Hanna Barbera, os recicladores de personagens

Renata Argarate

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1 de junho de 2016

Ultimamente, Hollywood e a TV brasileira têm vivido uma onda de reciclagem de personagens por novos autores cuja pegada não tem nada a ver com o espirito dos criadores deles. O único objetivo desse tipo de coisa é faturar uma grana em cima do sucesso daquilo que deu certo no passado. Fiz esta matéria para homenagear dois caras que fizeram parte da vida da minha geração, e que eram geniais em tudo, inclusive em atualizar personagens criados por outros autores e ganhar dindim com eles. Tô falando de William Hanna e Joseph Barbera – eles mesmos, os craques da Hanna Barbera. A trajetória dessa dupla é um exemplo de que é possível reinventar (e às vezes até aproveitar descaradamente) ideias alheias e ter muito sucesso, sem fazer algo emburrecedor, oportunista e/ou de má qualidade. Separei aqui alguns desenhos da HB que foram baseados em personagens alheios, mas que marcaram a infância de milhões de pessoas e trouxeram novo vigor a criações de outras épocas e/ou autores.

Capitão Caverna & As Panterinhas

Reciclagem cara-de-pau: em 1977 o seriado “As Panteras” estava no auge. De carona nesse sucesso, a Hanna Barbera lançou a animação Capitão Caverna & As Panterinhas. Aos coroas da minha geração é dispensável a explicação de quem é o Capitão Caverna: um monstro feio, brigão e peludo, sempre com um porrete nas mãos. Conforme o nome diz, ele foi descongelado pelas Panterinhas – as garotas Brenda, Kelly e Sabrina – e trazido da Idade da Pedra para o século XX. (Obviamente, o bicho não existia em As Panteras.) Sempre que ficava zangado, ele soltava seu grito de guerra inesquecível: “Capitãããão Caveeeernaaaaaa!!!”. Detalhe: a voz do Capitão Caverna era feita, no original em inglês, por Mel Blanc, que dublou a maioria dos personagens da Warner e foi o primeiro dublador do Pica-Pau. A molecada da época adorava imitar o personagem na escola, na hora do recreio. Talvez por isso o desenho tenha tido mais sucesso: durou de 1977 a 1980 e teve 62 episódios. Esse é outro clássico que ninguém esquece.

Gasparzinho & Os Fantasmas do Espaço

Se você tem mais de 40 anos, com certeza se lembra do fantasminha que queria só fazer amigos, mas nunca conseguia porque todos se assustavam com o fato de ele ser um… FANTAAAASMAAAA!!!! Pois é, ele foi criado em 1939 pela Harvey, que produziu desenhos com ele desde 1945 (os melhores!) até meados dos anos 60. Em 1979, os recicladores da HB desenterraram o personagem e o transformaram no fantasma de um astronauta (isso mesmo!), que vivia no ano de 2079 (por que será?) e lutava contra vilões acompanhados das Panterinhas – sim, maaais uma vez a Hanna Barbera pegava rabeira no sucesso do seriado As Panteras, só que estas Panterinhas eram outra “formação”, e eram só duas garotas, Mini e Maxi (belo nome pra uma dupla sertaneja). Além delas, Gasparzinho tinha outro amigo neste desenho, um fantasma meio sonso chamado Assombroso. Cada episódio tinha 30 minutos de duração. A série, pelo visto, não foi um grande hit: durou só 3 meses, de setembro a dezembro de 1979.

A Família Dó-Ré-Mi No Espaço Sideral

Essa história é curiosa. Em 1974, a Hanna Barbera quis criar uma segunda fase para o clássico Os Jetsons, mostrando os filhos do casal Jetson, Elroy e Judy, como jovens (tipo o que eles haviam feito entre 1971 e 192, com a nova versão dos Flintstones, que mostrava Bam Bam e Pedrita como adolescentes descolados). A emissora CBS, que exibia o desenho, disse não ao projeto. Porém, licenciou os personagens da série de live action Família Dó-Ré-Mi para que H&B fizessem uma versão em desenho animado. Aliás, a Família Dó-Ré-Mi não era exatamente estreante em desenhos: ela já havia feito inúmeras participações especiais no desenho Goober & Os Caçadores de Fantasmas, um sub-Scooby Doo que a HB produziu entre 1973 e 1975. O que William Hanna e Joseph Barbera fizeram? Jogaram a família no futuro (no ano de 2200, mais precisamente) e criaram uma versão espacial da adorada série sobre uma família de músicos. O desenho não emplacou como se esperava, pois durou apenas um semestre – de setembro de 1974 a março de 1975.

https://youtu.be/rvoxEq-b-Y4

Jeannie É Um Gênio

Este aqui muita gente não sabe (ou não se lembra) que existiu, mas eu posso afirmar que fez parte da minha infância. Aqui os personagens do lendário seriado live-action Jeannie É Um Gênio são reaproveitados, mas em outro contexto: os “donos” da “gênia” são agora Corey e Henry, dois motoqueiros recém-saídos da adolescência, que curtem praticar surfe e paquerar garotas. No seriado original, Jeannie pertencia a um astronauta, Tony Nelson, por quem ela se apaixonava. A Jeannie do desenho morria de ciúme de um dos dois motoqueiros, Corey (compreensível, pois ele era o mais bonitinho, hehehe) e fazia de tudo para agradá-lo. A versão animada tinha também o personagem Babu, um covarde e imaturo “gênio estagiário” sob o comando de Jeannie. O desenho foi lançado em 9 de setembro de 1973. Infelizmente, teve só 16 episódios. No Brasil, passava na TV Record no comecinho dos anos 80. Aposto que muita gente, assim como eu, conheceu o desenho antes do seriado.

Charlie & A Família Chan

O personagem Charlie Chan, um detetive chinês que trabalhava para a polícia havaiana (!!!) foi criado em 1926 pelo escritor Earl Derr Biggers (1884 – 1933). Foi protagonista de meia dúzia de livros e de uma batelada de filmes. Boa parte desse sucesso se deve ao fato de Charlie ser retratado como um sujeito inteligente, bondoso e elegante, contrariando os estereótipos raciais negativos da época em relação aos orientais. Em 1972, William Hanna e Joseph Barbera resolveram reciclar o personagem… com rock and roll na trilha sonora! A dupla criou a série de animação detetivesca-musical Charlie & A Família Chan, em que o chinês, sua filharada cujos nomes nem ele sabe direito, e o cachorrinho Chu Chu viajam pelo mundo em uma van, resolvendo mistérios. Os filhos mais velhos tinham também uma banda musical – explicada a trilha roqueira-chiclete? Exibida de setembro a dezembro de 1972, a série animada teve meros 16 episódios. Assim como muitas séries de animação criadas pela HB nos anos 1970, Charlie & A Família Chan fazia uso da claque, aquela famosa risadinha gravada cuja utilidade eu nunca entendi. (Será que era um jeito de dizer ao telespectador: “Ria, seu idiota, isto é uma piada! É pra rir! Ria, estou mandando!!!”? Esse negócio de claque sempre me irritou, pois acho um desrespeito à inteligência do público). Quando o desenho foi exibido nos canais Cartoon Network e Boomerang, a claque, que, aliás, era criada pela própria HB, foi retirada.

Os Super Globe Trotters

Clássico e com um visual inesquecível, Super Globe Trotters tornou-se um caso de auto-reciclagem. Entre 1970 e 1972, a HB produziu e exibiu a série The Harlem Globetrotters, que pegava carona na então popularidade do famoso time de basquete acrobático dos EUA, Harlem Globetrotters (sim, eles existem de verdade!), apresentando seus integrantes reais como personagens de desenho animado. Foi um sucesso. Mais que isso, foi o primeiro desenho com um elenco principal todo afrodescendente. Em 1979, William Hanna e Joseph Barbera resgataram os personagens da série que eles mesmos haviam encerrado sete anos antes, e lhes deram superpoderes! Super Globe Trotters trazia um grupo de jogadores de basquete também inspirado nos Harlem Globetrotters, mas que viravam super-heróis na hora de combater o crime. O desenho estreou em setembro de 1979 e teve 13 episódios; em cada episódio os campeões enfrentavam um supervilão diferente. Virou até vídeo game, da marca Nintendo.

Como eu sempre digo, tá faltando inteligência e criatividade na grande mídia. Ao contrário do que se pensa, desenterrar o que emplacou no passado e “fazer uma releitura” (para usar o termo da moda que esse pessoal a-do-ra) é algo extremamente arriscado, pois uma “nova versão” pode queimar o filme da obra original e matar a galinha dos ovos de ouro dos criadores. Risco por risco, acho bem mais inteligente garimpar novos talentos fora da grande mídia e dar a eles a chance de criar algo novo, surpreendente e inteligente. Afinal, reciclagem caça-níqueis no cinema e na TV pra mim é criminoso – a não ser que você tenha a genialidade de William Hanna e Joseph Barbera.

Renata Argarate

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