Precisamos falar a respeito de ‘Sob Pressão’
Bruno Giacobbo
|27 de junho de 2019
Diferentemente do que disseram alguns dos envolvidos em sua realização, o 10° episódio (com duração dupla) da 3ª temporada de Sob Pressão possui cortes em pelo menos dois momentos: no início, quando os médicos Evandro (Julio Andrade) e Carolina (Marjorie Estiano) são vistos pintando o quarto do bebê que estão esperando e na hora que acontece a Festa Junina, promovida pela milícia, na comunidade vizinha ao Hospital São Tomé Apóstolo. Estas duas cenas não são uma longa e única sequência. Mais tarde, precisamente quando nos é mostrado o mutirão para esvaziar as filas de atendimento da unidade hospitalar, aí, sim, tudo ocorre sem cortes. Em um longo e maravilhoso plano-sequência que só é interrompido pelos breaks obrigatórios para os comerciais e retomado em seguida. Até o aviso do Ministério da Saúde que encerra cada capítulo. Todavia, nada apaga o brilhantismo do negócio todo.
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‘Ozymandias’ da televisão brasileira
Ao acabar de assistir ao episódio da última quarta-feira, protagonizado e DIRIGIDO pelo ator Julio Andrade, com roteiro de André Sirangelo, fiquei com a sensação de ter visto o Ozymandias da televisão brasileira. Para quem não sabe, Ozymandias é o capítulo de número 14 da 5ª temporada de “Breaking Bad”, normalmente considerado pelos críticos americanos como o melhor episódio de qualquer série já feita nos Estados Unidos. Ou seja: “O Poderoso Chefão” da parada. Um exagero da minha parte? Talvez. Só que eu ainda não consegui deixar de pensar em tudo que vi e, provavelmente, não vou me livrar desta sensação por um bom tempo.
A questão é que, se as cenas iniciais não se diferenciam muito de qualquer outro começo de Sob Pressão, quando adentramos os corredores do São Tomé Apóstolo a coisa muda totalmente de figura. Parafraseando o que foi dito por alguém, acho que pelo showrunner (por aqui, diretor artístico) Andrucha Waddington, Julinho criou uma grande coreografia entre câmeras e elenco para realizar o plano-sequência. Foram horas e mais horas de ensaios para conseguir filmar e alcançar o resultado desejado.
Um elenco brilhante
E aí, neste instante, além de notarmos como um produto televisivo pode ser extremamente cinematográfico, percebemos também como o elenco desta série é, de fato, fantástico. Marjorie Estiano, o próprio Julio Andrade, Bruno Garcia, Drica Moraes, Pablo Sanábio, Júlia Shimura e Heloisa Jorge, entre outras participações mais ou menos recorrentes, formam um trupe tão coesa e que passa uma sensação tão natural de que é um prazer para eles realizarem este trabalho, que isto por si só, independente de qualquer mérito técnico ou artístico, já explicaria o sucesso do seriado.
Entretanto, em meio a um elenco tão bom, é obrigação citar seus dois protagonistas: o casal de cirurgiões interpretado por Julio Andrade e Marjorie Estiano. O primeiro, de tempos em tempos, repetindo o mantra que deve deixar os médicos de verdade loucos, “ninguém morre no meu plantão”, e lançando mão de suas “gambiarras médicas”, traduzindo, improvisações que fariam Angus MacGyver corar de inveja. A segunda, o coração da dupla, e que no episódio mais recente, grávida, se esquivando das balas para pegar plasma para um hemofílico que fora atingido, fez o público se contorcer na poltrona de casa. Julio e a pequena notável Marjorie são dois dos maiores talentos da dramaturgia nacional e o que esta série faz é apenas confirmar o óbvio para quem ainda tinha alguma dúvida.
‘O Poderoso Chefão’
E já que mencionei, indiretamente, “O Poderoso Chefão” lá em cima, é preciso citar uma homenagem (muito bem colocada, não apenas uma cópia ou algo chupado) feita pelo roteirista Sirangelo.
Com queimaduras de 3º grau e tendo inalado ar quente, uma menina, que participava da Festa Junina no início do episódio, está precisando de um broncoscópio, aparelho em falta no hospital. Sem titubear, Roney (João Victor Silva), o namorado dela, procura Aristeu (César Ferrario), o chefe da milícia, e pede ajuda. Eis que começa o seguinte diálogo:
– Mas, Roney, eu quis ser seu amigo e você não aceitou minha amizade. Agora, você vem e pede minha ajuda?
– Aristeu, eu sei que não fui seu amigo, mas é que eu não queria me meter em confusão. Só que agora eu gostaria de ser seu amigo.
– Ok. Eu vou te ajudar, mas pode ser que um dia eu precise de um favor. Neste dia, voltaremos a conversar.
É por estas e por outras coisas como, por exemplo, a belíssima e eletrizante trilha sonora composta por Antônio Pinto (um dos grandes nomes do cinema nacional em sua área) que Sob Pressão, uma coprodução da Conspiração e da TV Globo, é a melhor série da televisão brasileira em muitos anos e dos últimos tempos.
::: TRAILER
::: FICHA TÉCNICA
Título original: Sob Pressão
Temporada: 3
Criador (es): Luiz Noronha, Cláudio Torres, Renato Fagundes, Jorge Furtado
Direção: Andrucha Waddington (direção artística), Mini Kerti
Roteiro: Márcio Alemão, Jorge Furtado, Lucas Paraizo, Antonio Prata, André Sirangelo, Flávio Araújo, Claudia Jouvin
Distribuição: Globo / Globoplay
Produção: Globo / Conspiração
Elenco: Julio Andrade, Marjorie Estiano, Bruno Garcia, Pablo Sanábio, Drica Moraes, Marcelo Batista, Jana Guinond, Joana Fomm
Data de estreia: qui, 02/05/19
País: Brasil
Gênero: drama
Ano de produção: 2019
Classificação: 16 anos
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
