Possibilidades, furos e consequências em ‘VINGADORES: ULTIMATO’
Pedro Marco
Vingadores: Ultimato não cansa de gerar assunto, e o que mais alimenta as discussões fora das salas de cinema foram suas controversas viagens no tempo. Idealizadas a partir de um pequeno acidente no reino quântico, a ideia levantada pelo novo homem formiga, Scott Lang, abre espaço para várias discussões sobre possibilidades, paradoxos e até mesmo multiversos. Vamos analisar algumas?
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De início, vamos partir das regras. Como (infelizmente) vivemos no mundo ainda sem viagem no tempo, acabamos nos agarrando a teorias e especulações científicas que geram universos de cultura pop com suas leis bem definidas e distintas. Em Ultimato, a base é o chamado “Reino Quântico”. Apresentado nos longas do Homem-Formiga, o mini universo subatômico é revelado aos heróis logo no início do longa como tendo possibilidades relativistas. Puxando algumas teorias de um tal Albert Einstein, isso significaria que a deformação gravitacional causada pela redução de tamanho e aceleração em referencial com o mundo externo, poderia ali o tempo passar normalmente (como ocorreu com Janet Van Dyne, a Vespa original) ou em uma proporção de anos para horas (como ocorreu com Lang). Este relativismo, caso manipulado, poderia causar uma dobra no tecido do espaço-tempo e possibilitar a volta ao passado. Como normalmente esta viagem faria o tempo passar pelo indivíduo, uma investida invertida propositalmente causaria o contrário e serviria de solução para nossos heróis. Para não se perderem nesta arriscada aventura, Tony Stark, gênio, playboy e filantropo, fabricou GPSs multi temporais que os guiaria entre os eventos onde estaria mais propício para resgatar as joias do infinito.
Partindo do mecanismo, uma regra clara é estabelecida subjetivamente desde o início: o presente é imutável. Ao contrário de clássicos do cinema como Exterminador do Futuro, De Volta para o Futuro e A Ressaca, onde uma linha temporal única é afetada diretamente por qualquer alternância do passado, em Ultimato, essas alterações geram ramificações de realidade, que podemos chamar, para fins de melhor entendimento, de “multiversos”. Pegando o exemplo citado no próprio filme, esta regra estabelecida pelo MCU impediria que os mesmos matassem o bebê Thanos no passado para evitar o estalo e a batalha de Wakanda. O que aconteceu, aconteceu.
Estabelecidas as leis, vamos analisar separadamente os 7 objetos que são trazidos e devolvidos ao longo do filme. Para tal, vamos tentar traçar os acontecimentos gerados para tirar e devolver as joias e o Mjölnir, e o que isso pode ter inferido no universo.
OLHO DE AGAMOTO, A JOIA DO TEMPO
Para esta joia, fomos jogados de volta a 2012. Em meio à memorável batalha do primeiro filme dos Vingadores, Bruce Banner se dirige até o Sanctum Sanctorum, onde mais tarde seria o lar do Dr. Estranho, para pegar a joia dos cuidados da Anciã (Tilda Swinton). Ali, temos a explicação supracitada, onde, ao retirar uma joia, uma nova realidade seria gerada e apenas o ato de retomar ela a seu local original, apagaria essa ramificação, e retornaria tudo a seu curso natural. Após ser pega com sucesso com Bruce, podemos assumir que Steve Rogers não teve dificuldades ao retornar para a batalha, e devolver a joia minutos depois que Bruce Banner voltou com ela para o passado, apagando essa primeira ramificação.
O curioso desta viagem é a possibilidade de diálogo entre Steve Rogers e a Anciã, de onde pode ter saído tanto a ideia de ficar no passado, quando ela percebe que ele não pertence ao tempo onde está, quanto em que o pode ter dado as dicas de como viver no passado sem influenciar o presente.
CETRO, A JOIA DA MENTE
Ainda na Nova York de 2012, o cetro do Loki também não causa tantas pulgas atrás da orelha. Como para os membros da Shield o objeto foi visto por último nas mãos do Capitão América (após o icônico Hail Hydra), o mesmo trazê-lo de volta pode ter sido o ponto mais suave de sua missão.
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TESSERACT, A JOIA DO ESPAÇO
A joia mais polêmica e viajada destes 11 anos não poderia deixar de causar algumas dúvidas em sua (suposta) última aparição. Fechando a tríade de joias que seriam capturadas na Nova York de 2012, o cubo cósmico acabou sendo capturado por Loki, o que gerou uma viagem extra para o ano de 1970. Até ali, tranquilo. O cubo foi retirado do QG da Shield e o Capitão poderia tê-lo retomado sem problemas. Agora, na realidade de 2012, realmente tivemos, não a criação de uma ramificação caótica que seria gerada com a retirada da joia, mas ainda assim a criação de uma realidade alternativa onde o Loki escapou com o Tesseract e gerou uma linha temporal nova. Se isto vai ser abordado na série de TV do personagem ou algum outro meio, é uma incógnita, mas o fato é que, para isto influenciar a linha temporal comum, teríamos de ser apresentado ao conceito de viagens entre realidades, muito diferente da viagem no tempo.
ÉTER, A JOIA DA REALIDADE
Partindo para alguns meses no futuro, começamos a complicar um pouco mais. Por estar em Asgard, devemos nos basear em duas possibilidades para esta viagem. Uma, é a utilização da bifrost (ainda intacta durante os eventos de Mundo Sombrio), que poderia ser acionada pelo Mijölnir, em posse do Capitão América. Outra possibilidade, é a viagem no espaço além do tempo. Se pegarmos por base as viagens para capturar as joias, eles desceram diretamente próximos às joias, seja em Asgard ou mesmo em Nova York. Portando, tendo um número considerável de partículas Pym, o Capitão poderia viajar no espaço-tempo até o ponto mais conveniente, sem precisar utilizar-se de naves ou bifrost.
É nessa viagem ainda que Steve devolveria o martelo de Thor, Mjölnir. Retornando poucos segundos após o Thor do presente tê-lo roubado de sua versão do passado, o martelo pode ter sido devolvido sem grandes estragos e mantendo o curso natural dos fatos.
ORB, A JOIA DO PODER
Em 2014, a quinta joia conta com a mesma possibilidade da anterior: viagem no espaço. Para tal, devemos contar que assim como Rhodes e Nebulosa viajaram direto para o planeta Morag, o Capitão cairá diretamente neste para devolver o Orb antes que Peter Quill acorde de seu ataque e pegue a joia normalmente. Com o retorno, essa realidade seria apagada, e manteríamos, naquela ramificação, a ocorrência natural dos fatos sem a interferência de uma nova nebulosa para adiantar os planos de Thanos. Lembrando das regras citadas no início, o apagar dessa ramificação não alteraria em nada a linha temporal comum de 2023 onde residem nossos heróis, pois o presente é imutável.
VOLMIR E A JOIA DA ALMA
Aqui começamos a realmente causar possibilidades complexas. Se tem uma cena que seria interessante em ser mostrada, sem dúvida, é a devolução da Joia da Alma em Volmir. Ao contrário de nossos heróis que economizaram uma das pílulas fazendo uma única viagem conjunta para Morag, e de lá foram de nave para Volmir, a possibilidade de uma quantidade maior de partículas para Steve faria com que ele utilizasse a viagem temporal do Reino Quântico para ir de um planeta a outro. No entanto, a coisa começa a ficar interessante quando pesamos no encontro entre o Capitão e seu algoz Caveira Vermelha. Isto, sem dúvida, deve ter sido um baque para ambos e gerado uma boa possibilidade para um embate intelectual memorável.
Discutindo a parte mais paradoxal, o Capitão, em teoria, ao devolver a Joia da Alma poderia pedir alguma alma de volta. “Uma alma por uma alma”, como sempre disse o próprio Caveira. Se retornar precisamente em 2014, o Capitão poderia ter então o direito de trazer a Viúva-Negra de volta. O que impossibilita isso, no entanto, pode ter vindo da moral do Capitão América em deixar os companheiros aceitarem a perda e o peso do sacrifício da heroína, além de temer as possibilidades de dano temporal que poderiam ser causado ao trazer alguém fora de seu tempo para ali. Além do mais, por ser uma ramificação, aquela seria a Natasha de outra realidade. Não a deles, ou seria? Pensemos: se Hulk avisou à Anciã que detinha a joia de Agamoto que, ao devolverem as joias aos seus devidos tempos no exato momento em que tiraram, consequentemente – em teoria -, essas joias jamais teriam sido usadas. Se a Joia da Alma jamais foi usada, ou seja, foi devolvida, tudo indica que a Viúva-negra está viva por aí e o Thanos do passado jamais teve acesso as joias do Infinito, jamais lutou com os Vingadores e pode voltar a existir no passado também. Quem assistiu Rick and Morty pode compreender melhor como este pequeno detalhe traz toda a diferença nas decisões.
O VELHO CAPITÃO E O PARADOXO DO AVÔ
OK, vamos partir desta premissa então. Steve Rogers saiu de 2023 com o intento claro de viajar no tempo, repor as 6 joias e o martelo, e retornar para o presente. Porém, durante suas viagens, dois diálogos podem ter mudado sua cabeça. A visão da Anciã ao vê-lo por dentro ou o conhecimento ilimitado do novo Caveira Vermelha podem ter sido os grandes catalisadores para que o herói percebesse seu real lugar no tempo, e o feito voltar para os anos 40 com algumas dicas e ajudas. Se fôssemos pegar por base os conhecimentos científicos ou de cultura pop em geral, poderíamos assumir que esta viagem causaria paradoxos, ou mesmo a criação de uma nova realidade. Mas, para justificar, vamos tomar de partida somente o que nos foi passado no filme.
- Novas ramificações serão criadas se remover as joias do Infinito. Durante a viagem final do Capitão para os anos 40, nenhuma joia foi removida ou acrescentada. Isto tiraria a criação de uma nova ramificação, ainda mais se ele seguir à risca o fator de não alterar nada daquela realidade. Manter-se apenas como um cidadão comum e recluso.
- O presente é imutável. Esta tecla é bastante batida no filme e está sendo deixada de lado em muitas teorias. Nada do passado pode influenciar o presente. O final do longa, onde todos retornam, ocorre por uma reversão na realidade, não no tempo. São coisas distintas.
Portanto, partindo das premissas levantadas nas leis de viagem no tempo do próprio filme, por muitos anos convivemos com dois Steve Rogers. Um casado e feliz vivendo escondido, e outro lutando ao lado dos Vingadores.
O FUTURO DA MARVEL COM MULTIVERSOS
Uma das grandes possibilidades que podem partir destas incursões são as criações de multiversos. Agora que temos uma realidade paralela onde o Loki escapou com o cubo e pode ser a chave para a série que está por vir no serviço de streaming da Disney, considerando que a Marvel possui uma grande muleta de roteiro para explorar estas viagens interdimensionais. Seja para uma (improvável) participação especial do deus da mentira, resgate de algum personagem já falecido para auxílio, ou mesmo para justificar a criação dos X-Men, Quarteto Fantástico, Galactus e afins. Porém, para que não vire uma válvula apelativa constante, limitações deverão ser postas e novas leis estabelecidas.
UMA CÁPSULA PARA UM EXÉRCITO E OUTROS FUROS
Mesmo tendo entendido as viagens no tempo, o presente imutável e a destruição das ramificações, algumas dúvidas ainda percorrem as mentes dos mais atentos. Seja a idade que a agente Peggy Carter realmente deveria ter em 1970 ou a dúvida de qual escudo seria o que o Steve entregou para Sam Wilson (apesar que Steve poderia ter pedido para do Howard no passado fazer outro ou qualquer outra possibilidade), alguns furos ainda permeiam o roteiro, como era esperado de um filme com viagens no tempo. Um dos mais recorrentes é Steve Rogers ter viajado apenas com as joias para devolvê-las e não com os objetos, como o Tesseract, o Cetro e o Orb.
Outra questão, também bastante pertinente, é como o exército do Thanos viajou para o presente sem duas coisas básicas: a roupa para diminuir ao ponto de passar pelo Reino Quântico e as partículas Pym. Visto que a única que estava com a Nebulosa do presente foi usada pela do passado para vir e abrir o portal, seria completamente impossível para Thanos e seu exército vir ao presente.
Bem, poderíamos continuar aqui e passar horas divagando sobre as possibilidades. Onde está a Gamora do passado? Perdida no presente ou virou pó com o estalo? E como Steve Rogers colocou o Éter dentro da Jane Foster de volta? Essas e outras questões são o que fazem o filme sobreviver após a sala de cinema e nos dá vontade de rever e discutir. Deve-se ressaltar ainda que são meros detalhes e que não tiram o mérito do longa. Não diminuem as atuações, o modo que colocam tantos personagens e tantas pontas fechadas em um roteiro entendível a todos os públicos. São apenas nerdices e divagações sobre furos comuns de roteiro. São cenas que traspassam sentimentos que muitas vezes não tem que ser discutidos tão a fundo. Como o próprio Steve Rogers disse: “Não pretendo falar sobre isso”. E essa falta de respostas não deixa o filme falho, e sim, um pouco mais próximo de como funciona a vida.