Diretor e atores abordam narrativa atual e importante da HQ de Quintanilha em pré-estreia de ‘Tungstênio’

Alex Rodrigues

Quando Marcello Quintanilha lançou a excelente obra, Tungstênio, no formato HQ, em maio de 2014, talvez não imaginasse que seu trabalho iria ser tão bem reproduzido quatro anos depois no cinema, sob a batuta do diretor Heitor Dhalia. E quando se imaginou isso, certamente não contava que esta adaptação seria o palco de atores, que embora talentosos, possuem trajetórias distintas na sétima arte e na carreira. O filme narra a história de quatro protagonistas densos (assim como o elemento químico que dá nome à obra), com forte representatividade das várias faces do povo brasileiro, que, na trama, entrelaçam suas vidas na Cidade Baixa, zona portuária de Salvador.

Na véspera da estreia, Heitor Dhalia fala sobre Tungstênio

José Dumont é um veterano nas telonas, já se vão quase 50 filmes, e premiações importantes como o Kikito de Ouro e Troféu Fandango. O ator tinha interpretado o personagem Sergipano, no filme Cidade Baixa, do diretor Sérgio Machado em 2005, e retorna ao mesmo cenário baiano para viver mais um militar na carreira, desta vez o sargento da reserva Ney, um personagem que parece viver em um passado distante, mas que, infelizmente, reflete o posicionamento preconceituoso de alguns brasileiros, como é lembrado pelo próprio Dumont, ao falar da personalidade de um dos protagonistas.

É um personagem que vem fazendo uma viagem que não é a minha. A maneira de pensar, a maneira de ser, a maneira de existir no mundo. O Ney seria saudosista se fosse dois anos atrás, hoje ele é ironicamente atual.

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José Dumont vive mais um militar na carreira (FOTO: Wilson Spiler / BLAH CULTURAL)

Podemos dizer que Fabrício Boliveira também é um veterano nos cinemas, entre participações em longas e curtas-metragens, já foi protagonista em Faroeste Caboclo, dirigido por René Sampaio em 2013, inclusive ganhando o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro na categoria Melhor Ator. Em Tungstênio, Fabrício faz uma sólida interpretação do policial Richard, uma espécie de anti-herói que vive toda a agressividade da profissão, intensificada pela criminalidade presente nos grandes centros urbanos. Richard vive um caloroso romance com Keira, mas a hostilidade do seu mundo chega também ao seu lar, transformando sua vida profissional e pessoal em um verdadeiro caos. Fabrício falou um pouco sobre a construção do seu personagem e como é difícil exercer a figura do policial, em um país controverso como o Brasil.

Falar de um policial hoje, da confusão mental, da cabeça desse profissional que age com violência, e também sofre violência, reproduzindo isso de alguma forma.

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Fabrício Boliveira interpreta o policial Richard, uma espécie de anti-herói (FOTO: Wilson Spiler / BLAH CULTURAL)

Contando com dois veteranos, Tungstênio reservou um espaço especial para estreias. Iniciando a carreira de atriz com um papel de protagonismo, a top model Samira Carvalho foi firme e consistente em sua interpretação de Keira, esposa de Richard. As cenas entre Samira e Fabrício são intensas, quase viscerais, deixando a plateia tensa e em suspense para saber o destino do casal. Os personagens do filme não são caricatos, estão inseridos em uma realidade cotidiana vivida no Brasil, muito bem mostrada pelo cineasta Heitor Dhalia. Samira não dá vida a uma heroína, mas a uma pessoa comum, com dúvidas, alternando momentos de fraqueza e extrema coragem para enfrentar os desafios. A atriz ressaltou a importância de representar uma protagonista forte, em seu primeiro trabalho.

É uma personagem forte, intensa, de muita entrega. Eu me joguei de cabeça, eu amo a Keira e ela é minha, porque eu me doei para ela. Eu fui muito agraciada em ter como primeiro trabalho uma personagem e equipe absurdamente boa.

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Samira Carvalho interpreta a esposa do policial, uma mulher forte e intensa (FOTO: Wilson Spiler / BLAH CULTURAL)

Se Samira Carvalho superou – e muito – as expectativas em seu primeiro papel no cinema, o jovem ator Wesley Guimarães também foi uma grata surpresa dando vida ao aspirante a traficante Caju. O soteropolitano cativou o diretor e a produção logo nos testes para escalar o elenco. Tungstênio é o terceiro longa-metragem do ator, que também é músico. Assim como foi dito por Samyra, Wesley destacou o trabalho do produtor de elenco, Chico Acciolly e do próprio cineasta em ajudar na formação dos personagens. No filme, Caju é um jovem pobre que inicia sua caminhada no crime, mas, mesmo em um ambiente violento, demonstra virtudes como a bondade. A interpretação bastante original de Wesley é uma válvula de escape no clima de tensão do filme. Natural de Salvador, o protagonista fala um pouco da Cidade Baixa e sua representatividade na capital baiana, ambiente bem conhecido do ator.

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Uma Salvador livre de estereótipos e mostra a ação que há no dia a dia do povo soteropolitano, mas que é escondida por trás da ideologia do “Paz, Carnaval e Futebol”, vendida com frequência para o exterior.

O cineasta Heitor Dhalia conseguiu transportar a narrativa de Tungstênio, muito bem produzida na HQ de Quintanilha, para uma belíssima obra cinematográfica. Personagens, cenário, história e narrador caminham juntos e de forma clara, com ritmo tenso e intenso, no qual cada cena se encaixa adequadamente ao longo de todo o filme. Não podemos esquecer de mencionar a atuação do ator Milhem Cortaz, que emprestou a sua voz para o narrador dos eventos vivenciados pelos quatro protagonistas. É interessante como a narração é feita de forma bem coloquial, usando gírias populares, comumente usada nas periferias. A pessoa que narra parece conhecer intimamente dos personagens, atuando quase como uma consciência de cada um. Tungstênio é um canal para mostrar a rotina, os desafios, as alegrias e tristezas de um lugar do país que está presente em muitas outras cidades do Brasil, apresentando de forma realística as dificuldades encontradas de uma população que parece viver no limite todos os dias da vida. Pobreza, exclusão e racismo ainda acompanham boa parte dos brasileiros, que, por vezes, parecem não se dar conta disso. Essa intolerância foi lembrada pelo diretor.

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O filme trata de questões muito atuais. Fala do racismo estrutural que vivemos, que estamos cada vez mais conscientes dele. É uma responsabilidade de todos nós, a cada dia, combater esta herança de 500 anos, de uma escravidão disfarçada que a gente vive.

Heitor Dhalia conseguiu transportar a narrativa de “Tungstênio” da HQ para o cinema (FOTO: Wilson Spiler / BLAH CULTURAL)

Tungstênio é um filme produzido pela Globo Filmes e Paranoid Filmes, e distribuída pela Pagu Pictures. O longa estreia no próximo dia 21 de junho em todos os cinemas nacionais. Veja abaixo a galeria de fotos do evento:

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Alex Rodrigues

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