônia em 2011. A primeira até que conseguiu sair ilesa da tragédia, mas James demonstrou uma inabilidade tão grande como mestre de cerimônias que tornou-se motivo de piada na manhã seguinte (muitos chegaram a dizer até que o ator estaria “chapado” durante a apresentação).

Neste ano, os realizadores do evento resolveram criar não uma, mas várias atrações “secundárias” de impacto para tentar fazer com que a cerimônia não seja o mesmo que o filme “O Hobbit”: uma sessão de tortura com 3 horas de duração. A começar pelo apresentador, o comediante Seth MacFarlane, criador e dublador do personagem mais divertido de 2012: o ursinho Ted. Caberá a ele provocar as celebridades presentes (ou não) no Dolby Theater com piadas infames do nível às apresentadas na melhor comédia do ano passado, e quem sabe assim tornar o evento pelo menos um pouco menos chato (se ele conseguir fazer o espectador parar de bocejar, nem que seja por alguns minutos, com certeza já ganhará um bônus no cachê).

Outro atrativo de peso na noite de domingo será a homenagem aos 50 anos de James Bond (não, eles não vão retirar na última hora a injusta indicação de Alan Arkin a ator coadjuvante por “Argo” e colocar em seu lugar o excelente Javier Bardem, que roubou a cena como o vilão Raoul Silva em “Skyfall”, mais recente filme do espião inglês). Estarão reunidos no palco quase todos os intérpretes do agente secreto mais famoso de todos os tempos (Sean Connery recusou o convite dos produtores, mas estamos rezando para que ele mude de ideia) para celebrar a mais longeva franquia do cinema.

A cereja do bolo será a performance de Adele, que fará sua primeira aparição oficial desde que deu à luz seu primeiro filho, cantando a potente música tema do filme, uma das indicadas – e favorita – ao prêmio de Canção Original.

Haverá ainda outra homenagem, desta vez aos musicais da última década. O problema é que são todos filmes medianos (sim, eu sei que estou sendo bastante bonzinho), daqueles tantos que ganham estatuetas do Oscar e depois desaparecem da nossa memória. São eles: “Dreamgirls” (aquele com a Beyoncé, mas não se culpe caso não consiga se lembrar dele), Chicago (uma das várias bombas que já ganharam o prêmio de melhor filme) e Os Miseráveis (o mais novo queridinho da Academia, dirigido por um sujeito fanático por planos tortos e acnes).

E se ainda assim você acabar dormindo durante a cerimônia, não fique triste. Veja o lado bom: pelo menos você não teve que ficar horas acordado na madrugada para saber que Argo ganhou os prêmios de melhor filme e roteiro, Spielberg o de direção, e Daniel Day-Lewis o de melhor ator. Relaxe e aproveite o melhor que o Oscar pode lhe oferecer: um sono tranquilo.