‘Tenho Medo Toureiro’ | A vida do travesti em uma ditadura
Fábio
‘Tenho Medo Toureiro’, filme em cartaz na Amazon Prime Video, parte de um pressuposto muito interessante. Mostrar como é a vida de um travesti em um período ditatorial. Ainda mais um que esteja na terceira idade, na miséria e em um dos períodos mais cruéis e sanguinários da história do Chile: a ditadura Pinochet.
Aliás, Tenho Medo Toureiro chega ser mais ousado e não fecha os olhos para o outro lado quando a questão é o preconceito. Em um dos diálogos mais tristes e sinceros do filme, “A Louca da Frente” (interpretado com brilhantismo por Alfredo Castro) coloca o dedo na ferida: “Não importa se for uma ditadura ou comunismo. A nossa vida (dos travestis) será sempre uma merda”. Em outras palavras, eles são excluídos por todos e, em suma, ninguém se importa com eles.
Sinopse
Em um dos poucos lugares onde, a princípio, homossexuais conseguem se divertir, uma ação truculenta dos militares executa algum deles e outros conseguem fugir. No meio dessa caça, um travesti (Alfredo Castro) é ajudado por Carlos (Leonardo Ortizgris). O auxílio os aproxima e o homem pede um favor em troca: que a Louca da Frente guarde uns “livros” para ele em sua casa.
Com o passar do tempo, a amizade dos dois cresce e ela descobre que os livros são, na verdade, armas que o revolucionário Carlos, bem como seus companheiros pretendem usar em um atentado político.
A ‘escola’ Almodovar
Impossível não pensar, a princípio, em Pedro Almodóvar ao assistir Tenho Medo Toureiro. Não que a obra de Rodrigo Sepúlveda seja um plágio ou cópia do cineasta espanhol. Mas, a saber, o diretor tem a mesma sensibilidade e delicadeza ao retratar personagens excluídos pela sociedade. Ele acertadamente troca o tom pitoresco que travestis são geralmente retratados em filmes por um tom natural e realista. Mostrando, assim, que eles merecem (tanto na ficção e na realidade) serem tratados com dignidade e respeito.
Outra similaridade com o trabalho brilhante de Almodóvar é o uso de cores fortes, vivas, contrastando com os cenários crus, tristes e pobres, embalados por boleros tristes, bem como cafonas. A fotografia de Sergio Armstrong é outro grande acerto da produção, mostrando a dura realidade da periferia da capital chilena em um tom quase documental.
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Castro e Ortizgris
Além da direção, roteiro, fotografia e trilha sonora, Tenho Medo Toureiro conta, em suma, com outro grande trunfo. A química entre Ortizgris e Castro, que, a saber, formam o casal de protagonistas. Castro, conforme dito anteriormente, é brilhante em um papel dificílimo. Rejeitado pela sociedade, mas obrigado a contar com ela. Seja para comprar fiado no mercadinho em frente o cortiço onde mora, seja para conseguir um bico bordando para uma madame tradicional influente entre os militares. Seguro de si, mas inseguro com o perigo que o cerca por todos os lados. Consegue, com magnificência, ir da alegria em viver um grande amor para a tristeza, ao lembrar sua infância e todos os preconceitos que vive desde que se conhece por gente. Uma atuação gigante.
Por outro lado, Ortizgris é extremante seguro no papel do jovem revolucionário que encontra na travesti uma oportunidade para colocar o plano de seus companheiros em ação. E, aos poucos, conforme o relacionamento com “A Louca” evolui, seu personagem cresce junto. Principalmente quando, enfim, a enxerga como uma pessoa ao invés de uma “facilitadora”. Ele se humaniza quando, em outras palavras, se livra dos seus preconceitos para enxergar essas pessoas que não fazem parte dos planos de absolutamente ninguém. Nem mesmo daqueles que lutam por um mundo mais justo.
Por fim, é com tristeza afirmar que, embora se passe nos anos 1980, Tenho Medo Toureiro é extremamente atual. Seja com a simpatia de muitos por ditadores, seja com o preconceito que a comunidade LGBTQIA+ ainda sofre.
TRAILER – ‘TENHO MEDO TOUREIRO’
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FICHA TÉCNICA
Título original: Tengo Miedo Torero
Direção: Rodrigo Sepúlveda
Roteiro: Rodrigo Sepúlveda, Juan Elias Tovar
Elenco: Alfredo Castro, Leonardo Ortizgris, Julieta Zylberberg, Amparo Noguera, Luis Gnecco, Sergio Hernández
Onde assistir: Amazon Prime Video
País: Chile, Argentina, México
Gênero: Drama
Ano de produção: 2019
Duração: 93 minutos
Classificação: 16 anos