Resenha de livro | Zero zero zero

Aline Khouri

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8 de dezembro de 2014

“O sujeito sentado agora a seu lado no metrô cheirou  para acordar hoje de manhã; ou o motorista do ônibus que te leva pra casa porque quer fazer hora extra sem sentir dor na cervical. As pessoas mais próximas de você cheiram. Se não é seu pai ou sua mãe, se não é seu irmão, então é seu filho. Se não é seu filho, é seu chefe. Ou a secretária dele que só cheira aos sábados pra se divertir”.  Essa é a abertura de Zero zero zero,  livro mais recente de Roberto Saviano. Nessa parte inicial, intitulada ‘’Cocaína #1’’,  o autor escreve que ‘’cheirar’’ (cocaína) é um ato cotidiano e prossegue até a declaração emblemática:  “Mas se, pensando bem, você acha que nenhuma dessas pessoas cheira cocaína, ou você é incapaz de ver, ou está mentindo. Ou, simplesmente, quem cheira é você”.
Conhecido por ser um jornalista que se embrenha em investigações de temas delicados, o jornalista italiano Roberto Saviano vive sob escolta policial desde que publicou a obra Gomorra, em 2006, na qual revelou histórias sobre a máfia italiana. Saviano infiltrou-se em um grupo chamado Camorra, um dos braços da máfia do país, e o resultado disso – além da publicação do livro – é visto também nas ameaças de morte ao escritor. Ainda assim, isso não impediu o jornalista de exercer o seu ofício. Desta vez, o tema é a droga, mais especificamente a cocaína e sua trajetória em várias partes do mundo, além de seu impacto na economia e os movimentos para tentar combatê-la.  Faz parte desse contexto até o  título, que não foi escolhido aleatoriamente, pois  Zero zero zero é o modo usado por traficantes europeus para se referirem a uma cocaína de máxima qualidade.

Roberto Saviano


São muitos os lugares e personagens que estão impressos nas páginas de Zero zero zero. No caso de alguns deles, o autor os cita brevemente para contar alguma história ou fornecer alguma informação mais precisa. Por outro lado, outros são mais contemplados no rastro do narcotráfico, como os cartéis mexicanos: Os Caballeros Templários, os Zetas e o de Sinaloa. Histórias de outros países, de seus grupos criminosos também se destacam. São colombianos, norte-americanos, brasileiros…inclusive Saviano dedica espaço ao tráfico nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, ao discorrer sobre a organização e a influência dos grupos Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho.
Paralelamente às descobertas feitas pelo autor a respeito da cocaína, há uma narrativa menos explícita. Em alguns momentos, o autor fala sobre o processo de escrita do livro, como se estivesse em um bate-papo informal.  Segundo ele, ‘’escrever sobre a cocaína é como consumi-la”, no sentido de que o processo de investigação sobre a droga é inebriante a ponto de ser comparado a um vício. Além disso, o jornalista menciona, mais de uma vez, como é ter uma vida com tanta proteção a sua volta (ele chega a dedicar o livro aos “Carabinieri”, que são os policiais que o protegem) e fica a impressão de que ele se arrepende por ter embarcado nessas apurações.
Independente disso, é evidente que o autor investigou o caminho da cocaína de forma extensa.  O problema é que, justamente por isso, parece que o jornalista tentou abarcar muitos aspectos em um só livro, o que prejudicou sua qualidade. Talvez fosse melhor que, ao invés de se concentrar em muitos de forma mais rápida, Roberto Saviano se detivesse em poucos (personagens, grupos, lugares etc) com detalhes mais profundos. O tema é instigante mas sua complexidade requer um trabalho mais criterioso de edição.
Ficha técnica
Título: Zero zero zero
Autor: Roberto Saviano
Tradutores: Federico Carotti, Joana Melo, Marcello Lino e Maurício Santana
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2014
Especificações: Brochura, 400 páginas
ISBN: 8535924825
Peso: 00,61kg
Altura: 23 cm
Largura: 16 cm

Aline Khouri

Jornalista, com especialização em Cultura. Adora ler e escrever sobre pessoas e assuntos culturais, especialmente Literatura, Cinema e Teatro.
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