CRÍTICA | ‘Teobaldo morto, Romeu Exilado’: Uma História de Desamparo, Solidão e Identidade

Bianca Moreira

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9 de maio de 2016

O segundo longa-metragem do diretor Rodrigo de Oliveira, “Teobaldo Morto, Romeu Exilado”, bebe em uma temática universal que por diversas vezes a literatura, o teatro, a música e o cinema remodelaram com novas embalagens. Essa que é uma das mais antigas artes do ser humano: a arte de se relacionar.

A referência ao universo teatral não se manifesta apenas no título, que resgata uma das mais famosas tragédias shakespearianas, “Romeu e Julieta”, mas também na composição dos diálogos que se constroem durante o enredo de forma poética e pouco naturalista.

A trama é introduzida pela figura de João (Alexandre Cioletti) que opta pelo isolamento em uma propriedade do interior do estado de Espirito Santo após sua esposa grávida, Flora (Sara Antunes), ter rompido com ele. Lá, sua rotina oscila entre o trabalho na lavoura e aos momentos que se dedica a tocar violão. Até que é surpreendido por uma figura que remete diretamente ao seu passado. Trata-se de seu melhor amigo, Max (Rômulo Braga), há muitos anos desaparecido e dado como morto.foto1_5A relação que se estabelece entre João e Max adquire um tom contraditório, pois são homens que possuem muita atração e muita aversão entre si. Inúmeras vezes se encontram em situações de embate e de cobrança de satisfações. Os primeiros momentos que passam juntos são marcados por uma espécie de acerto de contas. Toda essa tensão acaba se reverberando em um evidente confronto físico, episódio que acaba sendo o elemento central do filme.

Antes da cena de enfrentamento, o filme possuía um caráter cadente com imagens de quase nenhum dinamismo, após o embate, vai adquirindo um cunho mais simbólico.  

Em um certo momento de solidariedade e reaproximação entre esses personagens há a aparição de um ser mitológico a partir da fusão dos corpos de João e de Max, o Centauro. Símbolo da mitologia grega que representa a dualidade da natureza de alguém e que possui a tríade razão, emoção e violência como característica de sua identidade. Rodrigo, de forma exemplar, recorre a esse símbolo como uma forma de representar metaforicamente a ligação complexa que se estabelece entre esses dois protagonistas.

Diferentemente dos filmes direcionados à industrial cultural, “Teobaldo morto, Romeu exilado” não exige que os atores coloquem em suas expressões uma emoção super exagerada, valoriza e desperta a beleza dos pequenos detalhes da representação.

Outro destaque do filme é a fotografia. O enquadramento valoriza majoritariamente planos abertos. A câmera fica longe dos personagens de modo que eles ocupem uma parte pequena do cenário, destacando a ambientação.

Assim como em “Romeu e Julieta”, “Teobaldo morto, Romeu exilado” traz uma trama de enfrentamento as convenções sociais no que se diz respeito a família e aos arquétipos que ainda perduram no imaginário coletivo da sociedade ocidental.

Na peça, Romeu simboliza a ruptura, na medida em que desafia sua família ao relacionar-se com Julieta – membro de uma família inimiga. Teobaldo, primo de Julieta, é o antagonista de Romeu. É o personagem que reflete a manutenção da ordem e que pretende, a todo custo, manter a hostilidade entre às duas famílias rivais. Essa dualidade entre manutenção da ordem e ruptura também se manifesta no longa de Rodrigo de Oliveira. Max se rebela contra um ato inquestionável na sociedade: a manutenção do laço afetivo com a família nuclear, através de um sumiço inesperado, deixando para trás sua mãe, Dona Helena e sua namorada, Flora. Enquanto João representa a manutenção da ordem, na medida que substitui a figura de Max, relacionando-se afetivamente com Flora, e se mudando para a casa de Dona Helena.foto2_22

A paixão de Romeu é uma trágica “falha” que causou destruição, assim como a decisão de Max de “vagar” por aí devastou a estrutura das pessoas com quem convivia, prejudicando a lucidez da sua própria mãe que, aos poucos, passou a ver em João a imagem de seu filho.

O atraso narrativo, as inúmeras pausas dramáticas que, por vezes, pode dar ao filme um aspecto maçante, abre margem para um olhar muito provocador e contemporâneo de entender as relações interpessoais, principalmente no âmbito familiar.  Rodrigo de Oliveira traz uma vertente conflituosa e carregada de carga emocional que sugere que a experiência em família é intraduzível e que dificilmente conseguimos racionaliza-las e compreende-las. Não parece algo simples em que é possível resolver com uma trama trivial, linear, de encadeamento lógico que ao final promova inequivocamente uma única espécie de leitura. A narrativa de “Teobaldo morto, Romeu exilado” é fragmentada, é repleta de elipses o que contribui para que entendamos que os personagens possuem um passado e que este está totalmente fora de nosso alcance.


FICHA TÉCNICA

Título original: Teobaldo morto, Romeu exilado
Distribuição: Pique-Bandeira Filmes
Data de estreia: qui, 28/04/16
País: Brasil
Gênero: drama
Ano de produção: 2016
Duração: 118 minutos
Classificação: 16 anos
Direção: Rodrigo de Oliveira
Elenco: Romulo Braga, Alexandre Cioletti, Sara Antunes

Bianca Moreira

Estudante de jornalismo. Apaixonada por literatura,teatro, fotografia e especialmente pela sétima arte.
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