Fim de Festa filme

‘Fim de Festa’ | CRÍTICA

Sayd Mansur

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8 de março de 2020

A cinematografia brasileira tem se sustentado ao longo da última década em torno de dois extremos, ou de dois polos, se preferirmos a nomenclatura que tem monopolizado as análises políticas de nossa atualidade.

Curiosamente, de cada um desses lados, temos as duas acepções do conceito de gênero coexistindo em paralelo, até o momento sem grandes choques ou convergências.

De um lado, obras que apoiadas nas problematizações de gênero (sexual), põem à prova os lugares comuns que cultivamos na cultura e na subjetividade brasileiras.

Realidade brasileira

Produções que pretendem abordar as mudanças sociais no país durante as últimas décadas, tendo como mote o retrato de sexualidades em queda-livre. Ou melhor dizendo, em jornadas de busca e encontro com a própria identidade a partir do sexo. Em claras metáforas (muitas vezes idealizadas) sobre a realidade do novo Brasil que, por ora, está sendo interrompido.

De outro lado, temos uma série de longas-metragens que retomam uma antiga tradição na apropriação perspicaz dos clássicos gêneros cinematográficos de Hollywood para a realidade brasileira.

São produções aos moldes das experiências que fundaram nosso cinema enquanto indústria cultural, que, a exemplo dos ciclos de produção da Atlântida ou da Vera Cruz, se apropriam de modelos já consagrados internacionalmente tanto nas comédias, como em dramas familiares ou aventuras policiais. Filmes que assumem um viés incontestavelmente comercial, que no presente já começam a estabelecer famigeradas franquias.

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Exemplar raro

Fim de Festa, de Hilton Lacerda, parece ser um exemplar raro de uma convergência até então não almejada por muitos de nossos realizadores. Lacerda, que atuou por anos como colaborador de diversos outros nomes do cinema pernambucano, viu de perto todo o processo de retomada do cinema brasileiro, de Baile Perfumado a Corpo Elétrico, junto às incontáveis parcerias com seu conterrâneo e amigo, Cláudio Assis, até sua estreia na direção com Tatuagem, de 2013.

Tatuagem, que é um dos pontos altos de nossa cinematografia, pode ser inserido no primeiro exemplo a que nos referíamos. Um filme que trata do florescer da sexualidade em um jovem militar ao frequentar um cabaré gay no submundo de Recife ao final da ditadura militar.

É possível dizer, inclusive, que Tatuagem, provavelmente, é o exemplar mais bem acabado desse cinema que torceu as noções de gênero enquanto sexualidade até seu limite e que tem no divertido número musical embalado pela “Polka do Cu”, provavelmente, a sequência mais carismática de nosso cinema nas últimas duas décadas.

Fim de Festa crítica

Choque entre dois Brasis

É por isso que, em Fim de Festa, Hilton Lacerda surpreende ao harmonizar elementos desses dois extremos. Dessas duas polaridades que vinham progredindo paralelamente, mas poucas vezes convergindo para um resultado comum.

É a partir da investigação do assassinato de uma jovem francesa no carnaval de Recife, crime que encerra antes do previsto as férias do policial Breno (Irandhir Santos, mesmo protagonista de Tatuagem), que faremos um passeio por esse novo Brasil. Dos conflitos decorrentes pelo choque entre dois Brasis.

Um que não quer se olhar no espelho e, por necessidade ou por desprezo, abandonou sua pátria mãe. Aquele mesmo que preza pela moral e pelos bons costumes de modo provinciano enquanto se imagina liberal e sonha com uma vida cosmopolita.

E de um outro Brasil, feito por cidadãos fiéis somente a seus próprios princípios. Presos a realidades acachapantes e que optam pela escapismo, bem como por uma legítima dose de desbunde para encarar uma existência que se mostra hostil por todos os lados. Afinal, nem todos querem o seu “país de volta” como ela era no passado.

Fim de Festa crítica do filme

Sganzerla e Godard

Essa dose de desbunde é, afinal, o que liga a geração de Breno com a de seu filho Breninho (Gustavo Patriota) e sua sobrinha Penha (Amanda Beça). Afinidade que, por fim, irá ajudar na solução do caso, antes que a reputação de Breno vá por terra, enquanto sofre a pressão de solucionar um caso de imensa repercussão. Afinal, falamos do assassinato de uma estrangeira nos suburbanos manguezais de Recife. Além disso, enfrenta a resistência dos familiares próximos à moça e a descrença da misteriosa mídia ativista DRACMA.

Aliás, é o podcast ficcional DRACMA que guarda algumas das melhores passagens de Fim de Festa. De fato, uma referência direta (e creditada ao final) às montagens experimentais de O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Rogério Sganzerla, e Acossado (1960), de Jean-Luc Godard.

Mas o foco principal em Breno, o policial amuado aos moldes dos clássicos noir, extrai de Irandhir não só uma boa atuação, mas toda uma ética sobre um mundo que oscila entre os viciados da sarjeta e uma classe média acovardada que, com a violência, faz cooper em sua própria garagem.

Diferente da energia de Tatuagem, Fim de Festa traz uma ressaca de carnaval que, intencionalmente ou não, imprime ao filme uma lentidão pouco convidativa. Entretanto, ao final, marca de forma inteligente a opção pela comunhão em uma cinematografia cindida entre noções e apropriações do que entendemos por gênero. Desse híbrido temos, sem sombra de dúvida, uma crítica sagaz ao Brasil de hoje e de amanhã.

::: TRAILER

::: FICHA TÉCNICA

Título original: Fim de Festa
Distribuição: Imovision
Direção: Hilton Lacerda
Elenco: Irandhir Santos, Hermila Guedes, Arthur Canavarro
Data de estreia: qui, 05/03/20
País: Brasil
Gênero: drama
Ano de produção: 2019
Duração: 100 minutos
Classificação: 16 anos

Sayd Mansur

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