Ode ao eterno

Ana Carolina Garcia

|

24 de junho de 2016

Acordo e sinto os raios de sol entrando pela janela do quarto, rompendo a escuridão. Nosso apartamento parece outro no pós-guerra. Vejo quais foram às baixas, apenas minhas lágrimas, uma cama vazia e meu coração pequenininho do tamanho de uma ervilha. Mas nada que não possamos resolver, nada irreparável.
Me arrumo pra trabalhar e sinto o cheiro do seu pós-barba no banheiro, na verdade, sua presença, com seu perfume entranhado em cada parte da nossa casa e em cada pedaço do meu corpo. Sinto sua falta. Sempre tomamos café juntos na nossa padaria preferida na Tavares Lyra, de pé, aquela média com pão na chapa de sempre.
Cada mordida de pão e cada pedaço de sonho me fazem lembrar a minha infância. Me invade uma sensação de pertencimento e de familiaridade tão gostosa quanto aquele moletom velho seu que eu amo. Você sempre fala que aquela coisa tem que ir pro lixo, por causa da mancha de vinho daquela viagem que fizemos à Penedo… Mas isso, já é outra história.
Toda essa vizinhança do Catete ao Flamengo, passando pelo Largo do Machado exercem sobre mim um fascínio e um ar de nostalgia. Me traz uma memória afetiva que vem de décadas antes mesmo de eu nascer.
É o lugar que meus pais se conheceram, namoraram, casaram, tiveram filhos, onde começaram a construir a minha família. Vejo-os em cada esquina da Rua das Laranjeiras. No pipoqueiro da praça com a sua pipoca metade doce, metade salgada. Vejo-os em cada banhista que volta da Praia do Flamengo pela Machado de Assis. Vejo-os em cada mate com esfiha no Condor, aquele árabe maravilhoso que a gente come no antigo mesmo, no balcão, com molhinho de alho, com afeto.
Fizemos daqui o nosso cantinho também. Nossas caminhadas no Jardim do Museu da República, com as suas serestas e o seu cinema maravilhoso.  Tão intimista e charmoso que é simplesmente um achado, um refúgio em meio a essa correria frenética do dia a dia. Sem dúvida, um descanso necessário desses complexos cinematográficos multiplex e seus filmes blockbusters. Um verdadeiro oásis, em pleno Rio de Janeiro.
O café onde jantamos vez ou outra na Marquês de Abrantes. Um lugar despretensioso que coleciona décadas de clientes e histórias. Tem seu charme por ser um restaurante tradicional, mostrando uma interseção com a jovialidade, com o novo também. Se vê uma interação entre jovens que batem ponto antes de sair ou pra aquela saideira antes de seguir pra casa.
E também de pessoas mais velhas, que frequentam ali a vida toda e são sem dúvida, a identidade do lugar. Meu pai mesmo quando era jovem, fazia de lá sua parada certa antes de ir pra casa, não dispensava a famosa canja pra aquecer a alma no final de cada noite fria.
Meu celular toca e sou retirada das minhas lembranças. Olho o celular e uma mensagem sua aparece na tela. Senti sua falta no café hoje. Que tal um jantar naquele restaurante que você adora em frente a Dois de Dezembro? Depois podemos ir ao cinema. O que acha?
Sorrio e vejo que você já levantou a bandeira branca e nos deu uma bem vinda trégua. Sim, esse é o seu jeito de retroceder, de pedir desculpas. E penso que tem coisas na vida que podem sim durar pra sempre.
 

Ana Carolina Garcia

Penso melhor com a caneta em punhos cintilando no papel ou com meus dedos tocando nos teclados a espera da escrita que desabrocha. Adoro os livros da Martha Medeiros acompanhados de um bom café e uma boa música para começar os domingos. Cinéfila por opção tenho Almodóvar, Tarantino e Woody Allen no meu altar particular. Escrevo no blog A Razão de Toda a Pressa e o site Engramas.
O que sabemos sobre Wicked Boa noite Punpun Ao Seu Lado Minha Culpa Lift: Roubo nas Alturas Patos Onde Assistir o filme Lamborghini Morgan Freeman