Simone Pereira de Sá é professora titular da Universidade Federal Fluminense, onde atua como docente no Programa de Pós Graduação em Comunicação e no Curso de Estudos de Mídia. É coordenadora do Laboratório de Pesquisa em Culturas e Tecnologias da Comunicação (LabCult), da UFF. Fundado em 2006, o grupo se tornou um dos principais polos de produção acadêmica brasileira sobre as interfaces entre música, cultura pop e comunicação.

Confira a entrevista de Simone para o ULTRAVERSO ACADÊMICO:

ULTRAVERSO: Simone, conte um pouquinho quem você é. Formação, onde trabalha,  o que pesquisa…

Simone Pereira de Sá: Eu sou a Simone Pereira de Sá. A minha formação é em Ciências Sociais. Eu fiz minha graduação na UFRJ. Queria trabalhar com culturas urbanas e, por conta disso, acabei indo fazer meu mestrado e depois doutorado em comunicação, também na UFRJ, na ECO. Eu tenho toda essa formação híbrida, voltada para Ciências Sociais, que eu carrego até hoje. Minha forma de olhar para o mundo, estudos culturais, sociologia, a partir do Bruno Latour, por exemplo. E a minha pesquisa voltada, desde o mestrado e depois doutorado, para as relações entre música, mídia e cultura brasileira. 

Minha dissertação de mestrado foi sobre Copacabana. A produção cultural e musical sobre Copacabana, transformando Copacabana na princesinha do mar, nos anos pós-guerra, um lugar moderno, pop.

Depois meu doutorado foi sobre a cantora Carmen Miranda, que é uma cantora também do século passado, que ganhou grande visibilidade internacional cantando samba e foi para Hollywood, fez um imenso sucesso. E, também, lá na minha tese sobre a Carmen Miranda, eu já estava interessada em questões que articulam o pop, né? A cultura pop com a música.

A performance de Carmen Miranda foi muito censurada porque ela foi cobrada pelos defensores das raízes brasileiras de que ela estava adulterando a música, o samba naquele momento. E, na verdade, o que estamos chamando de adulterando, no meu argumento, acho que ela estava transformando numa roupagem pop, para o samba, para a performance brasileira nos filmes de Hollywood, que ela fez muito sucesso, como nas comédias românticas. 

Atualmente

Neste momento eu sou professora titular do Departamento de Estudos Culturais e Mídia na Universidade Federal Fluminense e também do programa de pós-graduação e comunicação, onde eu coordeno o LABCULT. Desenvolvemos um conjunto de pesquisas que continuam a pensar neste lugar da cultura pop, da música, da música pop periférica brasileira, que eu sempre tive um olhar.

Sempre me interessou a forma como a identidade brasileira aparece nessa música, como que as questões da cultura pop são encenadas, performatizadas e  apropriadas no terreno brasileiro, vamos dizer assim. Mas longe de um argumento de que a cultura pop se apropria e manipula as expressões populares brasileiras, estou bastante distante deste argumento, estou pensando o contrário. Como que a cultura brasileira é extremamente criativa ao “antropofagizar”, usando uma expressão da Semana de XXII,  antropofagia, como que a gente “antropofagiza” as referencias pop do mundo anglo-saxônico, por exemplo, e como que damos soluções criativas para essa cultura pop no Brasil.  

O que é cultura pop e por quê é importante estudá-la? 

Simone Pereira de Sá: Então, “o que é cultura pop”. Na verdade, a definição de cultura pop está em discussão, está em disputa. A gente não tem uma definição muito fechada do que é cultura pop. O que a gente observa é que esse termo é usado em diferentes acepções em primeiro lugar.

Então eu acho que cultura pop, no nosso trabalho, é pensada como um termo guarda-chuva, que traduz muito mais uma sensibilidade, um sentimento cosmopolita, um flerte com referências do mundo ocidental globalizado. Aliás, vou retirar o mundo ocidental, a gente vai ter também o oriente se envolvendo nesta conversa, vide o K-Pop!

É uma relação entre local e o global, um diálogo cosmopolita. Então a cultura pop, de maneira geral, aponta para essa articulação. 

Hoje eu vejo a cultura pop como a cultura que nos formou, uma cultura midiática muito próxima das indústrias culturais. Então ela tem uma relação com o mercado, mas é muito mais do que isso. Ela constrói imaginários. Esta, para mim, é a primeira definição.

Contribuição do LABCULT e da COMPÓS

Agora, como eu falei, eu participo desde o final do século passado (década de 90) da consolidação de uma área de pesquisa dentro dos estudos de comunicação, que são os estudos voltados para a cultura pop. Eu acho que o LABCULT contribuiu e contribui para a gente consolidar e legitimar essa área como uma área de estudos. E, quando eu olho para a trajetória do próprio termo cultura pop, a gente vê que ele vai saindo do armário, vamos dizer assim, ao longo das últimas duas décadas. 

Quer dizer, no início dos anos 2000, nos congressos, ainda que muita gente já estivesse interessada em cultura pop, me parece que esse termo era menos usado. Eu propus na COMPÓS (Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em Comunicação, um dos mais importantes congressos da área) um livro (todo ano a COMPÓS escolhe um tema para o livro) em 2013 com o tema Cultura Pop e foi aprovado.

Mas foi um marco, eu acho, dentro da COMPÓS termos um livro com o tema de cultura pop. Então a gente vê uma crescente consolidação destes estudos. Acho que estamos vivendo agora um “boom” dos estudos sobre cultura pop. De estudos, congressos, eventos e de apropriação deste termo, o que é muito saudável, muito legal, por várias perspectivas de pesquisadores diferentes. 

O estudo

E “por que é importante estudá-la?” Porque eu acho que a cultura pop se tornou o lugar central, neste momento, dos embates mais importantes, dos embates políticos, dos embates sobre identidades de gênero, sobre minorias. Tudo isso tem aparecido através da cultura pop.

E aí eu estou pensando não só na música, nos videoclipes que encenam, que falam, que produzem narrativas sobre a multiplicidade de corpos, de experiências de gênero, experiências de minorias. O clipe, por exemplo, se tornou muito importante, o que eu tenho chamado de “videoclipe pós MTV”, para ensinar, para performatizar essas conversas. Mas indo além da música, temos os memes, os quadrinhos. São expressões que tem pautadas as temáticas mais importantes da atualidade, eu acho. Então é fundamental a gente dar atenção para cultura pop por conta disso.  

Quem estuda cultura pop, estuda exatamente o quê? 

Simone Pereira de Sá: Como eu falei, a cultura pop é este conjunto de expressões que, a grosso modo, a gente poderia dizer que são expressões da cultura midiática contemporânea. Então a cultura pop se expressa a partir de um conjunto de “produtos”, memes, músicas, quadrinhos, fanfics, você vai ter milhares de coisas. 

Mas eu acho que tem as mais diversas dimensões da cultura pop para serem exploradas. Como, por exemplo, as relações dos fãs com os artistas da cultura pop, a questão dos corpos e das performances das divas pop, as convenções da música pop. Então é um leque extremamente amplo, rico e que fica absolutamente impossível de ser listado, o que não acho nem saudável! A cultura pop, na verdade, é uma perspectiva, é um olhar que a gente pode ter sobre diferentes problemas de pesquisa. 

Como começar a estudar cultura pop? É preciso fazer uma pós-graduação antes de tentar entrar no mestrado? Como você começou a estudar cultura pop? 

Simone Pereira de Sá: Como começar a estudar cultura pop? Estudando! (risos) Brincadeira! Na verdade, como eu falei, se a cultura pop permite diferentes pontos de entrada, eu acho que o mais importante é a gente, desde a graduação pensar em que tipo de problema nos interessa. Quer dizer, em vez de responder “como começar a estudar a cultura pop”, eu inverteria a pergunta. Portanto, diria o seguinte: escolha objetos que te interessam, fazem parte da sua vida. Ou o contrário: que te instigam, que você não tem nenhuma familiaridade, mas quer entender esses “objetos”. Eu acho que esta é a chave para estudar não só cultura pop, mas qualquer outra coisa. 

Aí você pergunta “eu preciso fazer uma pós-graduação antes de entrar no mestrado?” Não, eu acho que não precisa não. A pós-graduação, lato sensu, é uma escolha. Desde a graduação é possível estudar cultura pop, no trabalho de TCC, em várias disciplinas. A gente tem cada vez mais cursos voltados para cultura pop. Um exemplo é o nosso curso de Estudos de Mídia, na Universidade Federal Fluminense, que tem disciplinas sobre séries, música pop, narrativas do mundo pop. Uma infinidade de disciplinas sobre o assunto e os trabalhos finais são voltados para o assunto. Então já são exercícios para pensar cultura pop. E, neste sentido, o mestrado e depois o doutorado são só a confirmação daquilo que na graduação já pode ser pensado. 

O fenômeno Carmen Miranda

Como eu falei, quero dizer, eu sempre me interessei por essa dimensão pop dos fenômenos. Mas insisto: na década de 90 nós não tínhamos uma área consolidada com estudos de cultura pop como a gente já tem hoje. Então, na verdade, eu tava tateando, buscando objetos que hoje, olhando para trás, eu vejo que eu estava interessada em pensar sobre a Carmen Miranda. Era a forma como ela se apropria de elementos do pop, né?

O que é aquela imagem da Carmen Miranda com as bananas na cabeça, aquele turbante se não uma criação, né? Que ela não fez sozinha, que ela tem parcerias para pensar naquilo. É uma tradução de uma referência fundamental da cultura afro-baiana/carioca, que são as tias baianas, o universo do samba. Mas que ela vai aprender com Dorival Caymmi, naquela música “O que que a baiana tem” e vai traduzir para o mundo pop. Vai levar para Hollywood. 

Então olha só quantas perspectivas e possibilidades de se analisar estão presentes nessa construção da Carmen Miranda como um ícone da cultura pop que se eterniza. Ainda hoje ela é pensada assim.

Anitta

Ainda sobre a Carmen Miranda, um dos meus interesses atuais de pesquisa é a cantora e compositora Anitta. E é interessante como, mais de uma vez, a Anitta citou a Carmen Miranda, assim como citou essas imagens da artista. Tem um capítulo do meu mais recente livro, “Música Pop-Periférica Brasileira: Videoclipes, Performances e Tretas na Cultura Digital”*, onde eu analiso exatamente a performance da Anitta no Rock in Rio Lisboa, no qual ela traz nítidas referências à cantora na apresentação. Então, por quê?

Porque Carmem Miranda evoca essa sensibilidade pop no exterior que a Anitta também está perseguindo neste momento. 

*Quem quiser saber mais sobre o livro, acesse o Google Books

Quais áreas do conhecimento podem estudar cultura pop? 

Simone Pereira de Sá: Eu acho que qualquer área na verdade. Quer dizer, a gente tem a dimensão econômica do pop, a dimensão sociocultural. A gente tem a dimensão midiática propriamente dita, até a dimensão psicológica que pode explorar. Então, na verdade, eu acho que todas as áreas podem ter uma aproximação, né? As diferentes áreas do conhecimento podem ter essa aproximação com a cultura pop. Não existe uma área que tenha o domínio exclusivo sobre os temas. 

Agora é claro que eu defendendo a nossa “sardinha” aqui, a nossa perspectiva. Eu acho que os estudos de comunicação consolidaram mais fortemente essas reflexões em torno da cultura pop nas últimas duas décadas, no Brasil pelo menos. Então a gente vai encontrar nos congressos de comunicação reflexões muito potentes sobre a cultura pop. Nos diferentes grupos temáticos, seja de música, seja de outros temas, televisão, né? Vai poder pensar trabalhos muito legais, muito profundos, revelando aspectos muito interessantes sobre a cultura pop. 

Para finalizar, quais dicas você dá para graduandos que pensam em pesquisar o assunto?

Simone Pereira de Sá: A primeira dica é você escolher um tema que tenha paixão. Quer dizer, eu não acredito em pesquisa sem paixão. E eu acho que é fundamental a gente ter paixão. Eu não preciso gostar do tema, eu posso detestar ele também, né? Detestar também é um afeto pelo tema.

Eu posso querer fazer uma crítica para aquele tema, mas é fundamental que seja alguma coisa que você escolha. Não porque você acha que é importante, mas sim porque você tem interesse, porque você vai passar muito tempo pesquisando (e pesquisa tem aspectos muito trabalhosos). Então, se você não gostar muito daquilo sobre o que está falando, vai ser bem difícil.

Grupos de pesquisa

Segunda dica: junte-se a um grupo de pesquisa. A gente tem grupos de pesquisa muito importantes no Brasil sobre cultura pop. De qualquer maneira, eu acho que estar em um grupo de pesquisa é um contato com as pesquisas que estão em andamento, que tipo de pesquisa que faz, etc.

Pela mesma razão, se possível, frequente os principais congressos acadêmicos. Sobretudo, dois congressos que recomendo, o da COMPÓS e o da INTERCOM. O da COMPÓS tem um grupo sobre música, som e música, em que aparecem vários trabalhos sobre cultura pop e outros grupos temáticos também.

O da INTERCOM, o GT de música e entretenimento é um espaço que acolhe o tipo de trabalho sobre cultura pop que é muito aprofundado, que traz debates e reflexões muito importantes, e outros grupos também. 

Então isso vai ajudar, eu acho, quem está entrando a entender a área, como funciona, os temas que já foram pesquisados, os temas que têm lacunas que ninguém pesquisou, né? Porque o pensamento científico é isso. É a gente localizar o que que já foi falado sobre um assunto e avançar e contribuir na direção do novo, do original.

Eu acho que é uma aventura incrível, um espaço muito colaborativo, divertido e tenho muito orgulho de fazer parte deste subcampo do estudo de músicas e cultura pop no Brasil. Acho que, ao contrário de outros grupos, a gente tem muitas parcerias, muita colaboração. E a gente se diverte muito pensando em nossos objetos sobre os quais temos paixão.

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