Fontes do Paraíso

‘As Fontes do Paraíso’ de Arthur C. Clarke ou ‘Um Elevador Para as Estrelas’

Eduardo Cruz

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20 de fevereiro de 2017

Nesse ano se comemora o centenário do nascimento de Sir Arthur C. Clarke (falecido em 2008). Seu nome é muito atrelado à ficção científica, muito por conta de seus livros que abordam o assunto, ou (indiretamente) pela adaptação cinematográfica de 2001: Uma Odisseia no Espaço – imortalizada no cinema por Stanley Kubrick. No entanto, ele foi muito mais que um simples escritor.
Fontes do ParaísoVárias vezes premiado por suas obras, é até hoje um dos nomes mais respeitados, não só na literatura, mas também no campo da astronomia, sendo inclusive nomeado presidente do British Interplanetary Society(uma espécie de NASA da terra da rainha). É considerado também o pai da comunicação por satélites, por ter definido o conceito que proporcionou o desenvolvimento dessa tecnologia, que é utilizada até hoje.O autor foi de extrema importância em boa parte do êxito dos Estados Unidos na corrida espacial. Além disso, o presidente JFK foi convencido por um de seus cientistas de que o homem poderia chegar à lua usando como argumento de convencimento um dos livros de Clarke: “The Exploration of Space”.
Arthur C. Clarke era, além de tudo, um visionário (não no sentido Zack Snyder, é claro…). Em uma entrevista de 1974, falava com naturalidade – e uma certeza espantosa – exatamente como seria o futuro em que as pessoas se comunicariam por computadores pessoais, tendo acesso a toda informação que precisassem e teriam acesso a facilidades que hoje, para nós, já estão inseridas em nosso dia a dia.
 Caso acredite que nesse vídeo anterior, suas previsões foram apenas um chute de sorte, gaste um pouco do seu inglês nórdico e veja como ele, em 1960, achava que seria o futuro.
Fico imaginando o quanto soava absurdo falar em inteligência artificial nos anos 60, por exemplo. Algumas dessas teorias já fazem parte da nossa realidade, enquanto outras ainda são episódios de Black Mirror. Ou será que não?

No livro “As Fontes do Paraíso”, lançado aqui pela Aleph, recebemos mais uma aula de toda sua capacidade imaginativa e argumentativa ao descrever o futuro.
A Terra agora já possui colônias em Marte, na Lua e em Mercúrio. Mesmo assim, o alto custo e a poluição produzidos pelos foguetes espaciais acabam limitando uma exploração ainda maior do espaço. Na trama, acompanhamos o projeto de Vannevar Morgan que, depois de ser o responsável pela construção da chamada Ponte Suprema (também chamada de Ponte de Gibraltar, a maior já feita pelo homem, com quinze quilômetros de extensão, ligando a Europa ao continente africano), achou que havia chegado a hora de construir um novo caminho; dessa vez, em direção ao espaço. A Torre Orbital, um sistema como um metrô vertical (ou elevador), que serviria como estilingue cósmico, enviando cargas para a Lua e para os planetas sem o uso de foguete.

‘1984’ ganha edição de colecionador pela Buzz Editora

“Se as leis da mecânica celeste possibilitam a um objeto permanecer fixo no céu, não seria possível baixar um cabo até a superfície… de modo a criar um sistema de elevadores ligando a Terra ao espaço?”


Acompanhamos a construção da Torre Orbital desde sua concepção e elaboração, até o seu pleno funcionamento. Mesmo com a reputação de grande projetista da “Ponte Suprema”, Vannevar Morgan precisa convencer determinados grupos a acreditarem em seu projeto, passando pela busca de investidores que pudessem “comprar” a idéia, conversas e negociações sobre o local onde seria construída a base do elevador na terra, propostas para que, ao invés da terra, o elevador fosse construído em Marte, além de uma boa dose de demonstração de força dos interesses políticos e econômicos, inclusive, propondo algo como “um grande pacto para estancar a sangria”:
 ” – Definitivamente, precisamos de uma decisão judicial da Corte Mundial. Se a Corte decidir que é uma questão de interesse público inapelável, nossos amigos reverendos terão de sair de lá… mas, se eles decidirem ser teimosos, haverá uma situação desagradável. Talvez você devesse enviar um pequeno terremoto, para ajudá-los a se decidir.”
O elevador poderia ser utilizado também para fins de turismo, proporcionando a milhares de pessoas a possibilidade de contemplar a terra diretamente da estratosfera (está aí uma coisa que eu gostaria muito de fazer!).
Durante o desenvolvimento do projeto, consegue-se estabelecer contato com uma civilização alienígena: uma sonda espacial autônoma chamada Sideronauta, que colhe informações sobre civilizações por todo o universo. Chegando por aqui, consegue decodificar com facilidade a linguagem terrestre e rapidamente se torna capaz de entender e analisar que tipo de civilização somos, estando em condições de discutir sobre nossa filosofia, nossos valores e sobre as diversas religiões do mundo.
O local perfeito para ser a base da Torre Orbital na Terra é no alto da Montanha Sagrada, onde existe um mosteiro budista. Este local realmente existe e se chama Sri Pada (ou Pico de Adão), assim comoSigiriya, chamada no livro de Yakkagala. Ambos localizam-se no Sri Lanka, local onde o autor viveu por muitos anos, até o fim da vida.

Sri Pada, a Montanha Sagrada
Sigiriya

 

A riqueza de detalhes com que as situações e os procedimentos são descritos nos deixam na dúvida se ele não está falando de algo já existente. O leitor fica ciente de todos os procedimentos como se estivesse ali ao lado dos protagonistas do livro. Mas não esperem por naves em combate pelo espaço, tiros de raio laser oulutas com sabres de luz. Ao invés disso, o autor não só nos brinda com toda sua capacidade de imaginar e nos explicar um mundo muito mais avançado tecnologicamente, mas também explora aspectos mais humanos, como a relação do homem com as suas crenças religiosas, negociações comerciais e uma boa dose de ego e vaidade.
O homem é um ser que sempre procura romper limites. Buscar o impossível através de grandes construções e desenvolvimentos tecnológicos fazem parte de sua natureza. Ao longo da história da humanidade vemos desde grandes obras que desafiam nossa compreensão – como as pirâmides do Egito, o Colosso de Rodes, a muralha da China – até avanços mais recentes como aaviação, submarinos e sondas espaciais. O homem prova sempre que o limite não é nada além de algo a ser ultrapassado. Se pensarmos nos saltos tecnológicos dos últimos vinte anos e compararmos com os dos vinte anos anteriores, podemos perceber que avançamos a uma velocidade espantosa.
Ao ler As Fontes do Paraíso, talvez lhe soe como algo irreal por ser “ficção científica demais” (provavelmente, a mesma sensação que as pessoas tiveram ao ouvi-lo falar nos vídeos acima), mas para o desenvolvimento da história, o autor se baseou num conceito teorizado pelo engenheiro russo Yuri Arstutanov nos anos 60, em que um cabo partindo do solo, é içado ao espaço dando acesso a uma plataforma flutuante que gira na órbita da terra (Yuri Arstutanov é mencionado no livro), o chamado “Elevador Espacial”. Com ele, seria possível chegar ao espaço sem a necessidade de um foguete, além de viabilizar o transporte de toneladas de equipamentos para o espaço e com um custo muito reduzido. Em “Guerra do Velho”, o autor John Scalzi cria um elevador orbital semelhante, o “pé de feijão”, muito provavelmente uma homenagem a Arthur C. Clarke.
Segundo o autor, o projeto da Torre Orbital é uma realidade. Caso não tivesse ocorrido o acidente com o ônibus espacial Challenger em 1986, o desenvolvimento dessa tecnologia já estaria bastante adiantada e teriam ocorrido suas primeiras tentativas para colocá-la em prática. Além disso,Arthur C. Clarke discursou no congresso da Federação Astronáutica Internacional em 1979, defendendo a ideia de que o Elevador Espacial não era uma apenas uma fantasia, mas poderia ser considerada uma “chave para o universo”.
Agora apertem os cintos e embarquem no elevador panorâmico com a melhor vista possível, e apreciem o próximo andar; onde  encontraremos o céu, a lua e as estrelas.

Fontes do Paraíso

Eduardo Cruz

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