CRÍTICA | Documentário ‘Quanto Tempo o Tempo Tem’ é uma bela reflexão sobre a vida

Tatiana Reuter

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5 de abril de 2016

O que mais escutamos hoje em qualquer roda de amigos, em qualquer conversa é uma queixa constante de nossa falta de tempo. Tudo passa muito rápido, não damos conta das notícias, dos e-mails, de atender aos amigos, amores e familiares em todos os meios de comunicação possíveis e ainda precisamos dar conta da vida, essa particular, individual e única que requer justamente duração, espaço e silêncio para absorver. Levando isso em conta, Adriana L. Dutra e Walter Carvalho nos mostram em seu Quanto Tempo o Tempo Tem uma pesquisa ampla e filosófica sobre o assunto que tanto nos tira o sono.

O filme vale por seus convidados. Um elenco de peso: o sociólogo italiano Domenico de Masi, o físico Marcelo Gleiser, a monja Coen Sensei, os filósofos franceses Thierry Paquot e André Comte-Sponville, a escritora Nélida Piñon, o rabino Nilton Bonder, o cineasta Arnaldo Jabor e outras personalidades se unem aqui para nos dar um panorama que trata da unicidade do presente – quando entendemos que não existe passado ou futuro, mas apenas o agora (um conceito que eu acredito e tento viver, mas que não exclui a ideia de projeção e planejamento), da evolução tecnológica cuja própria velocidade não nos permite muita divagação, da nossa relação com o tempo que finda quando morrermos, da possibilidade oposta, de não morrermos e nos transformarmos em transumanos ou superhumanos, dos significados de tempo através das Idades históricas e outros grandes conceitos.

Adriana e Walter tentam dar conta destes assuntos em 76 minutos e o fazem bem, mas é um fato que este filme poderia se desdobrar em um seriado, onde cada subtema seria abordado em profundidade. Como em Fumando Espero com a dependência do cigarro, este novo também parte de uma inquietação da diretora, sendo o segundo filme de sua Trilogia da Catarse, cujo próximo ainda é um projeto em fase de captação de recursos. Walter Carvalho, diretor experiente e fotógrafo por excelência, assina a co-direção e a direção de fotografia também, junto com Bacco Andrade. Com relação à linguagem, é um filme de depoimentos e talvez o grande número de entrevistados incomode um pouco – como em Fumando – por vermos um caleidoscópio de vozes. Desta vez, entretanto, se percebe uma evolução quando o conteúdo é destrinchado por pensadores em menor número, depoimentos relevantes e a condução das entrevistas intercaladas na montagem, que nos guia através de conceitos interessantes.

Outro ponto de dissonância é a narração. Aqui há algo que incomoda e talvez seja a própria forma do texto condutor que se propõe íntimo, mas que busca falar do todo. É uma questão que não desmerece o filme, mas o torna um tanto cansativo, em um ritmo que oscila grandes questões com estes intervalos de voz off sob imagens de velocidade em planos abertos de metrópoles. O tempo é um conceito abstrato, sendo difícil se tornar imagético sem cair nos clichês que o significam, mas ainda assim, talvez e ironicamente com mais tempo para seu desenvolvimento se encontrassem alternativas mais ricas.

Com o perdão do trocadilho, Quanto Tempo o Tempo Tem vale o tempo perdido, ultrapassando seus tropeços da forma. Estimula nossa reflexão sobre a vida que levamos, como e onde gastamos nossas horas e aí, tanto as ideias de trabalho, lucro e escravidão quanto do uso de redes sociais, da autopromoção de conteúdo sobre nós mesmos, do prolongamento da expectativa de vida, do que o futuro da tecnologia reserva para o desenvolvimento humano – biologicamente falando – nos fazem respirar fundo de alívio e nos prepara para um desafio intelectual na melhor interpretação da expressão. É um filme que nos deixa pensando não como uma grande descoberta, mas como certa iluminação a partir de ideias para nosso desenvolvimento e percepção do uso que fazemos do tempo, que muitas vezes não paramos para pensar sobre e somos atropelados por uma rotina que parece não caber em nossas horas. Que venham estas rodas de amigos e conversas com o filme visto; causará um tempo de silêncio e alguma mea culpa antes das queixas de sempre.

TRAILER:

FICHA TÉCNICA:

Direção: Adriana L. Dutra

Roteiro: Adriana L. Dutra & Flávia Guimarães

Codireção: Walter Carvalho

Direção de Fotografia: Walter Carvalho & Bacco Andrade

Produção Executiva: Cláudia Dutra & Viviane Spinelli

Direção de Produção: Flávia Guimarães

Produção Geral: Alessandra Alli

Edição de Som: Lulu Farah

Som Direto: Marcel Costa

Animação: Marcello Rosauro

Trilha Sonora: Lucas Ariel e Pedro Silveira

Edição: Renato Martins

Entrevistados em ordem de aparição no filme: André Comte-Sponville, Marcelo Gleiser, Thierry Paquot, Arnaldo Jabor, Francis Wolff, Luiz Alberto Oliveira, Raymond Kurzweil, Erick Felinto, Stevens Rehen, Domenico De Masi, Arthur Dapiéve, Alexandre Kalache, Monja Coen Sensei, Tom Chatfield, Analice Gigliotti, Nélida Piñon, Max More, Natasha Vita-More, Nilton Bonder

Gênero: Documentário

Duração: 76 minutos

Ano: 2014

Produção: Inffinito

Distribuição: EH Filmes & Synapse

Tatiana Reuter

Baiana residente no Rio. Produtora na tv, cineasta por formação. Vivo a base de vinho, pimenta e café forte. Escrevo no extraforte.blogspot.com e sou pós-graduada em Cinema Documentário. Programo o ano entre feriados e viagens e trafego entre Beatles e Gonzagão, fotos e livros.
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