RESENHA | Hereges, de Leonardo Padura

Aline Khouri

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29 de maio de 2016

Como o próprio título evidencia, eis um livro sobre a heresia, porém que não fala sobre o assunto de forma estereotipada. “A heresia, ou seja, a ruptura com a ortodoxia dominante, tem sido um dos fatores mais importantes no desenvolvimento da humanidade. O herege busca ser um revolucionário ou ao menos alguém que não se contenta com uma única forma de pensar.”, afirmou o escritor Leonardo Padura em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo.
Na contramão de muitos, Padura não desqualifica os hereges como se eles representassem algo absurdo ou até mesmo pecaminoso. Ao contrário de visões pré-concebidas que desmerecem os hereges (uma das hipóteses do autor que poderia explicar isso seria a influência da Igreja Católica), o novo trabalho de Padura os enaltece e até mesmo os celebra.
“Por isso, tenho pelos hereges uma enorme admiração: é preciso ter valor para ser herege, e ainda mais para demonstrar isso numa sociedade em que um pensamento único domina, determina e condena”, completou ele na mesma entrevista.
Em Hereges, Padura constrói um romance policial e simultaneamente histórico. Baseado em vários fatos reais , o romance é permeado pela questão judaica, pelo nazismo e pela sociedade Cubana. Hereges contém três histórias que percorrem desde a Nova Jerusalém do século XVII até o ano de 2009, na cidade de Havana, onde vive seu famoso personagem, Mario Conde, agora ex policial. Padura narra três histórias sendo que, em um primeiro momento, a conexão entre elas pode parecer meio nebulosa e estranha. Porém, essas histórias não são casuais e se inter-relacionam de uma forma que fica cada vez mais clara conforma a leitura progride.
Por isso, esse não é um livro em que as respostas vão aparecer rapidamente; é necessário ter um pouco de calma para percorrer suas pouco mais de 500 páginas. Quando surgem algumas respostas, o escritor propõe novas perguntas e a saga de Mario Conde para tentar desvendá-las é também a saga do leitor.
As três histórias que compõem Hereges são “Livro de Daniel”, “Livro de Elias” e “Livro de Judit” respectivamente. Após todas elas há uma parte chamada “Gênesis” que faz também um elo entre tudo o que foi narrado e encerra a obra como um todo.É pela mescla entre a época da Segunda Guerra Mundial e os dias mais atuais em Havana, que o “Livro de Daniel “ irá se estruturar. Um dos maiores acontecimentos históricos trabalhados por Padura ocorreu em 1939, quando o navio S.S. Saint Louis transportava mais de novecentos judeus que receberam autorização para embarcar para Cuba, porém o regime nazista impõe uma série de dificuldades para que isso aconteça. Os imigrantes, muitos dos quais já tinham parentes e amigos os esperando nos portos, não receberam permissão para entrar no país, e posteriormente, muitos deles morreriam em campos de concentração.
A partir desse acontecimento real, Padura cria a família Kaminsky que, durante a viagem, levava consigo um quadro extremamente valioso pintado por Rembrandt. Os membros da família que visavam entrar em Cuba estavam muito esperançosos de que a pintura, que estava na família há muitos anos, lhes garantisse a liberdade. Porém, não é isso o que acontece e o menino Daniel Kaminsky e seu tio, que já estavam em Cuba, continuam sozinhos ali.
Anos depois, o quadro misteriosamente é leiloado em Londres em 2007 e Elias, filho de Daniel, viaja até Havana e procura Mario Conde para tentar descobrir a trajetória do quadro e de sua família. Inicialmente, Conde fica bastante desconfiado a respeito dessa história inusitada, mas logo aceita o desafio e tenta ajudar Elias.
Já na segunda parte de Hereges, o “Livro de Elias” irá contextualizar a origem do quadro e inserir mais um importante personagem, Elias Ambrosius, outro judeu, mas que vivera no século XVII ao lado do famoso Rembrandt. Finalmente, o “Livro de Judit” volta aos anos 2000 em Cuba, onde uma adolescente emo desaparece e, de forma bastante inesperada, é esse caso, aparentemente desconexo de tudo o que já foi narrado, que será responsável pela solução do mistério em torno da pintura de Rembrandt.
A edição da Boitempo é muito bem feita e possui fotos históricas, porém a letra poderia ser maior para deixar a experiência mais confortável. Hereges é, sobretudo, uma obra sobre a busca da liberdade e sobre o combate à opressão. Como explicou o autor, as narrativas são entrelaçadas por dois fios, um deles é o material, que é o quadro de Rembrandt, já o outro é o conceitual, que é a liberdade.
Seus personagens, cada um inserido em um contexto diferente, buscam as próprias liberdades individuais diante de um sistema, seja ele político, religioso etc, que não os acolhe e não convive bem os não ortodoxos. Embora o autor tenha escolhido alguns locais específicos para situar os enredos, vale lembrar que a procura pela liberdade não se restringe a um tempo ou local, ela acontece a todo momento e em todos os lugares.
Ficha técnica
Título: Hereges
Autor: Leonardo Padura
Editora: Boitempo Editorial
Tradução: Ari Roitman e Paulina Wacht (com colaboração de Bernardo Neto)
Ano: 2015
Especificações: Brochura, 506 páginas

Aline Khouri

Jornalista, com especialização em Cultura. Adora ler e escrever sobre pessoas e assuntos culturais, especialmente Literatura, Cinema e Teatro.
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