Crítica de Teatro | Macbeth
Anna Cintra
|12 de março de 2016
Repasso mentalmente minhas percepções sobre Macbeth, em cartaz no Teatro João Caetano, e chego à óbvia conclusão de que sempre haverá alguém disposto a encenar William Shakespeare por aí. Fácil entender o por quê: textos que tratam tão bem das complexidades humanas não envelhecem!
Ron Daniels, diretor do espetáculo, sabe disso. Inclusive, já encenou mais de trinta clássicos do dramaturgo pelo mundo afora e traz , pela terceira vez consecutiva , todos os conflitos dos personagens Shakespearianos para os palcos brasileiros. Se em 2000 ele conduziu o ícone Raul Cortez na montagem histórica de Rei Lear e, em 2012 obteve grande sucesso de público e crítica com o Hamlet de Thiago Lacerda, em Macbeth ele alcança pontos muito positivos ao cuidar justamente… do texto! A tradução e adaptação feitas por ele e Marcus Daud evitam que a peça descambe para o enfadonho, oque é muito comum em apresentações do gênero.
Thiago Lacerda, nessa nova parceria com o diretor, vive o general Macbeth que, ao retornar triunfante de uma batalha, depara-se com três feiticeiras que lhe fazem uma profecia: ele poderá se tornar rei da Escócia. Sem obter maiores explicações, e sem deixar para que a sorte defina o seu destino, ele e sua esposa arquitetam um plano para assassinar o atual Rei Duncan e alcançar o Trono mais rapidamente.
A peça inteira move-se pelo ator (ou melhor, por Macbeth!) e Thiago dá conta do recado, dissipando qualquer vontade minha, mesmo que inconsciente, de achar ali traços de seus personagens televisivos. Mas é Giulia Gam quem encontra-se mais à vontade no palco. Ela dá forma e conteúdo à ambiciosa Lady Macbeth de um jeito orgânico e intenso. Convence em todas as suas entradas: seja quando a personagem alimenta e manipula a ainda reprimida sede de poder do marido; nos momentos de frieza e dissimulação ou já no final, tomada pelo remorso e pela loucura, tentando obssessivamente lavar as manchas de sangue imaginárias de suas mãos. Reafirma e brinda uma carreira que começou com o Romeu e Julieta dirigido pelo Antunes Filho e passou pelos igualmente bambas José Celso Martinez Corrêa, Aderbal Freire Filho e Gerald Thomas.Todos os outros personagens secundários são bem executados por experientes atores (Luísa Thiré, Lourival Prudêncio, Marco Antônio Pâmio, Silvio Zilber, Felipe Martins…) e mostram sintonia entre si. Aliás, a trupe de talentos reunida por Ron Daniels também participa de Medida por Medida, a segunda peça que compõe o Repertório Shakespeare nessa temporada.
O enorme painel de fundo – cenografia de Alexandre Orion inspirada no quadro Operários (Tarcila do Amaral)- em determinado momento, transmuta-se em um mural com caveiras e ajuda na atmosfera tensa e voraz exigida pelo espetáculo.
Uma curiosidade: a extensa obra literária de Shakespeare gerou inúmeras reflexões sobre o comportamento humano. Os personagens de Macbeth, especificamente, levaram Freud (entre outros) a especular sobre personalidades que fracassam ao triunfar (mostradas com eficiência na montagem de Ron Daniels) e podem ser revistos também em dois filmes recém lançados: A Floresta que se move (do brasileiro Vinícius Coimbra), e Macbeth:Ambição e Guerra (de Justin Kurzel, com Michael Fassbender no elenco).