ESPECIAL | Josie & As Gatinhas, Os Impossíveis e o Hit Parade da Hanna Barbera

Renata Argarate

|

1 de março de 2016

Quem tem mais de 40 anos e, portanto, cresceu assistindo aos desenhos produzidos pela Hanna Barbera nas décadas de 1960 e 1970 e lançados por aqui na virada dos anos 70 para os 80 com ares de novidade, com certeza se lembra. Devido ao sucesso de séries criadas pela concorrência e que tinham como personagens bandas reais, como o desenho animado dos Jackson Five (feito em parceria da gravadora Motown com a produtora Rankin-Bass e exibida entre 1971 e 1972), o seriado The Monkees (que o canal de TV NBC produziu e levou ao ar entre 1966 e 1968), a animação A Turma do Archie (criação da emissora CBS que durou de 1968 a 1969, e revelou a banda The Archies) e, acreditem, até um desenho animado dos Beatles (sim, isso existiu e deu origem à onda, com 39 episódios que o canal americano ABC levou ao ar entre 1965 e 1969), a dupla de cartunistas William Hanna & Joseph Barbera resolveu faturar com a tendência. E lançou, uma atrás da outra, séries animadas estreladas por grupos de personagens que, além de viver aventuras e desvendar mistérios, também tinham uma banda de música nas horas vagas.

https://www.youtube.com/watch?v=lQ4pigpo9O0

Deu certo. Criações clássicas da dupla surgiram graças a essa fórmula: Josie & As Gatinhas, Tutubarão, Charlie Chan & Família, Gatolândia e claro, o épico, inesquecível e insuperável desenho mais famoso que seguia a esta receita: Os Impossíveis.

Assim como os desenhos da concorrência, as adoráveis pirações roqueiras inventadas pela Hanna Barbera tinham como alvo os públicos teen e pré-adolescente, e não só a criançada. Na verdade eram todas variações sobre o mesmo tema: grupo de jovens (ou família com filhos adolescentes) que forma uma banda musical e, nas horas vagas, dedica-se a resolver mistérios (ou seria o contrário?). A produção, por ser praticamente industrial, era o básico do básico: cenários com poucos detalhes (pelo menos em comparação ao que H&B faziam nos tempos da primeira versão de Tom e Jerry), personagens cuja expressão facial se limitava à boca mexendo e/ou os olhos piscando, e aqueles mesmos efeitos sonoros impagáveis que já renderam até um álbum só com eles (foto abaixo) – infelizmente, não lançado no Brasil #PraVariar. Alguns desses desenhos tinham até claque gravada, o que só torna tudo mais hilário e bizarro ainda.

Havia, porém, muito mais aspectos positivos do que negativos nos desenhos do hit parade de William Hanna & Joseph Barbera: personagens carismáticos, enredos que prendiam a atenção, aquele visual bem sessentinha e setentinha que era um barato, e uma trilha sonora que, vamos combinar, era bem melhor do que muita coisa que toca no rádio hoje.

Vamos então dar uma viajada e relembrar os personagens H&B que fizeram o deleite dos nossos olhos e ouvidos na infância:

  • OS IMPOSSÍVEIS (1966)

Foi o primeiro projeto da Hanna Barbera dentro do conceito “desenho de banda”. Baseava-se, claro, num grupo musical chamado Os Impossíveis que, na verdade, era composto por três super-heróis disfarçados. Os vilões que eles combatiam eram as figuras mais xaropes do universo, como o Perigoso Boneco de Papel. Na segunda temporada da série (que infelizmente durou apenas um ano), entrou em cena o personagem Frankenstein Junior.

O som e o visual do grupo se pareciam descaradamente com os dos Beatles (de propósito, é óbvio!), e isso foi um dos motivos do sucesso estrondoso do desenho mundo afora – inclusive no Brasil. William Hanna e Joseph Barbera perceberam, então, que ali havia uma mina de ouro.

https://www.youtube.com/watch?v=AoT3gdNmTXg

  • A TURMA DA GATOLÂNDIA (1969-1971)

Programa de animação com um formato curioso: cada episódio durava uma hora e era na verdade um pacote dividido em quatro segmentos – “A Turma da Gatolândia”, “Volta Ao Mundo Em 79 Dias”, “Juca Bala & Zé Bolha” e “É o Lobo!” – sem nada de live action entre eles. Os personagens eram uma banda de gatos músicos que tocavam (adivinhe!) rock and roll. Mas o que eu acho sensacional é a estética do desenho, com imagens em caleidoscópio, cores berrantes e muita psicodelia, tudo com a cara da época em que ele foi feito. Praticamente uma “acid trip” para crianças. Very louco, muito crazy.

https://www.youtube.com/watch?v=QwanljVmWuw

  • JOSIE & AS GATINHAS (1970-1974)

Lançado para competir com o desenho do grupo The Archies, e também para atrair um público feminino maior, este clássico cultuado pelas meninas da época trazia um grupo de garotas que vestiam trajes com estampa animal e cantavam e tocavam rock. Elas viajavam pelo mundo fazendo turnês, e entre um show e outro e metiam em estranhas aventuras, enfrentando aqueles vilões inacreditáveis que só a Hanna Barbera sabia criar. Foi o primeiro desenho a apresentar uma personagem afro-descendente fixa em seu elenco de personagens – a esperta Valerie, que tocava pandeiro no grupo. Assim como havia ocorrido com The Archies, o desenho originou uma banda na vida real, com cantoras escolhidas pelos produtores. Sinceramente, elas deixavam as Spice Girls no chinelo.

  • AS AVENTURAS DE CHARLIE CHAN (1972)

Baseado nas histórias do detetive chinês Charlie Chan (aquele que tinha 128 filhos). O dublador Keye Luke foi o único ator realmente de origem chinesa a interpretar o personagem, que já havia sido vivido também no cinema. Outra curiosidade: a voz do personagem Stanley cantando era feita por ninguém menos do que Ron Dante, o vocalista (e faz-tudo) da banda The Archies. A música-tema instrumental de abertura, aliás, era uma das mais grudentas da história do desenho animado. Aliás, sabem quem era o produtor da trilha? Don Kirschner, o mesmo do The Monkees.

https://www.youtube.com/watch?v=DSLB2K3FPRw

  • BUTCH CASSIDY & THE SUNDANCE KIDS (1973)

Mais um desenho rock and roll da H&B, cujo título aproveitava o sucesso do filme de 1969 (que na verdade nada tinha a ver com o desenho) Butch Cassidy & Sundance Kid. A história merecia nota zero no quesito originalidade: grupo de jovens que levavam uma vida dupla como combatentes do crime e banda de música nas horas vagas (ou o contrário, se você preferir). O grande barato da série era o fato de o grupo ter um cachorro chamado Elvis, e um supercomputador (coisa avançada pra época). Na trilha sonora, pop-chiclete anos 70 no ‘úrtimo’.

  • A FAMÍLIA DÓ-RÉ-MI (1974-1977)

A história sobre como surgiu este desenho é saborosa.  Em 1974 (o ano em que eu nasci!), a Hanna Barbera teve a idéia de criar uma atualização do adorado clássico The Jetsons, com o garoto Elroy sendo mostrado como um adolescente e sua irmã Judy trabalhando como repórter. A CBS, emissora que exibia o desenho, recusou isso. A saída foi adaptar os personagens da famosa série live action A Família Dó-Ré-Mi, só que em uma versão futurista, com a família vivendo no ano de 2200 (!!!). Na série apareceram os novos personagens Veenie (amigo venusiano de Keith) e Marion (amiga marciana de Laurie). Danny tinha um cão-robô chamado Orbit.

O único “buraco” no roteiro foi a falta de explicação sobre como a família foi parar num ano tão distante no futuro, de repente. Mas isso são detalhes sem muita importância…

  • TUTUBARÃO (1976-1978)

Pegando carona no sucesso do aterrorizante filme Tubarão, de Steven Spielberg, William Hanna e & Joseph Barbera criaram “um peixão que tinha um enorme coração” e uma turma de colegas roqueiros com um pé na disco music (também, olha a época em que o desenho foi feito!).

O sorridente bicho também tocava bateria na bandinha de seus amigos humanos. Dizem que a inspiração para os trejeitos dele foi o Curly, dos Três Patetas. Tutubarão juntava as fórmulas do futurismo (a história se passava, acreditem, no fundo do mar no ano de 2076), já utilizada em Os Jetsons e Família Dó-Ré-Mi, com a do “grupo de adolescentes com animal de estimação que fala”, consagrada em Scooby Doo. O jargão “Não tem mais respeito!” (“I get no respect!”) , que Tutubarão vivia repetindo, foi copiado do comediante Rodney Dangerfield. O outro bordão do personagem (esse sim todo mundo lembra!) era “Nhac Nhac!”.

tutubarão

*A incorporação foi desativada mediante solicitação (clique na imagem para ver o vídeo)

Donos de um tino comercial só comparável ao de Walt Disney, William Hanna e Joseph Barbera aproveitaram cada gotinha do sucesso de suas criações, faturando com inúmeros produtos, como bonecos, camisetas, e principalmente revistas em quadrinhos e para colorir (Eu tive! Eu tiveee!!!). Vamos combinar: os caras eram gênios, criavam desenhos por encomenda para diversos canais de TV dos EUA ao mesmo tempo (algo que hoje em dia seria inadmissível) e seu trabalho tinha qualidade e inventividade – tanto é que conseguiu resistir ao tempo. Gente genial, que ama o que faz, merece cada centavo da fortuna que ganha. E no caso específico de William Hanna e Joseph Barbera, eu ainda acho pouco.

Renata Argarate

O que sabemos sobre Wicked Boa noite Punpun Ao Seu Lado Minha Culpa Lift: Roubo nas Alturas Patos Onde Assistir o filme Lamborghini Morgan Freeman