Resenha de livro | Os transparentes, de Ondjaki

Aline Khouri

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25 de janeiro de 2016

O prédio tinha sete andares e respirava como uma entidade viva, diz o narrador. É nesse edifício, localizado no centro de Luanda, em que moram Odonato, Xilisbaba, Amarelinha, AvóKunjikise e MariaComForça, personagens do romance Os transparentes, de Ondjaki. Outros habitantes da cidade como O Cego, O VendedorDeConchas e O Carteiro juntam-se a eles para compartilhar sonhos, histórias e vivências. São esses homens simples e sem visibilidade que ganham espaço na obra e a protagonizam.
O princípio da leitura pode ser confuso, pois não é possível compreender a situação descrita no início do romance; revelada apenas no final da obra. No entanto, essa sensação de estranhamento é ultrapassada na medida em que as histórias dos personagens são apresentadas e emerge o pano de fundo da narrativa. Ondjaki constrói dois grupos distintos de personagens: os que gozam de privilégios (as autoridades, o governo, ou seja, pessoas que detêm as forças de poder) e aqueles que sofrem da falta deles, como os homens comuns que precisam lutar para sobreviver.
No decorrer da narrativa, descortinam-se os contrastes entre esses grupos e, portanto, uma sociedade alimentada por um progresso que se diz democrático, mas aprofunda ainda mais as desigualdades sociais já existentes. Nesse sentido, são emblemáticas a exploração dos recursos naturais e a busca por petróleo empreendidas pelas instituições governamentais. Instigado pelo lucro (que, é claro, não chegará a beneficiar as classes menos favorecidas) resultante do petróleo, o governo chega a criar a CIPEL (Comissão Instaladora do Petróleo Encontrável em Luanda). De um lado sobressaem a ganância e a corrupção e do outro perdura a miséria que constituem a sociedade luandense.
Um dos símbolos mais fortes dessa exclusão é a história de Odonato. O homem está, literalmente, tornando-se transparente em um processo desencadeado pelo desemprego e pela fome. A certa altura, o corpo de Odonato fica tão pequeno e frágil que a mulher precisa amarrá-lo para que não saia voando pelos céus de Luanda. A transparência de Odonato, que se estende a tantos outros personagens e que está no título da obra é, essencialmente, real e alegórica. Ondjaki dedica atenção e dá voz a personagens socialmente e politicamente invisíveis, aqueles que (quase) ninguém enxerga e que reivindicam visibilidade e melhorias nas suas condições de vida, afetados por um sistema capitalista voraz. Como diz Odonato: “não somos transparentes por não comer, somos transparentes porque somos pobres”.
Marcado pela oralidade do português luandense, Os transparentes é um texto em prosa repleto de imagens poéticas e de lirismo, características que permeiam outros livros escritos por Ondjaki. Além disso, os personagens surpreendem em virtude de suas complexidades; os infortúnios com os quais convivem não os fazem desistir, pelo contrário: à revelia das forças de poder, sobrevive a esperança e o sorriso nos rostos desses transparentes que infelizmente são reais e muitos.
Ficha técnica
Título: Os transparentes
Autor: Ondjaki
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2013
Especificações: Brochura, 312 páginas

Aline Khouri

Jornalista, com especialização em Cultura. Adora ler e escrever sobre pessoas e assuntos culturais, especialmente Literatura, Cinema e Teatro.
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